Passagens sobre Anos

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Frases sobre anos, poemas sobre anos e outras passagens sobre anos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Depois

Há de ser desta vez… Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga…

E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo:”minha amiga,
quero ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com o que me diga…”

Penso assim… E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois…

Basta vê-la… e em minha alma acovardada,
– já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois!

Cantar à Maneira de Solao

Pensando-vos estou, filha,
vossa mãi me está lembrando;
enchem-se-me os olhos d’ágoa,
nela vos estou lavando.
Nascestes, filha, antre mágoa,
para bem inda vos seja,
que no vosso nascimento
vos houve a furtuna enveja.
Morto era o contentamento,
nenhüa alegria ouvistes:
vossa mãi era finada,
nós outras éramos tristes.
Nada em dor, em dor criada,
não sei onde isto há-d’ir ter;
vejo-vos, filha, fermosa
c’os olhos verdes crecer.
Não era esta graça vossa
para nacer em desterro,
mal haja a desaventura
que pôs mais nisto que o erro!

Tinha aqui sua sepultura
vossa mãi, e a mágoa nós;
não éreis vós, filha, não,
para morrerem por vós.
Não houve em fados razão,
nem se consente rogar;
de vosso pai hei mor dó,
que de si s’há-de queixar.

Eu vos ouvi a vós só
primeiro que outrem ninguém,
não fôreis vós se eu não fora,
não sei se fiz mal, se bem.

Mas não pode ser, senhora,
para mal nenhum nacerdes,
com este riso gracioso
que tendes sobr’olhos verdes.

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O homem de 67 anos de hoje não é de maneira alguma o mesmo que era o de 50, 30 ou 20 anos. Qualquer reminiscência é colorida pelo ser de hoje e, logo, vista sob um ponto de vista enganador.

Reinventar o Mistério

Cada vez acredito mais nisso: pode efectivamente haver bom sexo sem pecado. Mas não pode, nunca pôde, nem nunca poderá haver bom sexo sem mistério. Se muitos casais perdem o desejo ao fim de alguns anos, é porque o mistério desapareceu. Se outros tantos o mantêm latejante ao fim de várias décadas, é porque encontraram uma forma de reinventar o mistério. Feitas as contas, tem de haver sempre alguma espontaneidade – até alguma pressa, alguma urgência. E o melhor, apesar de tudo, é que o sexo seja muitas vezes bom e todas as restantes apenas assim-assim. No exacto instante em que for perfeito perderá dois terços do interesse, se não o interesse todo. Da próxima já não poderá ser melhor.

É claro: quatro quintos dos portugueses discordarão aberta e ostensivamente disto. Nos estudos sociológicos e nas conversas de café, nas telenovelas e nas reportagens «do social», não encontro outra coisa senão atletas sexuais – e nenhum atleta sexual alguma vez poderá ser surpreendido a aceitar que a sua última sessão foi apenas assim-assim (e muito menos que a próxima poderá ser assim-assim também).

Elimine a experiência e o bom senso dos homens de mais de 50 anos e não sobrará bastante experiência ou bom senso para governar o mundo.

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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A Idade não nos Torna mais Sábios

As pessoas imaginam que precisamos de chegar a velhos para ficarmos sábios, mas, na verdade, à medida que os anos avançam, é difícil mantermo-nos tão sábios como éramos. De facto, o homem torna-se um ser distinto em diferentes etapas da vida. Mas ele não pode dizer que se tornou melhor, e, em alguns aspectos, é igualmente provável que ele esteja certo aos vinte ou aos sessenta. Vemos o mundo de um modo a partir da planície, de outro a partir do topo de uma escarpa, e de outro ainda dos flancos de uma cordilheira. De alguns desses pontos podemos ver uma porção maior do mundo que de outros, mas isso é tudo. Não se pode dizer que vemos de modo mais verdadeiro de um desses pontos que dos restantes.

O Meu Nirvana

No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!

Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéa Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tacto – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéas –

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéas!

O Dilema do Conhecimento

Como todos sabemos, aprender pouco é algo perigoso. Mas o excesso de aprendizado altamente especializado também é uma coisa perigosa, e por vezes pode ser ainda mais perigoso do que aprender só um pouco. Um dos principais problemas da educação superior agora é conciliar as exigências da muita aprendizagem, que é essencialmente uma aprendizagem especializada, com as exigências da pouca aprendizagem, que é a abordagem mais ampla, mas menos profunda, dos problemas humanos em geral.
(…) O que precisamos fazer é arranjar casamentos, ou melhor, trazer de volta ao seu estado original de casados os diversos departamentos do conhecimento e das emoções, que foram arbitrariamente separados e levados a viver em isolamento nas suas celas monásticas. Podemos parodiar a Bíblia e dizer: “Que o homem não separe o que a natureza juntou”; não permitamos que a arbitrária divisão académica em disciplinas rompa a teia densa da realidade, transformando-a em absurdo.
Mas aqui deparamo-nos com um problema muito grave: qualquer forma de conhecimento superior exige especialização. Precisamos de nos especializar para entrar mais profundamente em certos aspectos separados da realidade. Mas se a especialização é absolutamente necessária, pode ser absolutamente fatal, se levada longe demais. Por isso, precisamos de descobrir algum meio de tirar o maior proveito de ambos os mundos –

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O Horror de ser Pobre

Risco c’um traço
(Um traço fino, sem azedume)
Todos os que conheço, eu mesmo incluído.
Para todos estes não me verão
Nunca mais
Olhar com azedume.

O horror de ser pobre!
Muitos gabavam-se que aguentariam, mas era ver-
-lhes as caras alguns anos depois!
Cheiros de latrina e papéis de parede podres
Atiravam abaixo homens de peitaça larga como toiros.
As couves aguadas
Destroem planos que fazem forte um povo.
Sem água de banho, solidão e tabaco
Nada há que exigir.
O desprezo do público
Arruina o espinhaço.
O pobre
Nunca está sozinho. Estão todos sempre
A espreitar-lhe pra o quarto. Abrem-lhe buracos
No prato da comida. Não sabe pra onde há-de ir.
O céu é o seu tecto, e chove-lhe lá pra dentro.
A Terra enxota-o. O vento
Não o conhece. A noite faz dele um aleijado. O dia
Deixa-o nu. Nada é o dinheiro que se tem. Não salva ninguém.
Mas nada ajuda
Quem dinheiro não tem.

Tradução de Paulo Quintela

É possível avançar por ruas durante toda a vida, perder as forças nas pernas, cair de joelhos e morrer, transformar-se lentamente, com a chuva, com os anos, no empedrado da calçada, diluir-se entre as pedras, como pó, como água, desaparecer.

A Voz que Ouço quando Leio

Quando leio, há uma voz que lê dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas não acredito que seja o meu olhar que lê. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lê. Quando é séria, ouço-a falar-me de assuntos sérios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes, grita-me. Essa voz não é a minha voz. Não é a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, não me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas não é minha. Não é a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas é exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, não acredito que alguém possa ter uma voz que lê igual à minha, por isso é minha mas não é minha. Mas, claro, não posso ter a certeza absoluta. Não só porque uma voz é indescritível, mas também porque nunca ninguém me tentou descrever a voz que ouve quando lê e porque eu nunca falei com ninguém da voz que ouço quando leio.

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A Vida Vazia da Cidade

Instalámo-nos, portanto, na cidade. Aí toda a vida é suportável para as pessoas infelizes. Um homem pode viver cem anos na cidade, sem dar por que morreu e apodreceu há muito. Falta tempo para o exame de consciência. As ocupações, os negócios, os contactos sociais, a saúde, as doenças e a educação das crianças preenchem-nos o tempo. Tão depressa se tem de receber visitas e retribuí-las, como se tem de ir a um espectáculo, a uma exposição ou a uma conferência.
De facto, na cidade aparece a todo o momento uma celebridade, duas ou três ao mesmo tempo que não se pode deixar de perder. Tão depressa se tem de seguir um regime, tratar disto ou daquilo, como se tem de falar com os professores, os explicadores, as governantas. A vida torna-se assim completamente vazia.

Quer Ver Uma Perdiz Chocar Um Rato

Quer ver uma perdiz chocar um rato,
Quer ensinar a um burro anatomia,
Exterminar de Goa a senhoria,
Ouvir miar um cão, ladrar um gato;

Quer ir pescar um tubarão no mato,
Namorar nos serralhos da Turquia,
Escaldar uma perna em água fria,
Ver um cobra castiçar co’um pato;

Quer ir num dia de Surrate a Roma,
Lograr saúde sem comer dois anos,
Salvar-se por milagre de Mafoma;

Quer despir a bazófia aos Castelhanos,
Das penas infernais fazer a soma,
Quem procura amizade em vis gafanos.

A Esperança de uma Relação Profunda

Conhecemos as pessoas durante anos, até mesmo dezenas de anos, habituamo-nos a evitar os problemas pessoais e os assuntos verdadeiramente importantes, mas guardamos a esperança de que, mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis, se possam justamente abordar esses assuntos e esses problemas. A esperança, sempre adiada, de um relacionamento mais humano e mais completo nunca desaparece completamente, porque nenhuma relação humana se contenta com limites definitivos, restritos e rígidos. Permanece, portanto, a esperança, de que haja um dia uma relação «autêntica e profunda». E permanece durante anos, até mesmo décadas, até que um acontecimento definitivo e brutal (em geral, uma coisa como a morte) vem dizer-nos que é demasiado tarde, que essa «relação autêntica e profunda», cuja imagem tínhamos amado, também não existirá; não existirá, tal como as outras.

Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Não temo a morte. Já fui morto por bilhões e bilhões de anos, antes de nascer, e isso não me causou o menor incômodo.