Passagens sobre Andorinhas

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Uma abelha que não fizesse nem mel nem cera, uma andorinha que não construísse o ninho, uma galinha que nunca pusesse, romperiam a sua lei natural, que é o instinto. Os homens insociáveis corrompem o instinto da natureza humana.

Andorinha, andorinha lá fora esta cantando: -Passei o dia a-toa, a-toa. Andorinha minha canção é mais triste: -Passei a vida a-toa, a-toa.´´

Contra a Esperança

É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litĂ­gios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.

É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhĂŁs.
E nĂŁo se espera muito.
SĂł um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vĂŁo esconde.

O universo Ă© um telhado
com sua calha tĂŁo baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.

É preciso esperar contra a esperança
e ser a mĂŁo pousada
no leme de sua lança.

E o peito da esperança
Ă© nĂŁo chegar;
seu rosto Ă© sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.

Um balde a mais
na esperança.

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Mapa

Ao norte, a torre clara, a praça, o eterno encontro,
A confidĂŞncia muda com teu rosto por jamais.
A leste, o mar, o verde, a onda, a espuma,
Esse fantasma longe, barco e bruma,
O cais para a partida mais definitiva
A urna distancia percorrida em sonho:
Perfume da lonjura, a cidade santa.

O oeste, a casa grande, o corredor, a cama:
Esse carinho intenso de silĂŞncio e banho.
A terra a oeste, essa ternura de pianos e janelas abertas
A rua em que passavas, o abano das sacadas: o morro e o
cemitério e as glicínias.
Ao sul, o amor, toda a esperança, o circo, o papagaio, a
nuvem: esse varal de vento,
No sul iluminado o pensamento no sonho em que te sonho
Ao sul, a praia, o alento, essa atalaia ao teu paĂ­s

Mapa azul da infância:
O jardim de rosas e mistério: o espelho.
O nunca além do muro, além do sonho o nunca
E as avenidas que percorro aclamado e feliz.

Antes o sol no seu mais novo raio,
O acordar cotidiano para o ensaio do céu,

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Portugal

Maior do que nĂłs, simples mortais, este gigante
foi da glĂłria dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrĂŁo dilatou, inĂłspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinĂłis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados pĂ­ncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhĂŞs e herĂłico Ă  beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreĂŁo de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,

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Ciumes

Pierrot dorme sobre a relva junto ao lago. Os cisnes junto d’elle passam sĂŞde, nĂŁo n’o acordem ao beber.

Uma andorinha travĂŞssa, linda como todas, avĂ´a brincando rente á relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. Elle accorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo atraz, nĂŁo venha o Pierrot de zangado persegui-la pelos campos. E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque elle se queda, de nĂ´vo volta em zig-zags travĂŞssos e chilreios de troça. E chilreia de troça, muito alto, por cima d’elle. Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de nĂ´vo.

De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos, seus olhos foram tão longe, tão longe como a andorinha fugida nos montes.

De repente viu-se cego – os dedos finissimos da Colombina brincavam com elle. Desceu-lhe os dedos aos labios e trocou com beijos o arĂ´ma das palmas perfumadas. Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, á laia de brincos com joias de carmim. Rolaram-se na relva e uniram as boccas, e já se esqueciam de que as tinham juntas…

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Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hĂŁo de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusĂŁo voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vĂ´o das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espĂ­rito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
Ă€ alma convalescente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espĂ­rito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente Ă© passado,
Nunca o futuro Ă© presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,

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Largo do EspĂ­rito Santo

Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
SĂł nĂŁo sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.

E moramos num largo… E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)

Da nossa casa o Alentejo Ă© verde.
É atirar os olhos: São searas,
sĂŁo olivais, sĂŁo hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!

E o pĂŁo da nossa mesa!… E o pucarinho
que nos dá de beber!… E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho…

E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri Ă  nossa alma e Ă  nossa carne.

Em tudo, Ăł Companheira,
a nossa casa Ă© bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.

Deus quis. E nĂłs ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas.

