Gosto Relevante
Toda a boa capacidade é difícil de contentar. Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro.
Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo.
Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade.
É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo.
A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância;
Passagens sobre Admiração
121 resultadosOs Feitos Simples são os Mais Elogiados e Lembrados
Duas pátrias produziram dois heróis: de Tebas saiu Hércules; de Roma saiu Catão. Foi Hércules aplauso da orbe, foi Catão enfado de Roma. A um admiraram todos, ao outro esquivaram-se os romanos. Não admite controvérsia a vantagem que levou Catão a Hércules, pois o excedeu em prudência; mas ganhou Hércules a Catão em fama. Mais de árduo e primoroso teve o assunto de Catão, pois se empenhou em sujeitar os monstros dos costumes, e Hércules os da natureza; mas teve mais de famoso o do tebano. A diferença consistiu em que Hércules empreendeu façanhas plausíveis e Catão odiosas. A plausibilidade do cargo levou a glória de Alcides (nome anterior de Hércules) aos confins do mundo, e passará ainda além deles caso se alarguem. O desaprezível do cargo circunscreveu Catão ao interior das muralhas de Roma.
Com tudo isto, preferem alguns, e não os menos judiciosos, o assunto primoroso ao mais plausível, e pode mais com eles a admiração de poucos que o aplauso de muitos, sendo vulgares. Os milagres de ignorantes apelam aos empenhos plausíveis. O árduo, o primoroso de um superior assunto poucos o percebem, embora eminentes, sendo assim raros os que nele acreditam. A facilidade do plausível permite-se a todos,
O Ciclo do Progresso
Da sociedade e do luxo que ela engendra, nascem as artes liberais e mecânicas, o comércio, as letras, e todas essas inutilidades que fazem florescer a indústria, enriquecem e perdem os Estados. A razão desse deperecimento é muito simples. É fácil ver que, pela sua natureza, a agricultura deve ser a menos lucrativa de todas as artes, porque, sendo o seu produto de uso mais indispensável para todos os homens, o preço deve estar proporcionado às faculdades dos mais pobres. Do mesmo princípio pode-se tirar a regra de que, em geral, as artes são lucrativas na razão inversa da sua utilidade, e de que as mais necessárias, finalmente, devem tornar-se as mais negligenciadas. Por ai se vê o que se deve pensar das verdadeiras vantagens da indústria e do efeito real que resulta dos seus progressos. Tais são as causas sensíveis de todas as misérias em que a opulência precipita, finalmente, as nações mais admiradas.
À medida que a indústria e as artes se estendem e florescem, o cultivador desprezado, carregado de impostos necessários à manutenção do luxo, e condenado a passar a vida entre o trabalho e a fome, abandona o campo para ir procurar na cidade o pão que devia levar para lá.
Eu não tenho ídolos. Tenho admiração por trabalho, dedicação e competência.
Empatia com as Fraquezas
A admiração que um discípulo deve ao seu mestre oculta muitas vezes, e nem sempre de modo consciente, uma certa satisfação sentida pela observação das suas fraquezas, pelas quais ele se lhe sente ligado, justificado nas próprias fraquezas e dispensado de produzir qualquer outra prova legitimando a sua ligação.
Do Contraditório como Terapêutica de Libertação
Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação.
Depravação e Génio
Uma vez que a maior parte das pessoas encara a santidade como qualquer coisa insulsa e conforme a uma pureza legal, é provável que a depravação represente uma maneira do génio dos sentidos, quer dizer, de desvio até ao extremo de uma vertente descida em liberdade e exterior às regras. Disto resulta que o génio, tal como é aceite, ou antes, tal como é tolerado, constitua uma depravação espiritual análoga a uma depravação dos sentidos. Muitas vezes uma arrasta a outra, e é raro um génio das letras, da escultura ou da pintura não se denunciar e, mesmo que lá não meta a sua carne, fazer prova de uma liberdade de ver, sentir e admirar que ultrapassa os limites consentidos.
