Quem faz a História de um país pertence-lhe para sempre, não pode ser repudiado por ele, não pode ser chamado um estranho.
Passagens de Agustina Bessa-Luís
140 resultadosO homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.
O trabalho não é uma vocação, é uma inspiração. Para manter essa inspiração é preciso um espaço de criação, não só para o artista profissional como para o indivíduo em geral.
O medo faz as pessoas extravagantes, mas não as faz originais.
As mais belas civilizações tiveram um rápido declínio, exactamente porque elas foram demasiado longe na dissimulação.
Toda a obra escrita é a expressão dum conhecimento limitado. Mas todo o conhecimento limitado está aberto a novas particularidades, até que se apresente a súbita vontade de não ir mais longe.
As Memórias Procriam como se Fossem Pessoas Vivas
Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidos. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas.
A Educação da Fé
Sendo a fé um dom, como pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que, quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam. Não é isso. Trata-se de focos de comunicação que dispensam a organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.
A prova de que o cristão vive como um bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco,
Sendo que a vida humana é dominação organizada, e o princípio da realidade é adaptação a essa mesma dominação – há a rebeldia como actividade nobre.
A Idade do Divórcio
Devia haver uma idade para o divórcio como há para o casamento. As desilusões domésticas têm o seu tempo para se transformarem em cicatrizes que vão desaparecendo com o passar dos anos. Por isso é que nos velhos casais há uma recordação da vida em comum que se assemelha à santidade. Contam peripécias leves e dão ao passado um colorido quase caricato pela força do distanciamento em que se encontram. A verdade é que sofreram os mesmos desenganos e turbulências que os jovens arrumam e põem de lado sem dar tempo a transformarem-nos em recalques.
Nada, na natureza, sofre; só suporta. Desse modo, a natureza comporta-se politicamente. Será justo imitá-la de vez em quando.
Em todos os grandes vencedores e nos que amam o poder encontra-se a seriedade que se explica por uma sobriedade de desejos. A aspiração mata o desejo. E a aspiração é um dos pontos cardeais do poder.
O amor é o invisível no habitual.
Os povos em busca de originalidade não existem; existem os funcionários da inteligência que julgam ir ao encontro das aspirações dos povos dando-lhes uma dimensão excepcional.
Dizem mal de tudo com uma insinceridade genial. Os Portugueses são a gente mais insincera que há. Por isso são raramente grandes artistas.
Na nossa sociedade, que se entende por permissiva, não há afinal homens exemplares. Há só leis que substituem o exemplo; há só alíneas morais que estão em vez dos actos reais e da sua humanidade.
As primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais mas não decisivas.
Para se remeter ao extraordinário, o homem tem que criar a sua própria solidão repartida com os outros homens.
Disciplinar os povos é sempre a ilusão frenética dos grandes revolucionários. Falham continuamente. Não se dominam as energias sociais do mundo senão na medida em que elas tendem a uma rotina que, por sua vez, deixe tranquila a «espontaneidade negativa» do homem.
A Crítica é Menos Eficaz do que o Exemplo
A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.