Passagens sobre Acaso

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Frases sobre acaso, poemas sobre acaso e outras passagens sobre acaso para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Aspectos da Virtude

O que tomamos por virtudes muitas vezes não passa de um conjunto de acções diversas e de diversos interesses que o acaso e a nossa indústria sabem ajustar; e nem sempre é por valentia e por castidade que os homens são valentes e as mulheres castas.
A virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia.
(…) Os vícios entram na composição das virtudes como os venenos na dos remédios. A prudência mistura-os, tempera-os, e serve-se deles eficazmente contra os males da vida.

A existência é feita de tal maneira que, muitas vezes, os pequeninos acasos trazem as grandes catástrofes.

O Corpo

Ante as portas desgarradas, paradoxal
é a morte: impossível, feito realidade,
acaso predito. Corpo, deus imortal,
para sempre cego e mudo, abandona-te ao livre

ar. Que te transformes e assemelhes à noite.
Tempestade final das sombras, foste, corpo,
respiração com voz, área que habitaste,
vária e discordante, a cada movimento.

E agora que a luz desfalece e não a tocas,
nem por ela és tocado, a palavra deixou
de ser a tua pátria e não mais esfolias

o espaço. Agora, que já nada mudará,
nenhuma eternidade te rescende. A morte
petrifica o frágil espaço que foi teu.

Acontece às vezes que uma flecha lançada ao acaso atinge o alvo que o arqueiro não queria; muitas vezes uma palavra pronunciada sem desígnio lisonjeia ou magoa um coração infeliz dividido entre o prazer e o medo.

Rosto Afogado

Para sempre um luar de naufrágio
anunciará a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuará rodeado de escamas cintilantes.

Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte é este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silêncio
atravessada na garganta.

Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidão bebida pelos bares,
nas mãos levemente adolescentes
poisadas na indolência dos joelhos.
Quem me dirá que não é verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

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Agora me Sinto Alegre e Inspirado

Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
Com mão diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
Se apenas meio me instruo, dobrada é minha ventura.
E acaso não é instruir-me, quando as formas dos seios
Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?
Compreendo então bem o mármore; penso e comparo,
Vejo com olhar tacteante, tacteio com mão que vê.
E se a Amada me rouba algumas horas do dia,
Em recompensa me dá as horas todas da noite.
Nem sempre beijos trocamos; falamos sensatos;
Se o sono a assalta, fico eu deitado a pensar muitas
coisas.
Vezes sem conto eu tenho também poetado em seus
braços
E baixo contado, com mão dedilhante, a medida
hexamétrica
No seu dorso. Em sono adorável respira,
E o seu hálito o peito me acende até à raiz.
O Amor atiça a candeia entretanto e pensa nos tempos
Em que aos Triúnviros seus o mesmo serviço prestava.

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O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Besta Célere

Há quem lhe chame, por brincadeira, besta célere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por média) desse produto cultural (agora é tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-seller é um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender – muito e depressa – que o best-seller é construído com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exactamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantíssimos, nem vale a pena enumerá-los. Convém não confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-seller tem, em relação aos livros «normais», uma característica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeão de vendas. A sua razão de ser é essa e só essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sério, que «o resto é literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como Love Story ou O Aeroporto. Não estou a pensar em «topes» de venda como O Nome da Rosa ou Memórias de Adriano. estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e,

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Sobre o Falso

Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que não são. Outros há de melhor fé, que nasceram falsos, se enganam a si próprios o nunca vêem as coisas tal como são. Há alguns cujo espírito é estreito e o gosto falso. Outros têm o espírito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que não têm nada de falso, nem no gosto nem no espírito. Estes são muito raros, já que, em geral, não há quase ninguém que não tenha alguma falsidade algures, no espírito ou no gosto.
O que torna essa falsidade tão universal, é que as nossas qualidades são incertas e confusas e a nossa visão também: não vemos as coisas tal como são, avaliamo-las aquém ou além do que elas valem e não as relacionamos connosco da forma que lhes convém e que convém ao nosso estado e às nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um número infinito de falsidades no gosto e no espírito: o nosso amor-próprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparência de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento,

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Filosofias de Vida

A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.

O Machismo Português e as Traições Amorosas

Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.

Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz.

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O Teu Céu

É em vida que tens o teu céu. Mas não é um céu prometido. Um céu prometido é um céu precavido, um céu prevenido – um céu invertido. O que já sabes que vai ser céu é um martírio. Se sabes que vai ser céu: então é porque não é céu. És tu que, todos os dias, tens de agarrar nas tuas perninhas e no monte de antíteses de que és feito. És tu que tens de rezar pelo teu céu. Mas rezar não é de joelhos. Rezar nem sequer é cruzar os dedos e olhar para o céu à espera de que de lá caia alguma coisa. O mais inusitado que podes esperar que caia do céu são perdigotos de quem, como tu, pensa que rezar é dizer meia dúzia de palavras com os joelhos dobrados e as mãos unidas em forma de impotência. Mas rezar não é nada disso. Vou-te explicar o que é rezar. Oremos, irmão.

Rezar não é ajoelhar nem é falar nem é esperar. Rezar é lutar. Não é por acaso que depois de morrer alguém de quem se gosta se faz o luto. Luto. Ouve bem, lê bem: sente bem. Luto. Luto.

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Não é para Alarde que Devemos Desempenhar o Nosso Papel

Quem só é homem de bem porque os outros o ficarão a saber e porque o estimarão mais depois de o ficarem a saber, quem só quer agir bem na condição da sua virtude chegar ao conhecimento dos homens não é homem de quem possamos obter grandes serviços.
(…) Não é para alarde que a nossa alma deve desempenhar o seu papel; é dentro de nós, no íntimo, aonde outros olhos não chegam excepto os nossos: ali ela nos protege do temor da morte, das dores e mesmo da desonra; tranquiliza-nos contra a perda dos nossos filhos, dos nossos amigos e das nossas fortunas, e, quando a ocasião se apresenta, também nos conduz para os acasos da guerra. Não por algum proveito, mas pela honra da própria virtude (Cícero). Esse proveito é muito maior e muito mais digno de ser desejado e esperado do que as honras e a glória, que são apenas um julgamento favorável que fazem de nós.
É preciso seleccionar de uma nação inteira uma dúzia de homens para julgar sobre uma jeira de terra; e entregamos o julgamento das nossas inclinações e das nossas acções – a matéria mais difícil e mais importante que existe –

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Faróis

Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que conseqüências aflitas!
Mágoa última dos despedidos,
Ficção de pensar…

Faróis distantes…
Incerteza da vida…
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido…

Faróis distantes…
A vida de nada serve…
Pensar na vida de nada serve…
Pensar de pensar na vida de nada serve…

Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande.
Faróis distantes …

Em Busca do Amor

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados …
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu! …”

O carácter é o que mais difícil se torna de conhecer no homem, porque depende de acasos que no-lo revelem.