Pequenina
Eu bem sei que te chamam pequenina
E ténue como o véu solto na dança,
Que Ă©s no juĂzo apenas a criança,
Pouco mais, nos vestidos, que a menina…Que Ă©s o regato de ĂĄgua mansa e fina,
A folhinha do til que se balança,
O peito que em correndo logo cansa,
A fronte que ao sofrer logo se inclina…Mas, filha, lĂĄ nos montes onde andei,
Tanto me enchi de angĂșstia e de receio
Ouvindo do infinito os fundos ecos,Que nĂŁo quero imperar nem jĂĄ ser rei
SenĂŁo tendo meus reinos em teu seio
E sĂșbditos, criança, em teus bonecos!
Passagens sobre AngĂșstia
219 resultadosToda vez que ouvir ruĂdos, a pessoa pensarĂĄ ansioso: âSerĂĄ que o visitante chegou?â. Quando maior a afeição dessa pessoa por ti, maior serĂĄ a angĂșstia da espera. Quem sabe o quanto a imprecisĂŁo de horĂĄrio aflinge o prĂłximo e lhe atrapalha os afazeres, nĂŁo faz uma promessa tĂŁo cruel.
A Nau
A Heitor Lima
SÎfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,
Zarpa. A Ăngreme cordoalha Ășmida fica. …
Lambe-lhe a quilha a espĂșmea onda impudica
E ébrios tritÔes, babando, haurem-lhe o cheiroNa glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o éter indica,
E estende os braços de madeira rica
Para as populaçÔes do mundo inteiro!Aguarda-a ampla reentrùncia de angra horrenda
PĂĄra e, a amarra agarrada Ă Ăąncora, sonha!
MĂĄgoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as…E nĂŁo haver uma alma que lhe entenda
A angĂșstia transoceĂąnica medonha
No rangido de todas as enxĂĄrcias!
O silĂȘncio Ă© o espaço que envolve toda a acção e vida em comum. A amizade nĂŁo precisa de palavras: Ă© a solidĂŁo livre da angĂșstia da solidĂŁo.
Nenhum Prazer Ă© um Mal em Si
Nenhum prazer Ă© um mal em si, mas certas coisas capazes de engendrar prazeres trazem consigo maior nĂșmero de males que de prazeres. Se as coisas que proporcionam prazeres Ă s pessoas dissolutas pudessem livrar-lhe o espĂrito das angĂșstias que experimentam diante dos fenĂłmenos celestes, da morte e dos sofrimentos, e se, por outro lado, lhes ensinassem o limite dos desejos, nada teriamos de censurar nelas, pois que as cumulariam de prazeres, sem mistura alguma de dor ou pesar, os quais constituem precisamente o mal.
Soneto Para EugĂȘnia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tĂŁo distante e tĂŁo perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vĂŁo em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparåvel névoa pressentida
nos livros que nĂŁo leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
AngĂșstia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e Ă© pouca a que te dou de companheiro.
Uma Doença CĂșmplice
uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂlio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobrasteà febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂlia e a injĂșriaque hĂĄ no sacrifĂcio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘnciado silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.
HĂĄ vezes em que nos prejudicamos dizendo âPode vir qualquer horaâ, pois nesse dia experimentamos a angĂșstia da expectativa. Ă acertada a expressĂŁo popular âEsperar Ă© mais penoso do que ser esperadoâ.
O indivĂduo, na sua angĂșstia de nĂŁo ser culpado mas de passar por sĂȘ-lo, torna-se culpado.
Se ao menos dessa revolta, dessa angĂșstia, saĂsse alguma coisa que prestasse.
Amador sem coisa amada
Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chĂŁo.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mĂŁo.Quando a angĂșstia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existĂȘncia,
nĂŁo chego a profissional.
Antidepressivos tratam a dor depressĂŁo, mas nĂŁo curam o sentimento de culpa e nem tratam a angĂșstia da solidĂŁo. (O Futuro da Humanidade)
A Mulher de Negro
Os sons da floresta, as ĂĄrvores, a bicicleta e, ao longe, o silĂȘncio imĂłvel de um vulto negro. Aproximei-me e era uma mulher vestida de negro. Um xaile negro sobre os ombros. Um lenço negro sobre a cabeça. O som dos pneus da bicicleta a pararem, o som de amassarem folhas hĂșmidas e de fazerem estalar ramos. Os meus pĂ©s a pousarem no chĂŁo. Os olhos da mulher entre o negro. Os olhos pequenos da mulher. O seu rosto branco. Vimo-nos como se nos encontrĂĄssemos, como se nos tivĂ©ssemos perdido havia muito tempo e nos encontrĂĄssemos. O tempo deixou de existir. O silĂȘncio deixou de existir. Pousei a bicicleta no chĂŁo para caminhar na direcção da mulher. Era atraĂdo por segredos. Durante os meus passos, a mulher estendeu-me a mĂŁo. A sua mĂŁo era muito velha. A palma da sua mĂŁo tinha linhas que eram o mapa de uma vida inteira, uma vida com todos os seus enganos, com todos os seus erros, com todas as suas tentativas. Os seus olhos de pedra. Senti os ossos da sua mĂŁo a envolverem os meus dedos. NĂŁo me puxou, mas eu aproximei o meu corpo do seu. Senti a sua respiração no meu pescoço.
