Passagens sobre Altos

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A ciência permanecerá sempre a satisfação do desejo mais alto da nossa natureza, a curiosidade; fornecerá sempre ao homem o único meio que ele possui de melhorar a própria sorte.

A Estrada Branca

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

Águas Passadas não Moem Moinhos

Porém passa-me por alto,
e tanto por alto, que
mais meu olho não a vê
depois que lhe dais assalto:
eu então de passas falto
fico morfuz e mofino;
vós moendo-a de contino,
eu sem moer dela nada;
porque com agua passada
no puede moler molino.

Quantos São os que Sabem Ser Donos de Si Próprios?

Apenas julgamos comprar aquilo que nos custa dinheiro, enquanto consideramos gratuito o que pagamos com a nossa própria pessoa. Coisas que não quereríamos comprar se em troca devêssemos dar a nossa casa, ou uma quinta de recreio, ou de rendimento, estamos inteiramente dispostos a obtê-las a troco de ansiedades e de perigos, para tal sacrificando a honra, a liberdade, o tempo. A tal ponto é verdade que a nada damos menos valor do que a nós próprios! Façamos, portanto, em todas as nossas decisões e actos, o mesmo que fazemos ao abordar qualquer vendedor: perguntemos o preço da mercadoria que desejamos.
Frequentemente pagamos ao mais alto preço algo por que nada deveríamos dar. Posso indicar-te muitos bens cuja aquisição, mesmo por oferta, nos custa a liberdade: seríamos donos de nós próprios se não fôssemos possuidores de tais bens.
Deves meditar no que te digo, quer se trate de lucros quer de despesas. «Este objecto vai estragar-se». Ora, é uma coisa exterior; tão facilmente passarás sem ela como passaste antes de a ter. Se tiveste esse objecto bastante tempo, perde-lo depois de saciado; se pouco tempo, perde-lo antes de te habituares a ele. «Ganharás menos dinheiro». E menos preocupações,

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Às vezes possui-se o mais alto e no fim da vida tem-se a impressão de que se está morrendo virgem. É que as coisas não são talvez mais altas e mais baixas. De qualidade diferente, entende?

Crítica Efémera

Por muito alto que nos coloquemos para julgar a nossa época, nunca será tão alto como o historiador futuro; a montanha onde pensamos fazer o nosso ninho de águia não passará para ele dum ninho de toupeira; a sentença que demos à nossa época figurará entre as peças do nosso processo. Em vão tentaremos ser o nosso próprio historiador: o próprio historiador é personagem histórica. Devemos concentrar-nos em fazer a nossa história às cegas, dia a dia, escolhendo entre todos os partidos aquele que nos parecer ser presentemente o melhor; mas nunca poderemos tomar para com ela os ares altivos que fizeram a fortuna de Taine e Michelet; nós estamos dentro dela. O mesmo acontece com o crítico: é em vão que inveja o historiador das ideias.

Setentrional

Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,

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Variações Sérias Em Forma De Soneto

Vejo mares tranqüilos, que repousam,
Atrás dos olhos das meninas sérias.
Alto e longe elas olham, mas não ousam
Olhar a quem as olha, e ficam sérias.

Nos encantos dos lábios se lhe pousam
Uns anjos invisíveis. Mas tão sérias
São, alto e longe, que nem eles ousam
Dar um sorriso àquelas bocas sérias.

Em que pensais, meninas, se repousam
Os meus olhos nos vossos? Eles ousam
Entrar paragens tristes tão sérias!

Mas poderei dizer-vos que eles ousam?
Ou vão, por injunções muito mais sérias,
Lustrar pecados que jamais repousam?

Confissão

Vivo um drama interior.
Já nele pouco a pouco me consumo.
E de tanto te buscar,
Mas sem nunca te encontrar,
Sou como um barco sem leme,
Que perdesse o rumo,
No alto mar.

Da minha vida, assim,
O que vai ser nem sei!
Dias alegres houvesse…
E os dias são para mim
Rosas mortas de um jardim
Que um vendaval desfizesse.

