A Vida Leve
Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exatos
Basta para podermos
Achar a vida leve.De todo o esforço seguremos quedas
As mãos, brincando, pra que nos não tome
Do pulso, e nos arraste.
E vivamos assim,Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas carícias
Dos instantes volúveis.Pouco tão pouco pesará nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
‘Scolherrnos do que fomos
O melhor pra lembrarQuando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatalDo barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio,
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão.
Passagens sobre Barcos
135 resultadosMinha Mãe, Minha Mãe!
Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!…
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
A pessoa que chega mais longe é geralmente aquela que está disposta a fazer e ousar. O barco seguro nunca vai muito longe da margem.
Uma Cidade
Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
acesonuma noite
de junho.Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.
O casamento é como uma longa viagem em um pequeno barco a remo: se um passageiro começar a balançar o barco, o outro terá que estabilizá-lo; caso contrário, os dois afundarão juntos.
Sonhos
Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquistaNem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!
Tango do Viúvo
Tive dificuldades na minha vida privada. A doce Josie Bliss foi-se convencendo e apaixonando até adoecer de ciúmes. Se não fosse isso, talvez tivesse continuado indefinidamente ao lado dela. Enterneciam-me os seus pés nus, as brancas flores que lhe brilhavam na cabeleira negra. Mas o seu temperamento levava-a até paroxismos selvagens. Tinha ciúmes e aversão às cartas que me chegavam de longe; escondia-me os telegramas sem os abrir, olhava com rancor o ar que eu respirava.
Por vezes acordava-me uma luz, um fantasma que se movia por detrás da rede do mosquiteiro. Era ela, vestida de branco, brandindo o seu longo e afiado punhal indígena. Era ela, rondando-me a cama horas inteiras sem se decidir a matar-me. «Quando morreres, acabarão os meus receios», dizia-me. No dia seguinte realizava misteriosos ritos para garantir a minha fidelidade.
Acabaria por me matar. Por sorte, recebi uma mensagem oficial participando-me que fora transferido para Ceilão. Preparei a minha viagem em segredo e um dia, abandonando a minha roupa e os meus livros, saí de casa como de costume e entrei no barco que me levaria para longe.
Deixava Josie Bliss, espécie de pantera birmanesa, na maior dor. Mal o barco começou a mover-se sobre as ondas do golfo de Bengala,
As Profecias
(fragmentos)
I
depois de tudo
minha casa permanecerá nos fundosminguantes novos
cidades mortas
ruas desconhecidasbarcos de vento
perdidos sonsfoi lá que brinquei de longe
e perdi-me de mim
foi lá a primeira tosquia
quando me tiraram tudonem o leque
para afugentar a maturação
nem a haste
para defender-me das feras
nem o silêncio
para vestir-me no esquecimentodepois de tudo
minha casa permanecerá nos fundosfoi lá que brinquei de longe
e me perdi de mimII
A flor abre-se em terra
para o forte a ser nosso.Perto estamos
dos rios coagulados
de mel colhido aos tempos.
Perto estamos
da nocturna fé de ser impuro
benvinda das lonjuras.Perto estamos dos infantes campos
junto ao longe tranquilo de viver.
Ouvi, solitárias meninas, solitários meninos:
o vento chão que varre os prados
onde somos horizontais,
afinal.III
Trago a palma na mão, aqui estou,
A Noite Abre Meus Olhos
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azuladoFerrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenesA aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreabertao amor é uma noite a que se chega só
Teu Corpo de Terra e Água
Teu corpo de terra e água
Onde a quilha do meu barco
Onde a relha do arado
Abrem rotas e caminhoTeu ventre de seivas brancas
Tuas rosas paralelas
Tuas colunas teu centro
Teu fogo de verde pinhoTua boca verdadeira
Teu destino minha alma
Tua balança de prata
Teus olhos de mel e vinhoBem que o mundo não seria
Se o nosso amor lhe faltasse
Mas as manhãs que não temos
São nossos lençóis de linho
Barco Perdido
Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…
Miritiba
É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila…
Grandes redes ao sol, mangais defronte…De um lado e de outro, fecha-se o horizonte…
Duas ruas somente… a água tranqüila…
Botos no prea-mar… A igreja… A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço…Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro… Depois… só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!
Anúncio no Ar
Céus, nuvens, ondas, ventos,
dai-me notícias do meu amor norueguês.Elementos da natureza gastos por tantos versos,
ferralha romântica, brilhai de novo
e trazei-me notícias do meu amor norueguês.Aquela que eu amei um verão na praia
– pérola cuja ostra era um barco de carvão,
matrícula de Bergen, essa mesma, elementos!,
notícias, notícias do meu amor norueguês.A que veio dos fiordes e vivia num barco
encostado ao cais, junto de um guindaste;
a que me acendeu a manhã do amor,
a que abriu a porta às tempestades,
a que me deu a chave da invenção…
Existe? Fugiu à ocupação? Morreu prisioneira?Notícias, notícias do seu rosto que mal lembro,
do seu corpo de caule adolescente…
Notícias do seixo branco que trocámos
com palavras de amor em inglês mal decorado.Notícias da que foi espiga mal madura,
notícias do meu amor norueguês.
Vagueio Além de Seu Sono
Vagueio além de seu sono
com alma de marinheiro
feliz de chegar a um ponto
sem previsão de roteiro,
mais tonto de o descobrir
que de lhe ser estrangeiro.
Teu continente a dormir
— pouso de barco ligeiro —
pára os relógios num tempo
avesso a qualquer ponteiro:
nem sei se o fico vivendo
ou se te acordo primeiro.
Mentira
Tanta cousa passou… E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados…
– Nossa vida… ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao léu… a sonhar acordados…Ontem juntos, felizes… hoje, separados,
– (não pensei que este amor chegasse a tais extremos…)
E sorrimos em vão… sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .Cruzamos nossos passos muita vez: – é a vida!
– eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída…Mentira inútil, cruel… se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora!
Escuta, Amor
Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.
Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.
Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti,
O único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação.
Pouco Usamos do Pouco que Mal Temos
Cuidas, ínvio, que cumpres, apertando
Teus infecundos, trabalhosos dias
Em feixes de hirta lenha,
Sem ilusão a vida.
A tua lenha é só peso que levas
Para onde não tens fogo que te aqueça,
Nem sofrem peso aos ombros
As sombras que seremos.
Para folgar não folgas; e, se leoas,
Antes legues o exemplo, que riquezas,
De como a vida basta
Curta, nem também dura.
Pouco usamos do pouco que mal temos.
A obra cansa, o ouro não é nosso.
De nós a mesma fama
Ri-se, que a não veremos
Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes, de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatal —
O barco escuro no soturno rio,
E os novos abraços da frieza estígia
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão.
As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
A família virtuosa é um barco que, nas tormentas, fica preso por duas âncoras: religião e costumes.