Arrufos
Não há no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos;
Mas hoje uma questiúncula tivemos
Por um caprichosinho, uma tolice.– Acabemos com isto! ela me disse,
E eu respondi-lhe assim: – Pois acabemos!
– E fiz o que se faz em tais extremos:
Peguei no meu chapéu com fanfarrice,E, dando um gesto de desdém profundo,
Saí cantarolando. Está bem visto
Que a forma ali contradizia o fundo.Ela escreveu. Voltei. Nem Jesus Cristo,
Nem minha Mãe, voltando agora ao mundo,
Foram capazes de acabar com isto!
Passagens sobre Amantes
367 resultadosOs olhos transmitem um código de comunicação que somente os amantes podem decifrar. Se você ama, deixe os olhos falarem. Um olhar apaixonado entre um homem e uma mulher pode conter mais palavras que um dicionário…
Nunca um amante, por eloquente que seja, crê ter dito o bastante no interesse do seu amor.
Enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança.
Soneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… és morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
Cantares Bacantes IV
São Mateus bebo teu verbo
conjugado na tintura,
semi-breve partitura
na regência d’um Efebo.Ocarina chora uvas
esmagadas no sermão,
e esconde no coração
gotas vermelhas de chuvas.Um pombo pousa na taça
evangelho vivo de asas:
traz ao bico, verde salsa.A boa nova rascante
que me entra pela boca
doce beijo da amante.
O homem, verdadeiramente amante, desconfia sempre de si, receia sempre a sua inferioridade para merecer recompensa da mulher que, muitas vezes, não exige grandes provas.
Conclusão
Fui amante da morte
e da beleza. Vi a loucura,
acreditei na vida.
Da infância falei
como lugar de abismo.
O prazer
foi também a grande fonte
de perturbação e alegria.
Lembrei as mulheres
que recusaram submeter-se,
escrevi palavras fúnebres.Não poupei a adolescência,
o coração magoado
e não soube que fazer
de mim fora das palavras.
Escrevi para desistir
e depender
e ter identidade.
A Cegueira do Amor
Desde que se ame, o mais sensato dos homens não vê nenhum objecto tal como é. Exagera para menos as suas próprias vantagens e para mais os menores favores do objecto amado. Os temores e as esperanças transformam-se imediatamente em algo de romanesco. Deixa de atribuir seja o que for ao acaso; perde o sentido das probabilidades; uma coisa imaginada é uma coisa existente que influi na sua felicidade.
Um signo aterrador de que se está a perder a cabeça é que, ao pensar em qualquer facto, por minúsculo e difícil de observar que seja, o vejamos branco e o interpretemos em favor do nosso amor; um instante depois, verificamos que na realidade era negro, e mesmo assim ainda o achamos favorável ao nosso amor.
É nessa altura que uma alma presa de mortais incertezas sente vivamente a necessidade de um amigo; mas para um amante já não há amigos, como muito bem se sabia nas cortes. Eis a fonte da única espécie de indiscrição que uma mulher é capaz de perdoar.
A escravidão nos amantes é ambição de senhorio.
Amante atrevido, da amada mais querido.
O Poema Pouco Original do Medo
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveisVai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidosO medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a delesVai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiadosAh o medo vai ter tudo
tudo(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratosSim
a ratos
A um Corpo Perfeito
Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito
Mais roseo, esculptural e femenino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Immovel, nù, sobre o comprido leito! –Nada te eguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matal-a, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D’aquelle corpo sem rival, perfeito.Por isso é muito altiva e apetecida; –
E o goso sensual de a vêr vencida
Ha de ser forte, extranho e singular…Como o das cousas dignas de castigo;
– Ou d’um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d’um altar.
Amar é Raro
Amar é dar, derramar-me num vaso que nada retém e sou um fio de cana por onde circulam ventos e marés. Amar é aspirar as forças generosas que me rodeiam, o sol e os lumes, as fontes ubérrimas que vêm do fundo e do alto, água e ar, e derramá-las no corpo irmão, no cadinho que tudo guarda e transforma para que nada se perca e haja um equilíbrio perfeito entre o mesmo e o outro que tu iluminas. Dar tudo ao outro, dar-lhe tanta verdade quanta ele possa suportar, e mais e mais; obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência, fulguração, mas não tanto que o fira ou destrua em overdose que o leve a romper o contrato — o difícil equilíbrio dos amantes! Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar as vastas planícies com a metade do seu pulmão; e amar é raro porque poucos aceitam a presença do seu gémeo, a boca insaciável de um irmão que todos os dias o vento esculpe e destrói.
LXVI
Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pôs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.
Quem Dirá aos Amantes
Quem dirá aos amantes
o caminho
pelo qual os corpos vão
ao termo do que souberam?
E depois foi noção,
espaço, letra,
e não quiseram o retorno?
Quem os aguardará do outro lado
onde o riso,
a aveia, são o preâmbulo
da carícia no seio?Quem dirá aos
amantes que o amor há-de despir
o acontecido
e passará pela mão
como passou o frio
de flor em flor?
As mentiras são muito amáveis, mas fictícias, deliciosas. Continue a dizer coisas amáveis ao seu amante e ele continuará a murmurar-lhe ao ouvido coisas amáveis, mas ocas.
Não te Arrependas
Não te arrependas, Amada, porque a mim tão depressa
te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam
o sangue.
Nos tempos heróicos, quando Deuses e Deusas amavam,
Ao olhar seguia o desejo, ao desejo o prazer.
Crês tu que a Deusa do Amor pensou muito tempo
Quando no bosque de Ida um dia Anquises lhe
agradou?
Se Luna tardasse a beijar o belo dormente,
Auiora, invejosa, em breve o teria acordado.
Hero descobriu Leandro no festim ruidoso, e ligeiro,
Ardente saltou o amante pra a corrente nocturna.
Rhea Sílvia, a virgem princesa, vai descuidosa
Buscar água ao Tibre, e o Deus dela se apossa.
Assim Marte gerou os seus filhos! — Uma loba
amamenta
Os Gémeos, e Roma nomeia-se princesa do mundo.Tradução de Paulo Quintela
Os Homens não Sabem o que é o Amor
De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante – então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte – e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe.
As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos.
A mulher tem a arte de apropriar-se do dinheiro do amante apaixonado.