Passagens sobre Calor

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Frases sobre calor, poemas sobre calor e outras passagens sobre calor para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Inocência

Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu…
De tudo me redimes,
Penitência
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!

Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.

O Acto de Criação é de Natureza Obscura

O acto de criação é de natureza obscura; nele é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. É no mar crepuscular e materno da memória, onde as águas «superiores» não foram ainda separadas das «inferiores», que as imagens do poeta sonham pela primeira vez com a precária e fugidia luz da terra.
Diante do papel, que «la blancheur défend», o poeta é uma longa e só hesitação. Que Ifigénia terá de sacrificar para que o vento propício se levante e as suas naves possam avistar os muros de Tróia? Que augúrios escuta, que enigmas decifra naquele rumor de sangue em que se debruça cheio de aflição? Porque ao princípio é o ritmo; um ritmo surdo, espesso, do coração ou do cosmos — quem sabe onde um começa e o outro acaba?

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A planície é velha de muito ter visto. Sabe a vida dos pássaros, que larga como mensageiros ao céu; sabe a das cigarras, que acolhe na sua pele para que cantem depois do calor; sabe a vida dos homens, que permite e sepulta piedosamente.

Ambição e Poder

Examinemo-nos no momento em que a ambição nos trabalha, em que lhe sofremos a febre; dissequemos em seguida os nossos «acessos». Verificaremos que estes são precedidos de sintomas cuirosos, de um calor especial, que não deixa nem de nos arrastar nem de nos alarmar. Intoxicados de porvir por abuso de esperança, sentimo-nos de súbito responsáveis pelo presente e pelo futuro, no núcleo da duração, carregada esta dos nossos frémitos, com a qual, agentes de uma anarquia universal, sonhamos explodir. Atentos aos acontecimentos que se passam no nosso cérebro e às vicissitudes do nosso sangue, virados para o que nos altera, espiamos-lhe e acarinhamos-lhe os sinais. Fonte de perturbações, de transtornos ímpares, a loucura política, se afoga a inteligência, favorece em contrapartida os instintos e mergulha-os num caos salutar. A ideia do bem e sobretudo do mal que imaginamos ser capazes de cumprir regozijar-nos-á e exaltar-nos-á; e o feito das nossas enfermidades, o seu prodígio, será tal que elas nos instituirão senhores de todos e de tudo.
À nossa volta, observaremos uma alteração análoga naqueles que a mesma paixão corrói. Enquanto sofrerem o seu império, serão irreconhecíves, presas de uma embriaguez diferente de todas as outras. Tudo mudará neles, até o timbre da voz.

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O amor é o único remédio que não tem efeito colateral, mas é a flor que mais rapidamente seca sob o calor das tensões.

A História é uma Fábula Combinada

Essa verdade histórica, tão implorada, à qual todos se apressam a apelar, na maioria das vezes não passa de uma palavra: ela é impossível no próprio momento dos acontecimentos, no calor das paixões cruzadas; e se, mais tarde, nos pomos de acordo, é porque para os interessados, os contraditores não existem mais. Mas o que é então essa verdade histórica a maior parte das vezes? Uma fábula combinada…

Nunca Competir

Toda a pretensão com oposição prejudica o crédito; a competição tira logo a desdourar, para deslustrar. São poucos os que fazem boa guerra. A emulação descobre os defeitos que a cortesia esqueceu; muitos viveram acreditados enquanto não tiveram adversários. O calor da contestação aviva ou ressuscita infâmias mortas, desenterra hediondezas passadas e antepassadas. Começa a competição com manifestos de desdouros, socorrendo-se de tudo o que pode e não deve; e, ainda que às vezes, e no mais das vezes, as ofensas não sejam armas proveitosas, delas tira vil satisfação para sua vingança, e esta sacode com tais ares que faz saltar pelos desares o pó do esquecimento. Sempre foi pacífica a benevolência e benévola a reputação.

Vieste como um Barco Carregado de Vento

Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa

e aguardo os sonhos,

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A Mulher por quem Esperara tantos Anos

Alguma coisa dentro dele voltou a si. Foi como se, de repente, estivessem efectivamente ali os dois. E, reacendendo a luz, encostou os lábios aos dela e sentiu, enfim, o calor que deles se emitia, e o sabor da sua boca, e o seu cheiro, e teve consciência de que aquela que se deitava na cama consigo não era apenas uma mulher bela, mas uma mulher, a mulher por quem esperara tantos anos.

Tiraram ambos o que lhes restava de roupa, lançando-a ao chão, e tocaram-se suavemente. Havia uma admiração entre eles, como se se descobrissem, e todavia era também tal qual se conhecessem de há muito, as superfícies mais sadias como as primeiras rugosidades dos seus corpos.

Tacteavam-se devagar, atentos às luzes e às sombras de cada recanto que esquadrinhavam, e ao fim de alguns momentos beijavam-se de novo, ele abraçando-a na sua totalidade, açambarcando-a, e ela sorrindo por entre o vento da noite, a chuva e os terramotos sorrindo com ela, e a humidade salgada dos seus peitos, e o mar que se atirava furioso contra aquela terra, e o primeiro suor do seu pescoço.

A partir daí, o mundo desapareceu. E havia medo e alegria,

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Esqueço do Quanto me Ensinaram

Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.
O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.
O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.

