Passagens de Adélia Prado

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Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba. Esmero.

A vida Ă© muito bonita, basta um beijo e a delicada engrenagem movimenta-se, uma necessidade cĂłsmica nos protege.

Me dĂŁo mingaus, caldos quentes, me dĂŁo prudentes conselhos, eu quero Ă© a ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa.

Quero comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa.

O sonho encheu a noite Extravasou pro meu dia Encheu minha vida E Ă© dele que eu vou viver Porque sonho nĂŁo morre.

Exausto

Eu quero uma licença de dormir,
perdĂŁo pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raĂ­zes.

Sensorial

Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo Ă  boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de mĂşsica de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
EspĂ­rito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdoo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

As coisas tristíssimas, vão desaparecer quando soar a trombeta. Levantaremos como deuses, com a beleza das coisas que nunca pecaram, como árvores, como pedras, exatos e dignos de amor.

Assim que escurecer vou namorar. Que mundo ordenado e bom! Namorar quem? Minha alma nasceu desposada com um marido invisĂ­vel.

Exausto –
Eu quero uma licença de dormir, perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raĂ­zes.

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfĂşgios que me cabem,
sem precisar mentir.
NĂŁo sou feia que nĂŁo possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora nĂŁo, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza nĂŁo tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avĂ´.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Fui dormir umas vezes tão feliz, que, se soubesse minha força, levitava. Em outras, tanta foi a tristeza que fiz versos

Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento.