Aceitação é sempre apenas a metade da religião; a outra é revolta, reivindicação, apelo contra o que é, em prol daquilo que deveria ser.
Passagens sobre Aceitação
138 resultadosDizia D. H. Lawrence que a pornografia é “a tentativa de insultar o sexo” – e eu não estou de acordo. A pornografia é, antes, a aceitação da desesperança sem cair no desespero, atitude que sobre todas as outras me parece adequada aos tempos.
Quem insiste sobre o lado intelectual das religiões esquece-se de que só eleva e só é religiosa no sentido mais profundo da palavra aquela discussão ou disquisição de ideias que assenta sobre uma prévia aceitação.
Uma pessoa é sempre a representação de pelo menos uma oportunidade para nós, implique ela a necessidade de experimentar o perdão ou aceitação, o amor ou a paixão.
A vida é uma constante batalha pelo amor-próprio e pelos outros, pelo perdão e pela aceitação. A questão é, vais querer vivê-la na mesma ou não?
A Divinização do Utilitário
O grande conflito de hoje, no domínio socioeconómico, por exemplo, e contra a previsão de um Marx, não é o que opõe o Capital e o Trabalho, mas o que comanda a máquina e o que a serve (François Perroux). Mas o efeito mais visível, porque mais extenso, da sua compacta presença, é o que degrada os sonhos ao tangível e utilitário que define a vituperada «sociedade de consumo». Não é assim o útil ou utilitário que se condena: é a sua divinização. O que surpreende no mundo de hoje não é a sedução da comodidade, mas que ela esgote todas as seduções; não é o sonho de «viver bem», mas que só se viva bem com esse sonho. Decerto o viver bem foi sempre um sonho de quem teve por sorte o viver mal. Mas a realização em massa dessa ambição instaura-se em plena força como modelo. E não apenas por ser uma realização em massa, mas porque aos «responsáveis» nenhum valor se impõe para a esse imporem. O utilitarismo é um valor negativo; mas converte-se em positivo pela negatividade de quem poderia recusá-lo. O que nos «irresponsáveis» é uma ambição em positivo, é nos «responsáveis» uma aceitação em negativo,
Nunca se faz uma reforma contra os indivíduos que vão dar-lhe realização E nunca se faz uma reforma contra o país. Só se faz uma reforma utilizando um método capaz. (…) Quando o estudo é feito por um grupo que a sociedade civil reconhece e que tem competência e isenção, criam-se condições imediatas de aceitação e de discussão.
Apenas a consciência da mortalidade pode conduzir à convivência da imortalidade, à aceitação desprendida do trânsito da matéria.
Mente Estável e Mente Instável
O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. .
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet,
A Intimidade do Escritor
Há quase um ano sozinho, na antiga vida de solteirão. Tem sido duro, mas útil. De vez em quando faz-me bem estar só e desamparado. É nessas horas que sinto mais profundamente a significação de uma mulher ao lado do artista. A história literária exibe prodigamente o cenário feminino e mundano que aconchega os criadores e lhes embeleza a vida. Mas diz-nos pouco das companheiras quotidianas, domésticas e anónimas, a verem nascer a obra, a aquecê-la com chávenas de chá, e a renunciarem à alegria de a conhecer na emoção virginal de um leitor apanhado de surpresa. E nada de mais significativo e decisivo do que essa ajuda e do que essa renúncia. As Récamiers são o estímulo de fora, higiénico e lisonjeiro; enquanto que as outras, íntimas e apagadas, empurram o carro trôpego da criação debaixo de todos os ventos, e sem aplausos no fim. O seu lema é a aceitação calma e confiante dos desânimos, dos rascunhos, das mil tentativas falhadas. E quando a obra, finalmente acabada, empolga o público, já tem atrás de si um tal cansaço, uma tal soma de horas desesperadas, que só com um grande amor a podem ainda olhar.
Por esse amor não existir,
A Coragem da Resignação
A palavra «resignação» não tem boa reputação. Lembra atitude devota, passividade, lágrima ao canto do olho. E todavia, não é isso. Em face dos limites de uma condição, da morte e do nada que vem nela, que outro nome dar à aceitação calma, à fria impassibilidade? A revolta em tal caso pode falar ao nosso orgulho, à imagem de grandeza que queiramos se tenha de nós. Mas é uma imagem ridícula. Ela responde ainda, não ao reconhecimento do que nos espera, mas a uma notícia recente e não assimilada que disso nos dessem. A coragem não está na atitude espectacular, mas na serena e recolhida e modesta aceitação. Temos assim tendência a julgar herói o que enfrenta a morte com atitudes de grandiosidade, não o que a enfrenta no seu recanto, em silêncio e discrição. Mas o espectáculo é ainda uma forma de compensar o desastre da morte — é ainda uma forma de uma parcela de nós se recusar a morrer. Quem morre resignado morre todo por inteiro, nada ele assim recusa do que a morte lhe exige.
