Passagens sobre Camas

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Frases sobre camas, poemas sobre camas e outras passagens sobre camas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Retrato de um Bêbado

Perdi-me vendo a pipa, o torno aberto;
Minha alma está metida em vinho tinto;
Tão bêbado estou que já não sinto
Ser bêbado coberto ou encoberto.

Tenho a cama longe, o sono perto,
No chão estou e erguer-me não consinto,
A barriga de inchada aperta o cinto,
Falando estou dormindo qual desperto.

Venha mais vinho e dêem-mo vezes cento,
Que alegra o coração, sustenta a vida,
E pouco vai que engrosse o entendimento.

Vingar-me quero, que é grande a bebida;
Tudo o que não é beber é lixo e vento,
Que para tão grande gosto é curta a vida.

Família

Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

Há demasiadas pessoas no mundo a partilharem uma cama e um número incontável de ressentimentos. Há demasiadas pessoas no mundo a mentirem a si próprias e a discutirem à frente dos filhos.

O Meio de Sedução deste Mundo

O meio de sedução deste mundo, bem como o signo de garantia de que ele é apenas uma transição, é uma e a mesma coisa. Com razão, pois só assim este mundo nos pode seduzir de uma forma que corresponda à verdade. O pior, no entanto, é que, depois da sedução bem-sucedida, nós esquecemo-nos da garantia; foi dessa maneira, na realidade, que o bem nos atraiu para o mal, e o olhar da mulher, para a sua cama.

Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

Mãe, Eu Quero Ir-me Embora

Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-m
embora,

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A Solidão é Pior do que a Pobreza

Ris-te do que te digo, mas quando chegar a tua hora, verás a falta que te vai fazer um apoio e o muito que precisamos de carinho para ir vivendo, à medida que os anos passam. Alguém que esteja ao teu lado, que te pegue na mão nos teus últimos instantes (que mais podemos fazer a um moribundo?). E quando os ouves falar assim, angustias-te, imaginas-te sem conseguires levantar-te da cama, agarrado às costas das cadeiras para te moveres dentro de casa, apoiando-te às paredes para alcançares a casa de banho, ensopado num rançoso suor senil; ou morrendo asfixiado, engasgado com qualquer coisa, com um pedaço de cartilagem de vaca mal mastigado, um simples gole de água, uma migalha de pão, um desses comprimidos que tomas para a hipertensão, para facilitar o fluxo sanguíneo, para o colesterol, para a hiperglicemia; vês-te afogado na tua própria saliva: tosses, sufocas, sem ninguém por perto que te dê uma palmada nas costas, ou te meta os dedos na boca para te ajudar a expelir o que tens atravessado na garganta, alguém que chame o 112 ou te meta num carro e te leve a toda a velocidade para o hospital ou o centro de saúde mais próximo.

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Criança é esse ser infeliz que os pais põem para dormir quando ainda está cheio de animação e arrancam da cama quando ainda está estremunhado de sono.

Vi Jesus Cristo Descer à Terra

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,

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Rosto Afogado

Para sempre um luar de naufrágio
anunciará a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuará rodeado de escamas cintilantes.

Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte é este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silêncio
atravessada na garganta.

Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidão bebida pelos bares,
nas mãos levemente adolescentes
poisadas na indolência dos joelhos.
Quem me dirá que não é verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

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Os Amantes

Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;

O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.

Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.

Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?

És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.

Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.

Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;

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Custódia

Ai, Custódia! sonhei, não sei se o diga:
Sonhei, que entre meus braços vos gozava.
Oh se verdade fosse, o que sonhava!
Mas não permite Amor, que eu tal consiga.

O que anda no cuidado, e dá fadiga,
Entre sonhos Amor representava
No teatro da noite, que apartava
A alma dos sentidos, doce liga.

Acordei eu, feito sentinela
De toda a cama, pus-me uma peçonha,
Vendo-me só sem vós, e em tal mazela.

E disse, porque o caso me envergonha,
Trabalho tem, quem ama, e se desvela,
E muito mais quem dorme, e em falso sonha.

Mãe, Eu Estou tão Cansado

Mãe, eu estou tão cansado e sinto nos ossos
o chamamento da água, o chamamento sibilino
que se confunde com o ranger das portas das casas
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz
de me resgatar e que dentro dele se perfilem
as sombras e os gestos, exército dos meus medos
mais secretos, temores enrodilhados na roupa húmida
das camas. Mãe, a luz não se demora no meu quarto,
morre nas corolas das flores que trouxeste
para o riso não murchar, e eu fico doente só de olhar
os muros onde a hera é espiral de espanto, raiz
de uma enfermidade latente. Não voltarei
às actas do desespero, que são sombrias e magras
como os corpos dos amantes que definham sobre a
[areia
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios
escondida na solidão branca das dunas, mãe.

Solidão

A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios…

Tradução de Maria João Costa Pereira

Himeneu

Na cama, onde a aurora deixa
Seu mais suave palor
Dorme ninando uma gueixa
A dona do meu amor.

De pijama aberto, flui
Um seio redondo e escuro
Que como, lasso, possui
O segredo de ser puro.

E de uma colcha, uma coxa
Morena, na sombra frouxa
Irrompe, em repouso morno

Enquanto eu, desperto, a vê-la
Mesmo sendo o homem dela
Me morro de dor-de-corno.

Rosas Vermelhas

Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
às molhadas
dum vermelho estridente,
tão rubras como a febre que eu trazia…
– E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!

Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos…

A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar…
– Na roupa branca de linho,
as rosas,
são corações a sangrar…

Morrem as rosas desfolhadas…
Matei-as!
Apertadas
às mãos-cheias!

Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!

Eu vou morrer…
E não consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fúria dos meus beijos!

Purinha

O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…

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