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Elegia

Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n’uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança…
Mas, tĂŁo longe de ti, n’este Payz de França,
Onde mal viste, entĂŁo, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar…
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tĂŁo longe! E fazes, sĂł, essa jornada!
Ajuda-te o bordĂŁo que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,
Escapas-teĂŁda cova e vens, Bondade enorme!
Atravez do MarĂŁo que a lua-cheia banha,
Atravessas, sorrindo, a mysteriosa Hespanha,
Perguntas ao pastor que anda guardando o gado,
(E as fontes cantam e o cĂ©u Ă© todo estrellado…)
Para que banda fica a França, e elle, a apontar,
Diz: «Vá seguindo sempre a minha estrella, no Ar!»
E ha-de ficar scismando, ao ver-te assim, velhinha,
Que Ă©s tu a Virgem disfarçada em probrezinha…
Mas tu, sorrindo sempre, olhando sempre os céus,
Deixando atraz de ti, os negros Pyrineus,
Sob os quaes rola a humanidade,

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Filtro

Meu Amor, nĂŁo Ă© nada: – Sons marinhos
Numa concha vazia, choro errante…
Ah, olhos que nĂŁo choram! Pobrezinhos…
Não há luz neste mundo que os levante!

Eu andarei por ti os maus caminhos
E as minhas mĂŁos, abertas a diamante,
HĂŁo de crucificar-se nos espinhos
Quando o meu peito for o teu mirante!

Para que corpos vis te nĂŁo desejem,
Hei de dar-te o meu corpo, e a boca minha
Pra que bocas impuras te nĂŁo beijem!

Como quem roça um lago que sonhou,
Minhas cansadas asas de andorinha
HĂŁo-de prender-te todo num sĂł vĂ´o…

O Seu Nome

I

Ella nĂŁo sabe a luz suave e pura
Que derrama n’uma alma acostumada
A nĂŁo vĂŞr nunca a luz da madrugada
Vir raiando senĂŁo com amargura!

NĂŁo sabe a avidez com que a procura
Ver esta vista, de chorar cançada,
A ella… unica nuvem prateada,
Unica estrella d’esta noite escura!

E mil annos que leve a Providencia
A dar-me este degredo por cumprido,
Por acabada já tão longa ausencia,

Ainda n’esse instante appetecido
Será meu pensamento essa existencia…
E o seu nome, o meu ultimo gemido

II

Oh! o seu nome
Como eu o digo
E me consola!
Nem uma esmola
Dada ao mendigo
Morto de fome!

N’um mar de dĂ´res
A mĂŁe que afaga
Fiel retrato
De amante ingrato,
Unica paga
Dos seus amores…

Que rota e nua,
Tremulos passos,
Só mostra á gente
A innocente
Que traz nos braços
De rua em rua;

Visto que o laço
Que a prende á vida
E sĂł aquella
Candida estrella
Que achou cahida
No seu regaço;

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O Homem Congrega Todas as Espécies de Animais

Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar!
Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebréus de trela que vivem do seu mérito, que se destinam à guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há também dogues irascíveis, cuja única qualidade é a fúria; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que têm espírito e que fazem sempre mal. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.

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Sobre A Neve

Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!

Coroavas-me inda pouco de lilás
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rĂştilos sonhos de rapaz!

Dos beijos que me deste nĂŁo te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…

Mas inda um dia, em mim, Ă©brio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!

PlangĂŞncia Da Tarde

Quando do campo as prĂłfugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsões vermelhas.

Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqĂĽilo, fica cintilando
Do sol que morre as Ăşltimas centelhas.

O azul dos montes vago na distância…
No bosque, no ar, a cândida fragrância
Dos aromas vitais que a tarde exala.

Ă€s vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …

Lydia

A Esther

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que nĂŁo crĂŞ na vida,
E nĂŁo pensa sequer na mĂŁe querida
Que te contempla cheia de saudade.

Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tĂŞ-las,
De certo, não será nas sepulturas.

Fica entre nĂłs, irmĂŁ das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mĂŁes o CĂ©u das criancinhas.

Hai-Kai da Palavra Andorinha
A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silĂŞncio…

Falavam-me de Amor

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos mĂłveis e tu vinhas
solstĂ­cio de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nĂłs bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
sĂł tu ficaste a ti acostumado.

O EspĂ­rito

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
Ă€ vida breve nĂŁo perguntes: cruentas
Rugas me humilham. NĂŁo mais em estilo brando
Ave estroina serei em mĂŁos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aĂ­ espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, nĂşncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.