O que é para um homem a vergonha abstracta de um país quando comparada com a sua vergonha pessoal, as dores silenciosas da sua humilhação? No grande plano da História, o sofrimento é sobrevalorizado pelo colectivo e diluído na multidão. No plano fechado do indivíduo, as angústias têm de ser digeridas a frio, na solidão, sem que ninguém nos possa valer.
Passagens sobre Angústia
219 resultadosUma felicidade apaixonada assemelha-se à angústia.
O Entendimento das Almas
As almas têm um modo especial de se entenderem, de entrarem em intimidade, de se tratarem, até, por tu, enquanto as pessoas ainda se sentem embaraçadas com o comércio das palavras, na escravidão das exigências sociais. As almas têm necessidades próprias e aspirações próprias, que o corpo finge não reconhecer quando se vê impossibilitado de as satisfazer a de as traduzir em acções. E de todas as vezes que duas pessoas comunicam entre si desta maneira, apenas como almas, se encontram a sós num qualquer lugar, experimentam uma perturbação angustiosa e quase um repúdio violento de todo e qualquer contacto material, um sofrimento que os afasta e que cessa de imediato logo que intervém uma terceira pessoa. Então, desvanecida a angústia, as duas almas aliviadas buscam-se reciprocamente e voltam a sorrir uma para a outra.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
No mundo de hoje, no nosso tempo, sentimos que o sofrimento, a angústia, os tormentos do corpo e da alma, são maiores do que nunca foram na história da humanidade.
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Longe de ser o juiz implacável de que falam os moralistas, a nossa consciência é, pelas suas origens, «angústia social» e nada mais.
Ser Amado
Às vezes, é preciso conseguirmos o que não se consegue: parar de amar por um momento, para se ser amado por quem se ama.
Seria bom podermos parar para nos sentirmos amados sem ser de volta, na confusão de duas pessoas a amarem-se. Se não amássemos quem amássemos, talvez pudéssemos receber o amor dela e saber como era.
Mas não é provável. Se não a amássemos, não quereríamos saber. Ser amado seria um pedido, uma intromissão, um desconforto à espera de uma resposta nossa, de uma desilusão, de uma insensibilidade àquele amor que não queremos para nada, que nos apanhou e embaraça. Se calhar, na vida e na morte de quem ama e quem se ama, só se sente o não ser amado e o já não ser amado e, quando muito, o já ter sido amado. A ausência e a tristeza, por muito grandes que sejam, não são tão grandes como a presença, a alegria e a angústia do amor vivo, que ocupa os corpos todos e as almas todas.
É pena que enquanto se é amado por alguém nunca pareça que se é. Amado, de certeza, incondicionalmente, como é amado – também sem saber –
A amizade não precisa de palavras – é a solidão sem a angústia da solidão.
Respeito Muito o Homem que Chora
Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter–se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.
Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.
Contrariar as Contrariedades
Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inlcusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida.
Contra a Ansiedade
Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela;
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
A Culpa é Sentirmo-nos Culpados
A culpa é sentirmo-nos culpados, e não um resultado dos crimes cometidos; o ser inocente é alegre, feliz, e não deixa, seja em que caso for, que os acontecimentos perturbem a sua calma e a sua paz. É por isso que considero que a justiça erra quando executa os menos em vez dos mais culpados, quer dizer quando executa os criminosos e não aqueles que sentem que têm no coração a culpa do mundo. Isso equivale a executar crianças por acções que cometeram no escuro quando ignoravam tudo acerca do escuro e das reacções que provoca no funcionamento dos corpos. Uma vez que são culpados apenas os que se sentem culpados, seria necessário suprimir a justiça distribuitiva de castigos e substituí-la por uma justiça executora, porque ao fim de algum tempo aquele que a culpa mortifica já só aspira a morrer, a morrer pelas faltas do mundo como pelas suas próprias faltas, e pode sem a mínima hesitação, sim, sem a menor angústia de morte, uma vez que nada tem a esperar agora que tocou finalmente o fundo do mundo, pedir à justiça a sua pena de morte – e nunca outra cabeça se curvará mais graciosamente do que a sua por baixo da guilhotina,
Eu acredito que a poesia tenha sido uma vocação, embora não tenha sido uma vocação desenvolvida conscientemente ou intencionalmente. Minha motivação foi esta: tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos. São problemas de angústia, incompreensão e inadaptação ao mundo.
Imprevidência
Vamos seguindo assim, desprevenidamente
a brincar com o Destino… e a pensar que brincamos…
quando, na realidade, ele brinca com a gente,
e trama qualquer coisa que não suspeitamos…Julgamos dominá-lo… e, que somos ? – dois ramos
arrastado por ele ao sabor da corrente…
Bem que percebemos quando nos amamos
mas teimamos, seguindo assim, inutilmente…Prolongamos em vão um traiçoeiro dilema:
– ou tu te entregarás um dia, com ternura,
ou teremos criado um eterno problema…Fora disto, há o recuo, bem sei… Mas assim
– tua vida há de ser um remorso sem cura!
– minha vida há de ser uma angústia sem fim!
Eu não soube suportar a passagem das coisas. Tudo o que flui, tudo o que passa, tudo o que mexe sufoca e enche-me de angústia.
Contemplação
Nas crinas de cavalos reclinados
penteia o vento nuvens retorcidas
enquanto a sombra cai do céu calado
na relva da campina amanhecida.Passeia o sol as hastes sublevadas
dos girassóis lambidos no rocio
que vaidosos se alçam na mirada
narcisos desse espelho em seu feitio.A calma da manhã veste amarelo
e despe toda angústia na brandura
das cores desse dia sem duelo.Sendo o perdido me acho sem procura
sofrendo tenho sido meu flagelo
mas esse olhar agora me inaugura.
Responso
I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
As angústias mais cerradas deixam sempre clareira alumiada por uma réstia de esperança.