Passagens sobre Aldeia

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Frases sobre aldeia, poemas sobre aldeia e outras passagens sobre aldeia para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Em cada homem um deus escondido, uma forma perfeita que se esconde – que se perdeu – numa aldeia de demónios.

Os Pastores

Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.

Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.

Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.

Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:

«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!

Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!

Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»

Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.

Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,

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Elegia do Amor

Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.

Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,

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Já Velho e Doente

«Seja a terra da Terceira
A minha coberta de alma»,
Disse eu na idade fagueira,
Em que tudo é força e calma.

Mas hoje, já velho e doente,
Em que as almas não se cobrem,
Hoje sim, peço seriamente
Que os sinos por mim lá dobrem.

Até já me aconselharam
Um quarto lá no Hospital,
Tanto caipora me acharam,
Escaveirado, mal, mal…

Ali visitas teria
Por obra de misericórdia,
Embora comida fria,
Alguma vez, que mixórdia!

Mas sempre era doce ao peito
Ir acabar os meus dias
Na Praia, de qualquer jeito,
Perto da casa das tias.

Tive o exemplo resignado
Que me deu a prima Alzira
Num lençolinho lavado
Com rendas limpas na vira.

Ali matámos saudades,
Ela alegre e penteadinha,
Mal pensando eu que as idades
Não perdoam. Hoje é a minha.

Também cheguei a pensar
No Asilo, talvez com um biombo.
Sou biqueiro. Mas jantar?
Todos ali, lombo a lombo.

Como outrora o Tintaleis,
Três-Quinze, Manuel de Deus
Eram duas vezes seis,

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A intimidade desta vida de aldeia é um espectáculo ao mesmo tempo repugnante e maravilhoso. Estrume da cabeça aos pés. Entre o porco e o dono não há destrinça. Mas, ao cabo, esta animalidade toda, de tão natural, acaba por ser pura e limpa como a bosta de boi.

Eu Sou do Tamanho do que Vejo

Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Marília De Dirceu

Soneto 10

Adeus, cabana, adeus; adeus, ó gado;
Albina ingrata, adeus, em paz te deixo;
Adeus, doce rabil; neste alto freixo
Te fica, ao meu destino consagrado.

Se te for meu sucesso perguntado,
não declares, rabil, de quem me queixo;
não quero que se saiba vive Aleixo
por causa de uma infame desterrado.

Se vires a pastor desconhecido,
lhe dize então piedoso: – Ah! vai-te embora,
atalha os danos, que outros têm sentido.

Habita nesta aldeia uma pastora,
de rosto belo, coração fingido,
umas vezes cruel, e as mais traidora.

A Essência das Coisas

Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes.
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,

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O Comportamento que Gera Influência

Um homem sincero e verdadeiro nas suas palavras, prudente e circunspecto nas suas acções, terá influência, mesmo entre os bárbaros de centro e do norte. Um homem que não é nem sincero, nem verdadeiro nas suas palavras, nem prudente e circunspecto nas suas acções, terá alguma influência, mesmo numa cidade ou numa aldeia? Quando estiverdes em pé, imaginai essas quatro virtudes (a sinceridade, a veracidade, a prudência e a circunspecção) conservando-se perto de vós, diante dos vossos olhos. Quando estiverdes num carro, contemplai-as sentadas ao vosso lado. Desse modo, adquirireis influência.

Enfrentar-se a Si Próprio

Ódio da introspecção activa. Explicações da nossa alma, tais como: ontem eu estava assim e assado, por esta ou por aquela razão; hoje estou assim e assado, por qualquer outra razão. Não é verdade, nem por esta razão nem por aquela razão, e por isso também nem assim nem assado.
Enfrentar-se a si próprio calmamente, sem precipitações, viver como se tem de viver, não andar à caça do próprio rabo como o cão.
Adormeci nos arbustos. Um barulho acordou-me. Encontrei um livro nas minhas mãos, que tinha estado a ler. Deitei-o fora e levantei-me de um salto. Passava pouco do meio-dia; em frente da colina em que eu estava estendia-se uma grande planura com aldeias e lagos e sebes todas iguais, altas, que pareciam feitas de junco. Pus as mãos nas ancas, examinei tudo com o olhar, e ao mesmo tempo escutei o barulho.

