As Lágrimas e os Homens
Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas,
Passagens sobre Água
843 resultadosQuem janta vinho, almoça água.
São singulares as solidões da água. São o tumulto e o Silêncio.
O Homem Honroso
O homem honroso dá atenção especial a nove coisas. Dedica-se a ver bem o que olha, a ouvir bem o que escuta; cuida para ter uma aparência afável, para ter uma atitude deferente, para ser sincero nas suas palavras, para ser diligente nas suas acções; no meio das suas dúvidas, tem o cuidado de interrogar; quando está descontente, pensa nas consequências desastrosas da cólera; frente a um bem a obter, lembra-se da justiça.
(…) Buscar o bem, como se temêssemos não conseguir alcançá-lo; evitar o mal, como se tivéssemos enfiado a mão na água fervente; é um princípio que eu vi ser posto em prática e que aprendi. Viver isolado na busca do seu ideal, praticar a justiça, a fim de realizar a sua Via, é um princípio que aprendi, mas ainda não vi ninguém segui-lo.
Sempre o rio soa quando água leva.
Os crimes da república, tornados possíveis pela desgraçada incapacidade monárquica e pela indiferença da maioria dos portugueses, estão agora dando o seu fruto, que, quando absolutamente maduro, será a derrocada de tudo! (…) É uma profunda tristeza e por ora não vejo o remédio ao mal profundo que está matando o país, pois, com mágoa o digo, os portugueses estão-se parecendo com os macacos do Brasil quando caem num rio, põem as mãos na cabeça, vão para o fundo da água e morrem afogados.
Soneto à Rendeira
O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredorda sombra esguia que à almofada tece.
Move-se, em seu afã modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pórticos se movem
das águas em perpétuo movimento…Move-se a gênese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.
Como Provar a Vida
Com a idade, como castigo dos excessos da juventude mas também como consolação, começa-se a provar as coisas que dantes se consumiam sem pensar. Até quase morrer de uma hepatite alcóolica eu bebia «whiskey» como se fosse água: o «uisce beatha» gaélico; a água da vida. Agora, com o fígado restaurado por anos de abstinência, apenas provo.
Suspeito que seja assim com todos os prazeres – até o de acordar bem disposto ou passar um dia sem dores ou respirar como se quer ou não precisar de mais ninguém para funcionar. Parecem prazeres pequenos quando ainda temos prazeres maiores com os quais podemos compará-los. Mas tornam-se prazeres enormes quando são os únicos de que somos capazes.
Sei que a última felicidade de todos nós será repararmos no último momento em que conseguimos provar a vida que vivemos e achá-la – não tanto apesar como por causa de tudo – boa.
A tirania da humanidade era como o gotejamento obstinado da água que cai em cima de uma pedra e a desgasta a pouco a pouco; e este gotejamento continua, caindo obstinadamente, caindo sem parar sobre as almas das crianças.
Um homem pode muito bem levar um cavalo até a água, mas ele não pode obrigá-lo a bebê-la.
A justiça cobrirá a terra como a água cobre o mar Eu não quero o sucesso, o sucesso não me diz nada Muitas pessoas tem sucesso mais vivem como mortos
Eu sou uma estrela instantânea. Basta adicionar água e agitar.
Notícias do Bloqueio
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
– único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Em que Medida o Homem Activo é Preguiçoso
Creio que cada um deve ter uma opinião própria sobre todas as coisas, acerca das quais são possíveis opiniões, porque ele mesmo é uma coisa singular, única, que ocupa uma posição nova, nunca vista, em relação a todas as outras coisas. Mas a preguiça, que jaz no fundo da alma do homem activo, impede-o de tirar água do seu próprio poço. Com a liberdade das opiniões passa-se o mesmo que com a saúde: ambas são individuais, nem de uma nem de outra se pode formular um conceito universalmente válido. Aquilo de que um indivíduo necessita para a sua saúde já é motivo de doença para outro, e muitos caminhos e meios para se chegar à liberdade de espírito podem ser considerados por naturezas superiormente desenvolvidas como caminhos e meios que afastam da liberdade.
De Tão Divino Acento E Voz Humana
De tão divino acento e voz humana,
de tão doces palavras peregrinas,
bem sei que minhas obras não são dinas,
que o rudo engenho meu me desengana.Mas de vossos escritos corre e mana
licor que vence as águas cabalinas;
e convosco do Tejo as flores finas
farão enveja à cópia mantuana.E pois, a vós de si não sendo avaras,
as filhas de Mnemósine fermosa
partes dadas vos tem, ao mundo caras,a minha Musa e a vossa tão famosa,
ambas posso chamar ao mundo raras:
a vossa d’alta, a minha d’envejosa.
Tua mente é livre para pensar tanto na montanha como no montículo de terra formado pelas formigas; tem a liberdade de pensar tanto no oceano como na água de uma bacia. Então, por que torturas tua mente por causa de coisas pequenas? Sê vasto e límpido como o céu.
Poucos rios, surgem de grandes nascentes, mas muitos crescem recolhendo filetes de água.
Senhora II
No calmo colo meus segredos pouso
Senhora que cavalga meu sendeiro.
Convoco vossa ajuda neste escorço
para viver a vida por inteiro.Não sei se o vero verbo em que repouso
vem me afogar no mais turvo atoleiro
mas sei pela certeza que em meu fosso
nunca se afunda o trato companheiro.Meu rosto depressivo de exilado
alberga-se em vossa aura na fadiga
trazendo o sal dos olhos marejados.Águas que são garoa da cantiga
de recorrentes gotas despejadas
as vossas mãos regando, amada e amiga.
Lubricidade
Quisera ser a serpe venenosa
Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, ó Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.Quisera ser a serpe veludosa
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los…Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
Da langue ondulação de águas do RenoEstranhamente se purificasse…
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno…
Mentir é deitar água em cesto roto.