O que está em causa nĂŁo Ă© a violĂŞncia, Ă© a crueldade. Violenta Ă© toda a natureza. Para que eu coma o meu filĂ©, tenho que matar um boi. NĂłs, seres humanos, os tais seres racionais, inventamos a crueldade. Portanto, Ă© sobre a crueldade que deverĂamos discutir. Quando começamos a discutir sobre a crueldade, o problema da violĂŞncia resolve-se.
Passagens sobre Bois
70 resultadosMancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
MedĂocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsĂdia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne Ă ama, que promete.A putinha aldeĂŁ achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto Ă© ser estudante.
Ser Pontual
NĂŁo sou pontual, porque nĂŁo sinto os sofrimentos da espera. Espero que nem um boi. Porque se eu sinto uma finalidade na minha existĂŞncia actual, mesmo que seja muito incerta, sinto-me na minha fraqueza tĂŁo vaidoso que era capaz de aguentar tudo sĂł para ter esta finalidade Ă minha frente. Mesmo se estivesse apaixonado, o que eu entĂŁo nĂŁo faria! Quanto tempo nĂŁo esperei, há anos, debaixo das arcadas do Ring atĂ© M. passar, mesmo para a ver andar com o namorado. Tenho chegado atrasado a encontros em parte por descuido, em parte pela minha ignorância dos sofrimentos da espera, mas tambĂ©m em parte para obter novas e complicadas finalidades atravĂ©s de uma busca renovada e incerta da pessoa com quem tinha combinado o encontro, e assim conseguir a possibilidade de uma espera incerta e longa. Pelo facto de eu em criança ter um medo terrĂvel de esperar por alguĂ©m, poderia concluir-se que estava destinado a qualquer coisa melhor e que previa o meu futuro.
SugestĂŁo
Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.Flor que se cumpre,
sem pergunta.Onda que se esforça,
por exercĂcio desinteressado.Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂŞncios,
cheio de nascimentos e pétalas.Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.Ă€ cigarra, queimando-se em mĂşsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂŞncia para a morte.Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.NĂŁo como o resto dos homens.
A boi que remĂłi, nada lhe dĂłi.
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Boi culatreiro bebe água barrenta.
Ao boi pelo corno, ao homem pela palavra.
E de Novo, Lisboa…
E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viĂ©s: esvaĂdo, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se Ă© de homem ou de boi?
O sangue Ă© sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue Ă© vida; mas que vida?Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?
Boi cornudo, cavalo cascudo.