A Adversidade é Essencial
Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a actividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada! Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados!
Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!
Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros,
Passagens sobre Ânimo
69 resultadosA Cidade do Sonho
Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te
O caminho que leva à Cidade do Sonho…
De tão alta que está, vê-se de toda a parte,
Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.Vai por entre rosais, sinuoso e macio,
Como o caminho chão duma aldeia ao luar,
Todo branco a luzir numa noite de Estio,
Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,
Deves empreender essa jornada louca;
O Sonho é para nós a Terra Prometida:
Em beijos o maná chove na nossa boca…Vistos dessa eminência, o mundo e as suas
[sombras,
Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;
O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,
Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol.Nela mora encantada a Ventura perfeita
Que no mundo jamais nos é dado sentir…
E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,
A própria Dor começa a cantar e a sorrir!Que importa o despertar? Esse instante divino
Como recordação indelével persiste;
E neste amargo exílio,
Os bens que mais nascem do ânimo que da fortuna, melhor se asseguram, porque aqueles guardam-se no peito, e estes cansam os ombros.
Os ânimos desejosos de fazer bem, mais os lisonjeia quem lhes pede, que quem os louva.
A Vaidade Deforma a Alegria e a Tristeza
As virtudes humanas muitas vezes se compõem de melancolia, e de um retiro agreste. As mais das vezes é humor o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude. Tudo são efeitos da tristeza; esta obriga-nos a seguir os partidos mais violentos, e mais duros; raras vezes nos faz reflectir sobre o passado, quási sempre nos ocupa em considerar futuros; por isso nos infunde temor, e cobardia, na incerteza de acontecimentos felizes, ou infaustos; e verdadeiramente a alegria nos governa em forma, que seguimos como por força os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza.
Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam,
Mente Estável e Mente Instável
O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. .
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet,
O tempo acalma e esclarece; nenhuma disposição de ânimo pode ser mantida inalterada ao longo de horas.
Perdoar sem Agravar
Sem comparação, é muito menor mal receber agravo que agravar alguém; ser injuriado que injuriar; e é melhor que outros te enganem do que enganes alguém, como, por sabedoria humana, chegaram a compreender gentios como Sócrates, Platão e Séneca. Lembra-te que é coisa de homens e conforme à fraqueza da nossa humana natureza sofrer engano ou errar. Por isso não leves tão a mal os pecados cometidos pelos outros, nem te sintas tão agravado pelo erro que cometeram contra ti.
Perdoar é próprio dos ânimos generosos, mas guardar rancor é coisa de homens ásperos e cruéis, baixos e de casta ruim; isto a mesma natureza o mostra nos animais mudos.
Quanto é mais eficaz e poderosa para mover os ânimos dos homens a esperança das coisas próprias, que a memória das alheias?