A borboleta pousada
ou Ă© Deus
ou Ă© nada.
Passagens de Adélia Prado
69 resultadosQuero vocĂŞ na minha frente, extático, (…) e eu para todo o sempre olhando, olhando, olhando…
Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba. Esmero.
A vida Ă© muito bonita, basta um beijo e a delicada engrenagem movimenta-se, uma necessidade cĂłsmica nos protege.
De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.
Me dĂŁo mingaus, caldos quentes, me dĂŁo prudentes conselhos, eu quero Ă© a ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa.
Quero comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa.
O sonho encheu a noite Extravasou pro meu dia Encheu minha vida E Ă© dele que eu vou viver Porque sonho nĂŁo morre.
Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdĂŁo pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raĂzes.
(…)fiquei doida no encalço. SĂł melhoro quando chove.
Sensorial
Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo Ă boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de mĂşsica de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
EspĂrito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdoo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.
As coisas tristĂssimas, vĂŁo desaparecer quando soar a trombeta. Levantaremos como deuses, com a beleza das coisas que nunca pecaram, como árvores, como pedras, exatos e dignos de amor.
Assim que escurecer vou namorar. Que mundo ordenado e bom! Namorar quem? Minha alma nasceu desposada com um marido invisĂvel.
Quanto a mim, dou graças pelo que agora sei e, mais que perdoo, eu amo.
Exausto –
Eu quero uma licença de dormir, perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raĂzes.
As lĂnguas sĂŁo imperfeitas pra que os poemas existam…
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfĂşgios que me cabem,
sem precisar mentir.
NĂŁo sou feia que nĂŁo possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora nĂŁo, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza nĂŁo tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avĂ´.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Fui dormir umas vezes tão feliz, que, se soubesse minha força, levitava. Em outras, tanta foi a tristeza que fiz versos
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento.
Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande.