O grande artista traz uma forma diferente de colorir.
Passagens de António Lobo Antunes
118 resultadosOs escritores portugueses passam o tempo a falar de livros, os escritores americanos nunca falam de livros.
Percebo muito bem que os emigrantes só pensem em regressar, mesmo que seja para fazer casas de azulejo: há um charme lento neste país que é irresistível.
A amizade é regida pelo mesmo mecanismo que o amor, é instantânea e absoluta.
As pessoas antigamente adoeciam, sei lá, os malucos, porque tinham psicoses, esquizofrenias ou neuroses fóbicas. Actualmente os problemas são sempre de relação, da relação da pessoa consigo própria, da relação com os outros.
Escrevo quase todos os dias, quando posso, à noite. Faço uma primeira versão, que escrevo em blocos, na cama, sentado no chão. Sempre à noite porque não acho fascinante levantar-me cedo. Fico até às tantas.
Quando uma pessoa acaba por ter tão pouco tempo para estar com os amigos, para escrever as suas histórias, isso acaba por nos fechar, por nos tornar tímidos, introvertidos e por vezes até com dificuldade de relação.
Os campeões de pingue-pongue chineses treinam oito horas por dia… um escritor tem que escrever todos os dias para não perder a mão, como os cirurgiões.
Compreendi o valor da amizade, em momentos especiais, quando o Céline me escreveu, quando o Jorge Amado me escreveu, ambos com uma grande estima e uma grande amizade. Isso fez-me pensar que havia pessoas mais generosas e melhores do que eu. Ser amigo é a única forma de se estar com os outros.
É preciso viver, viver como homem comum entre homens comuns. Só um homem comum pode fazer grandes coisas.
Desconfio, visceralmente, dos políticos e dos militares. O desejo de servir os outros será assim tão puro? Vejo a forma como lutam pelo poder, quase histérica. Nunca estão perto de nós, servimos para votar e, nos intervalos, com extrema arrogância, falam em nosso nome.
Gosto das pessoas que têm cara de quem vive. E isso não tem a ver com beleza. Normalmente, as pessoas que eu acho atraentes não são bonitas, têm um charme lento, que eu não sei explicar.
São precisas muitas mulheres para esquecer uma mulher inteligente.
Os fins-de-semana são horríveis para os casamentos. Em Portugal resolveram o problema com um jornal enorme, que vem em saco plástico.
É uma dificuldade minha, a de fazer diálogos. Como sou um lírico, faço tudo carregado de autobiografia. Às vezes o que as pessoas pensam que é bom tem a ver com estratagemas nossos. No fundo não é uma técnica, é uma defesa das nossas dificuldades.
O Jorge Amado dizia-me, há tempos, que conhecia muitos editores ricos, mas escritores não. Gastamos muito em impostos e pagamos tudo aquilo que o agente investe em nós.
A escrita é sempre um acto de fuga à depressão. Nunca encontrei ninguém com tanto medo da morte como os médicos.
O nível médio daquilo que se publica, seja onde for, é muito baixo. Esta é a verdade em todo o mundo. As pessoas compram coisas que falam sobre o hoje e quando o hoje se tornar ontem já ninguém vai ler aquilo.