Uma Fraqueza de Eterna Disponibilidade
O perfil da nossa personalidade profunda, que é inconfundível, que é verdadeiro, não tem, por variadas razões, a nitidez de contornos de que se podem gabar homens doutros meridianos. Um espanhol, um francês, um alemão, um inglês, são incompreensíveis fora das suas raias. Um português, apesar das fortes raízes nacionais que o individualizam, entende-se perfeitamente longe de Portugal. Há nele uma fraqueza de eterna disponibilidade, de pronta e conciliante aceitação do que se lhe opõe, de amável adaptação ao meio hostil, que o fazem capaz em todo o mundo, mas incapaz no seu mundo. Daí não ter possivelmente grandes coisas para exprimir, a não ser o lirismo de ser assim. Infelizmente, não é por intermédio dos seus poetas líricos que um povo pode comunicar com os outros.
O verdadeiro crente encontra-se em alto grau protegido de certas afecções neuróticas; a aceitação da neurose universal dispensa-o da tarefa de criar para si uma neurose pessoal.
Vantagens de se Escrever um Diário
Uma vantagem de se ter um diário reside no facto de que se toma consciência, de um modo claro e calmo, das mudanças que se está constantemente a sofrer e que de uma maneira geral a pessoa naturalmente acredita, pressente e aceita, mas que inconscientemente se negam quando se chega ao ponto de obter esperança ou paz por tal aceitação. No diário a pessoa encontra provas de que, em situações que hoje parecem insuportáveis, a pessoa viveu, olhou à volta e anotou coisas, que a mão direita se movia como hoje se move, quando hoje podemos ser mais sábios porque somos capazes de observar a nossa antiga condição, e por essa mesma razão temos de admitir a coragem da nossa luta anterior em que persistimos até por mera ignorância.
A Qualidade do Motivo da Acção
A aventura foi sempre a vocação do homem, porque é próprio do homem recusar os seus limites, saber a sua verdade para além daquilo que é, ou seja no impossível. Mas a aventura, como tudo o que é do homem, tem o seu estilo de ser, de acordo com as vísceras que lhe couberam, o ar que respirou, a hora da sua vinda. Do carteirista ao revolucionário, toda uma escala de motivos se estabelece para se transporem os limites da aceitação. Mas num confronto pelo mais alto, a aventura daqueles que se assumiram plenamente como homens do seu tempo e sentiram o apelo do negar e do transpor, e sentiram a vertigem do além do limite, a sua aventura toma a forma paralela da consciência que os separa de tudo aquilo que negam.
Assim não é precisamente a própria vida que se jogue que dá a medida da grandeza de uma acção, mas a qualidade do motivo por que a jogamos, a extensão e profundidade de consciência que esse gesto preenche – porque se pode jogar a vida pelo motivo mais fútil.O acto de jogar e o seu risco, ainda quando se decidem por eles próprios,
O mau humor é uma fuga da realidade, o bom humor é uma aceitação da mesma.
Confissão
Trinta e nove anos. Meia vida passada, se isto se for aguentando, tomba daqui, tomba dali. E tudo por fazer! Comecei tarde, sem nenhuma preparação, e com defeitos horríveis, que tenho ido limando pouco a pouco, mas que resistem como fortalezas. Nasci afirmativo demais, puritano demais, uno demais, apesar duma timidez confrangedora, duma aceitação natural da volúpia e duma dispersão aflitiva a cada instante. Tenho medo dum polícia e sou capaz de enfrentar um exército; passo a vida a praticar virtudes que proíbo terminantemente aos outros; escrevo um poema, a dar uma consulta. De maneira que nunca consegui encontrar aquele equilíbrio criador onde julgo existir o pomar das grandes obras. Debato-me entre forças contraditórias, e ao cabo de cada livro sinto-me insatisfeito e culpado como um pecador que não cumpriu bem a sua penitência. Não tenho ambições fora da arte, e, dentro dela, só desejo conquistar a glória de a ter servido humilde e totalmente; mas não consegui ainda dar-lhe tudo, jogar a vida e a morte por ela. Para isso era preciso calcar aos pés o homem civil que sou, e não posso. Necessito de ter as minhas contas em dia como qualquer mortal honrado, e afligem-me os assuntos do mundo como casos pessoais.
Uma interpretação irónica da vida, uma aceitação indiferente das cousas, são o melhor remédio para o sofrimento, posto que o não sejam para as razões que há para sofrer.