(…) Acontece que nos interrogamos com estupefacção sobre as inúmeras depravações de bairro limítrofe que a polícia e os hospitais testemunham. Só poderemos ver nelas o meandro onde os medíocres se perdem quando decidem deixar-se arrastar e sair das regras que lhes foram destinadas.
Traduzam-se estas depravações noutra língua, dê-se-lhes elevação, transcendência, sejam elas revestidas de inteligência, e obter-se-à uma imagem em ponto pequeno das altas depravações que as obras-primas da arte nos valem.
Tal como Picasso apanha o que encontra no lixo e o eleva à dignidade de servir,
És Feliz?
Só há uma forma de seres feliz: tens de fazer por isso.
És feliz? Queres ser? Fazes alguma coisa por isso?
Se fores, maravilha, transportas a belíssima responsabilidade de inspirar os outros a sê-lo também. Se ainda não és, mas queres sê-lo, o que tens feito por isso? Andas a respeitar-te mais vezes? A lutar pela vivência das tuas vontades? Andas mais perto da natureza? Já consegues dizer mais vezes aquilo que sentes e aquilo que pensas? Já não pões sempre os outros à tua frente? Começaste a cuidar do teu corpo e da tua alimentação? Reduziste os vícios? Se sim, fantástico. Parabéns! Gosto muito de pessoas felizes, mas a minha admiração vai toda para aqueles que, não o sendo ainda, lutam todos os dias para o ser, pela autodescoberta que os fará referência na vida de todos aqueles que os rodeiam. Agora, e por outro lado, se não tens andado a fazer nada disto nem nada semelhante, mais vale assumires que, afinal, ser feliz não é uma vontade tua. E está tudo bem na mesma. Apenas te peço, em nome da comunidade dos seres humanos que querem viver e desfrutar desta amável oportunidade que nos foi dada de aqui estar,
Os ricos pretendem não se admirar com nada, e reconhecem, à primeira vista, numa obra bela o defeito que os dispensará da admiração, um sentimento vulgar.
A admiração exalta, o amor é mudo.
A admiração exclui o louvor, por diminuto.
O Hábito Diminui a Admiração
Renovar o fulgor – é privilégio de Fênix: sói a excelência envelhecer, e com ela a fama; o hábito diminui a admiração, e uma novidade medíocre supera uma excelência envelhecida. Use-se, pois, renascer em valor, em engenho, em ventura, em tudo. Empenhar-se em novidades de bravura, amanhecendo muitas vezes, como o sol, variando os teatros do brilho, para que num a privação e noutro a novidade solicitem neste o aplauso, naquele a saudade.
As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,
A Admiração é a Primeira de Todas as Paixões
Quando o primeiro contacto com algum objecto nos surpreende e o consideramos novo ou muito diferente do que conhecíamos antes ou então do que supunhamos que ele devia ser, isso faz que o admiremos e fiquemos espantados com ele. E como tal coisa pode acontecer antes que saibamos de alguma forma se esse objecto nos é conveniente ou não, a admiração parece-me ser a primeira de todas as paixões. E ela não tem contrário, porque, se o objecto que se apresenta nada tiver em si que nos surpreenda, não somos emocionados por ele e consideramo-lo sem paixão.
O Pranto e o Riso
Se o Pranto e o Riso aparecessem neste grande teatro no traje da verdade (sempre nua), sem dúvida seria a vitória do Pranto. Mas vestido, ornado e armado de uma tão superior eloquência, que o Riso se ria do Pranto, não é merecimento, foi sorte. De tudo quanto ri saiu vestido, ornado e armado o Riso: riem-se os prados e saiu vestido de flores: ri-se a Aurora, e saiu ornado de luzes; e se aos relâmpagos e raios chamou a Antiguidade Risus Vestae, et Vulcani, entre tantos relâmpagos, trovões e raios de eloquência, quem não julgará ao miserável Pranto cego, atónito e fulminado? Tal é a fortuna, ou a natureza, destes dois contrários. Por isso nasce o Riso na boca, como eloquente, e o Pranto nos olhos, como mudo.
