Trevas
De dia não se via nada, mas p’la tardinha já se apercebia gente que vinha de punhaes na mão, devagar, silenciosamente, nascendo dos pinheiros e morrendo nelles. E os punhaes não brilhavam: eram luzes distantes, eram guias de lençoes de linho escorridos de hombros franzinos. E a briza que vinha dava gestos de azas vencidas aos lençoes de linho, azas brancas de garças caídas por faunos caçadores. E o vento segredava por entre os pinheiros os mêdos que nasciam.
E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça com pés de surdina por môr do barulho, de braços estendidos p’ra não topar com os troncos; e vinha vindo a noite céguinha como a lanterna que lhe pendia da cinta. E vinha a sonhar. As sombras ao vê-la esconderam os punhaes nos peitos vazios.
A lua é uma laranja d’oiro num prato azul do Egypto com perolas desirmanadas. E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues. Mãos ladras de sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se.
Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros entristecidos, havia gemidos da briza dos tumulos,
Passagens sobre Caçadores
26 resultadosAquele que fala irreflectidamente, assemelha-se ao caçador que dispara sem apontar.
Um Ser Humano não é Grande Coisa
Não tenhamos ilusões: um ser humano não é grande coisa. De facto, há tantos que os governos não sabem o que fazer com eles. Seis mil milhões de humanos à face da Terra e apenas seis ou sete mil tigres de Bengala – ora digam lá qual das espécies necessita de mais proteção, de cuidados especiais. Sim, escolham vocês mesmos. Um negro, um chinês, um escocês, ou um belo tigre que cai vítima de um caçador. Um tigre, com a sua pelagem listrada de cores incomparáveis e os seus olhos coruscantes, é bastante mais belo do que um velhote cheio de varizes como eu. Que diferença de porte. Comparem a agilidade de um com a inépcia do outro. Vejam como se movem. Metam-nos em jaulas do jardim zoológico, lado a lado. Diante da jaula do velho concentram-se as crianças que riem ao vê-lo catar-se e pôr-se de cócoras para defecar; diante da do tigre, arregalam os olhos de admiração. Acabou essa ilusão segundo a qual o homem é o centro do universo. É verdade que no animal humano distinguimos os gestos, os rostos e as vozes, o que estimula a nossa empatia, mas também distinguimos características particulares, que associamos a sentimentos,
O Princípio do Amor Tem Oito Dias de Alienação Moral
Nada de lógica nem de retórica. Os principiantes do amor cuidam que é da tarifa devorarem no silêncio, antes de se revelarem, as melhores frases que tinham para convencer. Grande contrasenso. Parecem-se com os caçadores novatos, que atiram à perdiz quando ela vai muito longe do alcance do chumbo. Fia-te em mim, Castro. A mulher que principia a amar tem oito dias de alienação moral. O espirito anda-lhe à solta, e um hábil caçador apanha-lho, e depois… como sabes do teu Genuense, a alma é uma substância acomodada para governar o corpo. Pilhada a alma, o corpo, sem governo, é uma nau desmastreada, sem leme, à mercê das ondas…
A Boa e a Má Fama
No mundo sempre correu igual risco a boa como a má opinião, e na opinião de muitos, mais arriscada foi sempre a boa que a má fama; porque as grandes prendas são muito ruidosas, e muitas vezes foi reclamo para o perigo mais certo o mais estrondoso ruído. O impertinente canto de uma cigarra nunca motivou atenções ao curioso caçador das aves. A melodia, sim, do rouxinol, que este sempre despertou o cuidado ao caçador, para lhe aparelhar o laço. A primeira cousa que se esconde dos caçadores com instinto natural, suposta a história por verdadeira, que muitos têm por fabulosa, é o carbúnculo, aquele diamante de luz, que lhe comunicou a natureza, como quem conhece que, em seu maior luzir, está o seu maior perigar. O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado. Quem em as asas da fama voa também padece; porque não há asas sem penas, ainda que estas sejam as plumagens, com que o benemérito se adorna. Só aos mortos costumamos dizer se fazem honras, e será porque, a não acabarem as honras com a morte, a ninguém consentiria aplausos o mundo,
A cabeça é do caçador.