Tenho horas bem amargas.
Eu o confesso,
Eu o digo.
E se tudo passa e esqueço,
Esquecer o teu perfil
É coisa que eu não consigo.

Sofro por ti. O frio do que morre
Amortalha a minha alma em saudade.
Atrás de uma ilusão a minha vida corre,
Como se fora atrás de uma verdade.

A Deus peço, por fim, o meu sossego antigo.
Não me persiga mais o teu busto delgado.
Passo os dias e as noites a sonhar contigo,
Na cruz da tua ausência estou crucificado.

A tua falta sinto. Não o oculto.
Ocultá-lo seria uma mentira.
Vejo por toda a parte a sombra do teu vulto,

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Cultivar a Felicidade

Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.

Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,

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Aos Vencedores

Visto que tudo passa e as épicas memorias
Dos fortes, dos heroes, se vão cada vez mais,
Que tudo é luto e pó! ó vós que triumphaes
Não turbeis a razão nos vinhos das vãas glorias!

Não ergais alto a taça, á hora dos gemidos,
Esquecidos talvez nos gosos, nos regallos;
E não façaes jámais pastar vossos cavallos
Na herva que cobrir os ossos dos vencidos!

Não celebreis jámais as festas dos noivados,
Não encontreis na volta os lugubres cortejos!
– E se amardes, olhae que ao som dos vossos beijos
Não respondam da praça os ais dos fusilados!

Sim! – se venceste emfim, folgae todas as horas,
Mas deixae lastimar-se os orphãos, as amantes,
Nem façaes, junto a nós, altivos, triumphantes,
Pelas ruas demais tinir vossas esporas!

Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã! –
– E nós lassos emfim dos prantos dolorosos,
Regámos já demais a terra–ó gloriosos
Vencedores! talvez, – vencidos d’amanhã!

O Primeiro Amor Leva Tudo

É fácil saber se um amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor, o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. Não há outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo.
Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal «só porque acaba». Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda em baixo.
O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói — porque parece que vai acabar de repente. E o primero amor dói sempre de mais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte «um único bocadinho de nós». Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo.

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Debaixo desta Campa Sepultado

Debaixo desta campa sepultado
Jaz um peito, um que etéreo fogo ardia,
Que da Lusa Eloquência, e da Poesia
Será por longos Evos lamentado.
Deixou à Pátria alto Padrão alçado,
Enfeitando co’ as flores a Harmonia
A austera fronte à sã Filosofia,
Com exemplo entre nós não praticado.
Não indagues, Viandante curioso,
Da larga vida sua erro, ou defeito,
Da Morte acata o manto tenebroso.
Ele Homem foi, Homem não há perfeito;
E, deixando este valer lacrimoso,
Foi piedade buscar de Deus no peito.

Religião do Medo

Com o homem primitivo é o medo acima de tudo que evoca noções religiosas — medo da fome, das feras, da doença, da morte. Como neste estado de existência o conhecimento das relações causais está usualmente pouco desenvolvido, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos semelhantes a si própria de cujos desejos e actos dependem esses acontecimentos assustadores. Por isso, tentamos obter o favor destes seres realizando acções e oferecendo sacrifícios que, de acordo com as tradições passadas de geração em geração, os tornam favoráveis ou bem dispostos em relação aos mortais. Neste sentido, estou a falar de uma religião do medo. Isto, apesar de não ter sido criado, é em alto grau estabilizado pela criação de uma casta sacerdotal especial que se institui a si mesma como mediadora entre as pessoas e os seres que elas receiam e ergue uma hegemonia assente nisso. Em muitos casos, um líder, um governante ou uma classe privilegiada, cuja posição assenta noutros factores, combinam as funções sacerdotais com a sua autoridade secular, de modo a garantirem mais firmemente a primeira, ou os governantes políticos e a casta sacerdotal defendem a mesma causa para defenderem os próprios interesses.

Poeira

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.

O Mal da Cidade

O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –

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Como é subtil, milimétrico o desequilíbrio do que escrevemos. Um breve desvio e é logo o insuportável para o leitor. Tudo porque a sua liberdade é o seu mais alto privilégio. E é assim difícil que se nos submeta.