Guerra
Tanto Ă© o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto Ă© o sangue
que atĂ© a lua se levanta horrĂvel,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta Ă© a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estĂŁo por ali como tábuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já nĂŁo pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta Ă© a morte
que sĂł as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nĂłs e vĂłs, imunes,
chorando,
Passagens sobre Arquitetura
43 resultadosA Casa do Homem
Imagine uma pessoa que nĂŁo tem lugar. Anda perdido, desorientado. E imagine outra pessoa que Ă© filho de famĂlia, tem os pais, os irmĂŁos, a casa. A casa Ă© muito importante. Vai sempre seguro de si porque tem um sĂtio de acolhimento se as coisas lhe falharem. Digamos a casa, digamos o lugar, digamos o sĂtio. Tal como o Ulisses volta a casa. Ele quer voltar ao recolhimento, Ă segurança, ao aconchego. O aconchego do ventre da mĂŁe. A casa do homem Ă© o ventre da mĂŁe. Onde ele está e nĂŁo precisa de fazer nada, tem tudo. E Ă© feliz. E quando o Ulisses vem moribundo e fala na morte, surge a ideia de tĂşnel que Ă© o nascimento do feto, uma reminiscĂŞncia. Por exemplo, o filme falado termina com o comandante que vĂŞ a casa a destruir-se, porque a casa dele Ă© o navio. Mas há o lado Ă©tico: o capitĂŁo deve ser o Ăşltimo a deixar o barco, e ele tem um passageiro e nĂŁo pode ir lá substitui-lo. Este Ă© o grande drama. Ele vĂŞ arruinar todo o sistema, toda a sua vida, que está concentrada na sua casa. É essa a tragĂ©dia que o mundo sofre agora.
A Verdade
A verdade Ă© semelhante a uma adolescente
vibrante, flexĂvel, em radiosa sombra.
Quando fala Ă© a noite translĂşcida no mar
e a esfera germinal e os anéis da água.
Um apelo suave obstinado se adivinha.Ela dorme tĂŁo perfeitamente despertada
que em si a verdade Ă© o vazio. Ela aspira
Ă cegueira, ao eclipse, Ă travessia
dos espelhos até ao último astro. Ela sabe
que o muro está em si. Ela é a sedee o sopro, a falha e a sombra fascinante.
Ela funda uma arquitectura volante
em suspensas superfĂcies ondulantes.
Ela Ă© a que solicita e separa, delimita
e dissemina as sĂlabas solidárias.