Prece A Anchieta

Santo: erguesses a cruz na selva escura;
Herói: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!

Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidão alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…

Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória
que destes a esta Terra e a sua História,
Pela dor que sofremos sempre nós.

Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!

És como o Ar que Respiro

Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.

E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.

Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.

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Símios Aperfeiçoados II

A tragédia é a cristalização da massa humana, tão perigosa como a estagnação do espírito do homem que se torna académico ou fenece por falta de entusiasmo. Gostava de saber quantas pessoas pensam em macacos durante o correr de um dia? Quantas? O homem-massa, num futuro próximo – em relações antropológicas o próximo leva geralmente centenas de anos – transformar-se-á num novo espectáculo de jardim zoológico. Em vez de jaula e aldeias de símios, ele terá balneários públicos e campos para habilidades desportivas, com ocasionais jogos nocturnos. Dará palmas em delírio ouvindo ainda o som distante da sineta tocada pelo elefante num acto máximo de inteligência paquidérmica. Terá circuitos fechados, com pistas perfeitamente cimentadas, para passear o tédio da família aos domingos, circulará repetidamente em metropolitanos convencido de que cada nova paragem é diferente da anterior.
E estou absolutamente crente que do naufrágio calamitoso apenas se hão-de salvar os que pela porta do cavalo fugirem ao triturar das grandes colectividades humanas, ou os que por força invencível e instintiva se libertarem para uma nova categoria de homem, ou, melhor dizendo, para a sua verdadeira categoria de homem, de homem-pensamento, na linha directa de um Platão, de um Homero, de um Aristófanes,

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O Dinheiro Financia as Circunstâncias

Já dizia o filósofo: eu sou eu e as minhas circunstâncias. Muito bem dito. Pois é o dinheiro que te permite financiar as tuas circunstâncias; se falta o dinheiro, ficas sozinho com o teu vazio, mero invólucro sem circunstância que valha um tostão furado: abandona-te essa mão oportuna que te daria uma palmada nas costas para cuspires o fiapo de frango meio mastigado que nesse momento te entope a glote não, não o digo por ti, Liliana, como podes pensar uma coisas dessas, estou a falar em termos gerais, bem sei que tu nunca me abandonarias); se tens dinheiro, pelo contrário, podes comprar companhia, um enfermeiro, uma enfermeira. Podes pagar a uma pedicura que te corte as unhas dos pés — uma tarefa que se te torna cada vez mais esgotante — e as lime para que não se dobrem e se cravem na carne, uma profissional hábil e cuidadosa que te extraia os calos e te desinfete essas perigosas feridas na planta do pé que a hiperglicemia ameaça tornar crónicas e que, se perdurarem e alastrarem, podem gangrenar e obrigar à amputação do membro; tendo dinheiro, podes dar-te ao luxo de contratar um massagista, um cabeleireiro que te corte o cabelo e te barbeie na cama,

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O Amor entre o Trigo

Cheguei ao acampamento dos Hernández antes do meio-dia, fresco e alegre. A minha cavalgada solitária pelos caminhos desertos, o repouso do sono, tudo isso refulgia na minha taciturna juventude.
A debulha do trigo, da aveia, da cevada, fazia-se ainda com éguas. Nada no mundo é mais alegre que ver rodopiar as éguas, trotando à volta do calcadouro do cereal, sob o grito espicaçante dos cavaleiros. Brilhava um sol esplêndido e o ar era um diamante silvestre que fazia brilhar as montanhas. A debulha é uma festa de ouro. A palha amarela acumula-se em montanhas douradas. Tudo é actividade e bulício, sacos que correm e se enchem, mulheres que cozinham, cavalos que tomam o freio nos dentes, cães que ladram, crianças que a cada momento é preciso livrar, como se fossem frutos da palha, das patas dos cavalos.

Oe Hernández eram uma tribo singular. Os homens, despenteados e por barbear, em mangas de camisa e com revólver à cinta, andavam quase sempre besuntados de óleo, de poeiras, de lama, ou molhados até aos ossos pela chuva. Pais, filhos, sobrinhos, primos, eram todos da mesma catadura. Estavam horas inteiras ocupados debaixo de um motor, em cima de um tecto,

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