Vós, Ó Franças, Semedos, Quintanilhas
Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas;Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais as vossas maravilhas,Deixai Elmano, que, inocente e honrado
Nunca de vós se lembra, meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado.E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,
De perna erguida sobre vós mijando.
Passagens sobre Baixo
261 resultadosMensagem – Mar Português
MAR PORTUGUÊS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,
Para baixo cabra manca faz viagem.
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo Que eu sou professor
O Triunfo da Ignorância
As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tacto. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só “inumano”. Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contacto, adopte um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil.
Visto que o bottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem. A conjura pelo positivo actua como uma força gravitória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados.
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria…Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…
Só uma coisa é forte neste baixo mundo: a que é justa.
O Vil Metal
Timão: Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! (…) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente. Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (…) [O ouro] arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores. É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (…). Venha, mineral execrável, prostituta vil da humanidade (…) eu o farei executar o que é próprio da sua natureza.
O que é criminoso não é falhar, mas apontar demasiado baixo.
Meu Bebé para Dar Dentadas
Meu Bebé pequeno e rabino:
Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa cousa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «não estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto é uma cousa, como tu sabes, com que tu não tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto também. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado.)
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplêndido,
Poema do Homem Novo
Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um envólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.Numa cama de rede, pendurada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.
Cá de longe, na Terra, num borborinho ansioso,
O Nosso Infinito
Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessáriamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?
Ao mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.
Pôr o infinito de baixo em contacto com o infinito de cima,
A Dificuldade de Estabelecer e Firmar Relações
A dificuldade de estabelecer e firmar relações. Há uma técnica para isso, conheço-a. Nunca pude meter-me nela. Ser «simpático». É realmente fácil: prestabilidade, autodomínio. Mas. Ser sociável exige um esforço enorme — físico. Quem se habituou, já se não cansa. Tudo se passa à superfície do esforço. Ter «personalidade»: não descer um milímetro no trato, mesmo quando por delicadeza se finge. Assumirmos a importância de nós sem o mostrar. Darmo-nos valor sem o exibir. Irresistivelmente, agacho-me. E logo: a pata dos outros em cima. Bem feito. Pois se me pus a jeito. E então reponto. O fim. Ser prestável, colaborar nas tarefas que os outros nos inventam. Colóquios, conferências, organizações de. Ah, ser-se um «inútil» (um «parasita»…). Razões profundas — um complexo duplo que vem da juventude: incompreensão do irmão corpo e da bolsa paterna. O segundo remediou-se. Tenho desprezo pelo dinheiro. Ligo tão pouco ao dinheiro que nem o gasto… Mas «gastar» faz parte da «personalidade». Saúde — mais difícil. Este ar apeuré que vem logo ao de cima. A única defesa, obviamente, é o resguardo, o isolamento, a medida.
É fácil ser «simpático», difícil é perseverar, assumir o artifício da facilidade. Conservar os amigos. «Não és capaz de dar nada»,
Canto dos Espíritos sobre as Águas
A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, ‘spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.No leito baixo
Desliza ao longo do vale relvado,
E no lago manso
Pascem seu rosto
Os astros todos.Vento é da vaga
O belo amante;
Vento mistura do fundo ao cimo
Ondas ‘spumantes.Alma do Homem,
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento!Tradução de Paulo Quintela
Fala Também Tu
Fala também tu,
fala em último lugar,
diz a tua sentença.Fala —
Mas não separes o Não do Sim.
Dá à tua sentença igualmente o sentido:
dá-lhe a sombra.Dá-lhe sombra bastante,
dá-lhe tanta
quanta exista à tua volta repartida entre
a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite.Olha em redor:
como tudo revive à tua volta! —
Pela morte! Revive!
Fala verdade quem diz sombra.Mas agora reduz o lugar onde te encontras:
Para onde agora, oh despido de sombra, para onde?Sobe. Tacteia no ar.
Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil!
Mais subtil: um fio,
por onde a estrela quer descer:
para em baixo nadar, em baixo,
onde pode ver-se a cintilar: na ondulação
das palavras errantes.Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno
Se não apontares ao impossível te sairá baixo o tiro ao possível.
A Nulidade como Ideal
A nulidade exige ordem. Tem necessidade de uma hierarquia, de meios de pressão, de agentes e de uma finalidade que se confunda consigo própria. Para manter o ser humano no seu nível mais baixo, onde não corre o risco de fazer ondas, nada melhor que uma organização estruturada com níveis de poder e peões disciplinados capazes de os exercer. Qualquer estrutura deste tipo aguenta-se de pé devido à convicção geral de que não é necessário explicar para se ser obedecido, nem compreender para obedecer. A verdade difunde-se por si só de cima para baixo pelo mero efeito do ascensor hieráriquico. A eficácia é proporcional ao grau de complexidade graças ao qual é mantida a ilusão de uma certa liberdade em todos os níveis de comando.
Quanto mais insignificantes são as engrenagens humanas, mais fácil é convencê-las da sua falsa autonomia. As nulidades fornecem as melhores engrenagens, associando o máximo de inércia intelectual ao máximo de aplicação no exercício de uma ditadura sobre a pequena porção de poder que lhes cabe. Essas estruturas, onde todos têm razão quando estão acima e não a têm quando estão abaixo, realizam uma espécie de ideal humano feito de equilíbrio entre arrogância e humildade.
Como em todo o homem existem as qualidades universais da humanidade toda em baixo grau que seja, todos são até certo ponto orgulhosos e até certo ponto vaidosos.
Raramente Lemos um Livro que nos Dão
Raramente lemos um livro que nos dão; e poucos nos são dados. A maneira de espalhar uma obra é vendê-la a um preço baixo. Pois ninguém comprará algo ainda que custe apenas alguns cêntimos, se não tiver a intenção de lê-la.