Bom, sabe bem as pessoas falarem comigo em termos de seres um herói. Isso não me é realmente dirigido. Usam-me como um cabide em que penduram toda a adulação.
Passagens sobre Adulação
32 resultadosA Tranquilidade do Assumir da Nossa Condição
Temos pelos nobres e para as pessoas de destaque um cíume estéril, ou um ódio impotente que não nos vinga de seu esplendor e elevação, e só faz acrescentar à nossa própria miséria o peso insuportável da felicidade alheia: que fazer contra uma doença de alma tão inveterada e contagiosa? Contentemo-nos com pouco e com menos ainda, se possível; saibam perder na ocasião; a receita é infalível, e concordo em experimentá-la: evito com isso ser empurrado na porta pela multidão de clientes ou cortesãos que a casa de um ministro despeja diversas vezes por dia; penar na sala de audiência, pedir tremendo ou balbuciando uma coisa justa; suportar a gravidade do ministro, o seu riso amargo, e o seu laconismo. Então não o odeio mais, e não o invejo mais; ele não me faz nenhuma súplica, eu não lhe faço nenhuma; somos iguais, a não ser no facto dele não estar tranquilo, e eu estar.
(…) Deve-se silenciar sobre os poderosos; há quase sempre adulação ao dizer bem deles; há perigo em dizer mal enquanto vivem, e cobardia quando já morreram.
A imitação é a forma mais sincera de adulação.
O que realmente deixa um homem lisonjeado é o facto de você o considerar digno de adulação.
Mecenas: geralmente um desgraçado que financia com arrogância e é recompensado com adulação.
A adulação tem princípios doces e fins amargos.
A adulação procura amigos; a verdade inimigos.
Sinceridade Proscrita
A verdade permanece sepultada sob as máximas de uma falsa delicadeza. Chama-se saber viver à arte de viver com baixeza. Não se põe diferença entre conhecer o mundo e enganá-lo; e a cerimónia, que deveria ater-se inteiramente ao exterior, introduz-se nos nossos costumes mesmos.
A ingenuidade deixa-se aos espíritos pequenos, como uma marca da sua imbecilidade. A franqueza é olhada como um vício na educação. Nada de pedir que o coração saiba manter o seu lugar; basta que façamos como os outros. É como nos retratos, aos quais não se exige mais do que parecença. Crê-se ter achado o meio de tornar a vida deliciosa, através da doçura da adulação.
Um homem simples que não tem senão a verdade a dizer é olhado como o perturbador do prazer público. Evitam-no, porque não agrada; evita-se a verdade que anuncia, porque é amarga; evita-se a sinceridade que professa porque não dá frutos senão selvagens; temem-na porque humilha, porque revolta o orgulho que é a mais cara das paixões, porque é um pintor fiel, que faz com que nos vejamos tão disformes como somos.
Não há por que nos espantarmos, se ela é rara: é expulsa, proscrita por toda a parte.
Não Louvar nem Censurar
Parece-me que quando se relata uma acção boa ou má não se deve nem louvá-la, nem censurá-la, pois ela faz sentir muito bem o que é, sendo melhor deixar livre o julgamento a seu respeito. E, depois, como a maior parte dos louvores provêm da adulação, a sociedade raramente se compraz com isso, e a maledicência leva a pensar que se é invejoso ou maldoso. É bem possível exaltar as pessoas que se ama, sem falar muito do seu mérito; e para os outros que não se estima, é um favor não dizer nada deles.
Acho também que todo o tipo de gente, mesmo a mais modesta, estima que a consideremos e que a tratemos afavelmente. Há poucas pessoas, não obstante, que toleram ser louvadas quando estão presentes, pois, normalmente, procede-se desastradamente, expondo-as e embaraçando-as. Mas os louvores que honram aquele que os faz, assim como aquele que os recebe, agradam muito quando são descobertos por meio de alguém que os relata, e quando não são suspeitos nem de interesse, nem de adulação e particularmente se são de boa origem. Pois, assim como o afecto é bem acolhido apenas quando vem de uma pessoa amável, também é necessário ter mérito,
As Artes e as Ciências Nasceram dos Vícios
A astronomia nasceu da superstição; a retórica, da ambição, do ódio, da adulação, da mentira; a geometria, da ganância; a física, da curiosidade vã; e todas elas, mesmo a ética, do orgulho humano. As artes e as ciências devem portanto o seu nascimento aos nossos vícios, e nós deveríamos duvidar menos das suas vantagens se elas tivessem tido origem nas nossas virtudes. (…) Quantos perigos! Quantos caminhos equivocados na investigação das ciências? Por meio de quantos erros, milhares de vezes mais perigosos do que a verdade é útil, não é preciso abrir caminho a fim de alcançá-la? O problema é patente; pois a falsidade admite um número infinito de combinações; mas a verdade possui apenas um modo de ser.
As capacidades mesquinhas incham com a adulação. Uma ode laudatória a um estúpido, vale um jantar. Uma solene e patriótica dedicação da inteligência à matéria é uma das poucas vilezas bem pagas.
A Força da Ignorância
Por que causa a ignorância nos mantém agarrados com tanta força? Primeiro, porque não a repelimos com suficiente energia nem usamos todas as nossas forças para nos libertarmos dela; depois, porque não confiamos o bastante nas lições dos sábios nem as interiorizamos como devíamos, antes tratamos uma tão magna questão de forma leviana. Como pode alguém, aliás, aprender suficientemente a lutar contra os vícios se apenas dedica a esse estudo o tempo que os vícios lhe deixam livre?…
Nenhum de nós aprofunda bastante esta matéria; abordamos o assunto pela rama e, como gente extremamente ocupada, achamos que dedicar umas horas à filosofia é mais do que suficiente. E o que mais nos prejudica é a facilidade com que o nosso amor próprio se satisfaz. Se encontramos alguém que nos ache homens de bem, homens esclarecidos e irrepreensíveis, logo nos mostramos de acordo! Nem sequer nos contentamos com louvores comedidos: tudo quanto a adulação despudoradamente nos atribui, nós o assumimos como de pleno direito. Se alguém nos declara os melhores e mais sábios do mundo, nós assentimos, mesmo quando sabemos que esse alguém é useiro e vezeiro na mentira! A nossa autocomplacência vai mesmo tão longe que pretendemos ser louvados em nome de princípios que as nossas acções frontalmente desmentem (…) A consequência é que ninguém mostra vontade de corrigir o seu carácter,