Ser companheiro vale mais do que ser chefe. Ă preciso que os homens Ă sua volta nunca tenham nenhuma angĂșstia, nĂŁo sofram nunca por o sentirem a vocĂȘ superior a eles; a sua superioridade, se existir, deve ser um bĂĄlsamo nas feridas, deve consolĂĄ-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido Amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes Ă© possĂvel, nĂŁo para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja.
O Pior Dos Males
Baixando Ă Terra, o cofre em que guardados
Vinham os Males, indiscreta abria
Pandora. E eis deles desencadeados
Ă luz, o negro bando aparecia.O Ădio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Todos os VĂcios, todos os Pecados
Dali voaram. E desde aquele dia
Os homens se fizeram desgraçados.Mas a Esperança, do maldito cofre
Deixara-se ficar presa no fundo,
Que Ă© Ășltima a ficar na angĂșstia humana…Por que nĂŁo voou tambĂ©m? Para quem sofre
Ela Ă© o pior dos males que hĂĄ no mundo,
Pois dentre os males Ă© o que mais engana.
A morte tem um sabor a terra. E a angĂșstia, um sabor a fel.
A Casa Branca Nau Preta
Estou reclinado na poltrona, Ă© tarde, o VerĂŁo apagou-se…
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu cĂ©rebro…
NĂŁo existe manhĂŁ para o meu torpor nesta hora…
Ontem foi um mau sonho que alguĂ©m teve por mim…
HĂĄ uma interrupção lateral na minha consciĂȘncia…
Continuam encostadas as portas da janela desta tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par…
Sigo sem atenção as minhas sensaçÔes sem nexo,
E a personalidade que tenho estĂĄ entre o corpo e a alma…Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver sĂł dois…
Um quarto estado pra alma, se sĂŁo trĂȘs os que ela tem…
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a sonhar
DĂłi-me por detrĂĄs das costas da minha consciĂȘncia de sentir…As naus seguiram,
Seguiram viagem nĂŁo sei em que dia escondido,
E a rota que devem seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das cançÔes mortas do marinheiro de sonho…Ărvores paradas da quinta, vistas atravĂ©s da janela,
Ărvores estranhas a mim a um ponto inconcebĂvel Ă consciĂȘncia de as estar vendo,
Hino Ă Morte
Tenho Ă s vezes sentido o chocar dos teus ossos
E o vento da tua asa os meus låbios roçar;
Mas da tua presença o rasto de destroços
Nunca de susto fez meu coração parar.Nunca, espanto ou receio, ao meu ùnimo trouxe
Esse aspecto de horror com que tudo apavoras,
Nas tuas mĂŁos erguendo a inexorĂĄvel Fouce
E a ampulheta em que vais pulverizando as horas.Sei que andas, como sombra, a seguir os meus
[passos,
TĂŁo prĂłxima de mim que te respiro o alento,
â Prestes como uma noiva a estreitar-me em teus
[braços,
E a arrastar-me contigo ao teu leito sangrento…Que importa? Do teu seio a noite que amedronta,
Para mim nĂŁo Ă© mais que o refluxo da Vida,
Noite da noite, donde esplĂȘndida desponta
A aurora espiritual da Terra Prometida.A Alma volta Ă Luz; sai desse hiato de sombra,
Como o insecto da larva. A Morte que me aterra,
Essa que tanta vez o meu Ăąnimo assombra,
NĂŁo Ă©s tu, com a paz do teu oĂĄsis te terra!Quantas vezes,
DĂłi-me a Vida aos Poucos
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. HĂĄ sĂł um presente imĂłvel com um muro de angĂșstia em torno. A margem de lĂĄ do rio nunca, enquanto Ă© a de lĂĄ, Ă© a de cĂĄ, e Ă© esta a razĂŁo intima de todo o meu sofrimento. HĂĄ barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida nĂŁo doer, nem hĂĄ desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu hĂĄ muito tempo, mas a minha mĂĄgoa Ă© mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciĂȘncia do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mĂŁos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, Ă s nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo,
HĂĄ cristĂŁos que parecem ter escolhido viver uma espĂ©cie de Quaresma sem PĂĄscoa. Compreendo as pessoas que se vergam Ă tristeza por causa das graves dificuldades que tĂȘm de suportar, mas Ă© preciso permitir que aos poucos a alegria da fĂ© comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angĂșstias.