Tenho Saudades do Calor ó Mãe

Tenho saudades do calor ó mãe que me penteias
Ó mãe que me cortas o cabelo — o meu cabelo
Adorna-te muito mais do que os anéis

Dá-me um pouco do teu corpo como herança
Uma porção do teu corpo glorioso — não o que já tenho —
O que em ti já contempla o que os santos vêem nos céus
Dá-me o pão do céu porque morro
Faminto, morro à míngua do alto

Tenho saudades dos caminhos quando me deixas
Em casa. Padeço tanto
Penso tanto
Canto tão alto quando calculo os corpos celestes

Ó infinita ó infinita mãe

Barganha

Domingo é dia de barganha.
Troco um relógio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibão de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogão de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um só pássaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xícara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lágrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridão das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhão de pedra
por um portão de peroba.

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A Luz do Teu Amor

Oh! Sim que és linda! a inocência
Em tua fronte serena
Com tal doçura reluz!…
Tanta e tanta… que a açucena
Tão esplêndida a existência
Não lha doura assim à luz!
Oh! que és linda, e mais… e mais
Quando um traço melancólico
Te diviso no semblante
Nos teus olhos virginais!
Que doçura não existe
Ai! ó virgem, nesse instante
Na poética beleza
Desse traço de tristeza
Que te vem tornar mais bela
Mal em teu rosto pousou!
E eu te quero assim, ó estrela,
Que se inspira em mim a crença
Triste… triste, que és mais linda,
Mas dessa beleza infinda
Das ficções da renascença
Que a poesia perfumou!

Fita agora os olhos lânguidos
Na estrela que te ilumina,
Eu não sei que luz divina
De amor nos fala em teu rosto!
Eu não sei, nem tu… ninguém!…
Que a vaga luz do sol posto,
Que a palidez da cecém,
Que a meiguice dos amores,
E que o perfume das flores
Não respiram a harmonia
Desse toque leve…

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As Mãos

Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das máscaras que, sucessivamente, as transformam

de consciência em cal ou metal obscuro.
E já não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e não são remanso

na areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
à água, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pó da noite.

Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da música o luto do silêncio.

A praça, a praça é do Povo!
Como o céu é do Condor!
É antro onde a liberdade
Cria a águia ao seu calor!

O Outono da Vida

Começa devagarinho. É como tudo. A gente andamos na nossa vida, andamos influídos e está claro que não reparamos. De manhã, temos de pensar no café.
Depois, há-de vir o almoço. Está claro que nem reparamos numa aragem. Mal uma aragem mais fresca que se mistura com o sol-pôr. Já setembro quer acabar e ainda temos a torrina do sol na pele, a hora do calor, (quase cansada, para a cadela invisível) Anda cá, Ladina… Também estás a ficar velha… Arriba, cadela… (voltando ao tom e à direcção inicial) A gente nem dá fé. Primeiro, é umas pontadas nas costas, umas sezões, umas coisas assim. Primeiro, a gente julga que vai passar, como passavam os esfolões nas pernas quando éramos pequenos e andávamos a correr pelas ruas ou quando encontrávamos alguma árvore a jeito de subir. Começa mesmo devagarinho. Aos poucos, (com ternura, para a cadela) Ah, Ladina… Bochinha, bochinha… Então, não queres vir? Anda cá, cadela… (voltando à direcção inicial) E as mãos começam a tremer um bocadinho. E o trabalho começa a ser mais custoso. E um dia a gente já quase que não conhece a nossa cara no espelho no lavatório. É nesse dia, é nessa hora que começa o outono.

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Os Amantes de Novembro

Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor

Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um

De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.

A Casa Branca Nau Preta

Estou reclinado na poltrona, é tarde, o Verão apagou-se…
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu cérebro…
Não existe manhã para o meu torpor nesta hora…
Ontem foi um mau sonho que alguém teve por mim…
Há uma interrupção lateral na minha consciência…
Continuam encostadas as portas da janela desta tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par…
Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
E a personalidade que tenho está entre o corpo e a alma…

Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois…
Um quarto estado pra alma, se são três os que ela tem…
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a sonhar
Dói-me por detrás das costas da minha consciência de sentir…

As naus seguiram,
Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
E a rota que devem seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das canções mortas do marinheiro de sonho…

Árvores paradas da quinta, vistas através da janela,
Árvores estranhas a mim a um ponto inconcebível à consciência de as estar vendo,

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O Amor Infinito

Da mulher o que nos comove e enleva é a parte impoluta que ela tem do céu; é a magia que a fada exercita obedecendo a interno impulso, não sabido dela, não sabido de nós. Ali há mensagem de outras regiões; aqui, no peito arquejante, nos olhos amarados de gozozas lágrimas, há um espirar para o alto, um ir-se o coração avoando desde os olhos, desde o sorriso dela para soberanas e imorredouras alegrias. Nós é que não sabemos nem podemos ver senão o pouquinho desse infinito que nos entre-luz nas graças do primeiro amor, do segundo amor, de quantos estremecimentos de súbita embriaguez nos fazem crer que despimos o invólucro de barro e pairamos alados sobre a região das lágrimas.

É Deus que não quer ou somos nós que não podemos prorrogar a duração ao sonho? Se Deus, que mal faria à sua divina grandeza que o pequenino guzano o adorasse sempre? Porque vai tão rápida aquela estação em que o homem é bom porque ama, e é caritativo e dadivoso porque tudo sobeja à sua felicidade? Quando poderam aliar-se um amor puro com a impureza das intenções? Quais olhos de homem afectivo e como santificado por seu amor recusaram chorar sobre desgraças estranhas?

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Minha Vida!

Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?

Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!

Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!

Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!