(…) Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O Riso, como dizem todos os Filósofos, nasce da novidade e da admiração e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.
Há três espécies de mulheres neste mundo: a mulher que se admira, a mulher que se deseja e a mulher que se ama. A beleza, o espírito, a graça, os dotes da alma e do corpo geram a admiração. Certas formas, certo ar voluptuoso, criam o desejo. O que produz o amor, não se sabe; é tudo isto às vezes; é mais do que isto, não é nada disto. Não sei o que é; mas sei que se pode admirar uma mulher sem a desejar, que se pode desejar sem a amar.
A Moralidade Pública Degradada
As crianças ficam todas contentes quando encontram na praia alguns calhaus coloridos; nós preferimos enormes colunas variegadas, importadas das areias do Egipto ou dos desertos do Norte de África para a construção de algum pórtico ou de um salão de banquetes com capacidade para uma multidão. Olhamos com admiração paredes recobertas de placas de mármore, embora cientes do material que lá está por baixo. Iludimos os nossos próprios olhos: quando recobrimos os tectos a ouro o que fazemos senão deleitar-nos com uma mentira ? Sabemos bem que por baixo desse ouro se oculta reles madeira! Mas não são só as paredes ou os tectos que se recobrem de uma ligeira camada: também a felicidade destes aparentes grandes da nossa sociedade é uma felicidade «dourada»! Observa atentamente, e verás a corrupção que se esconde sob essa leve capa de dignidade. Desde que o dinheiro (que tanto atrai a atenção de inúmeros magistrados e juízes e tantos mesmo promove a magistrados e juízes!…), desde que o dinheiro, digo, começou a merecer honras, a honra autêntica começou a perder terreno; alternadamente vendedores ou objectos postos à venda, habitua-mo-nos a perguntar pela quantidade, e não pela qualidade das coisas. Somos boas pessoas por interesse,
Vaidade e Vanglória
Era uma linda invenção de Esopo a do moscardo que, sentado no eixo da roda, dizia: «Quanta poeira faço levantar!» Assim há muitas pessoas vãs que quando um negócio marcha por si ou vai sendo movido por agentes mais importantes, desde que estejam relacionados com ele por um só pormenor, imaginam que são eles quem conduz tudo: os que têm que ser facciosos, porque toda a vaidade assenta em comparações. Têm de ser necessariamente violentos, para fazerem valer as suas jactâncias. Não podem guardar segredo, e por isso não são úteis para ninguém, mas confirmam o provérbio francês: Beaucoup de bruit, peu de fruit.
Este defeito não é, porém, sem utilidade para os negócios políticos: onde houver uma opinião ou uma fama a propagar, seja de virtude seja de grandeza, esses homens são óptimos trombeteiros.
(…) A vaidade ajuda a perpetuar a memória dos homens, e a virtude nunca foi considerada pela natureza humana como digna de receber mais do que um prémio de segunda mão. A glõria de Cícero, de Séneca, de Plínio o Moço, não teria durado tanto tempo se eles não fossem de algum modo vaidosos; a vaidade é como o verniz, que não só faz brilhar,
Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.
O Artista e a sua Obra
O artista tem pois essa experiência com a sua obra: ele não produziu uma essência igual a ele mesmo. Sem dúvida, da sua obra retorna para ele uma consciência, pois uma multidão admirativa honra a obra como o espírito que é a essência deles. Essa admiração, porém, ao lhe restituir a sua consciência de si apenas como admiração é antes uma confissão feita ao artista de que ela não é igual a ele. Uma vez que o seu Si retorna para ele como júbilo em geral, ali ele não encontra nem a dor da sua formação e da sua produção, nem o esforço do seu trabalho. Os outros podem de facto julgar a obra ou trazer-lhe oferendas, conceber, de algum modo, que ela seja a sua consciência; se eles se colocam com o seu saber acima dela, o artista, pelo contrário, sabe o quanto a sua operação vale mais do que a compreensão e o discurso deles; se eles se colocam abaixo dela e nela reconhecem a essência deles que os domina, ele conhece-a, pelo contrário, como o seu senhor.