Às vezes um acontecimento sem importância é capaz de transformar toda a beleza em um momento de angústia. Insistimos em ver o cisco no olho, e esquecemos as montanhas, os campos e as oliveiras.
Passagens sobre Campo
403 resultadosHoje que tanto se fala em crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico.
Cada ser humano é um mundo de mistérios. Nunca pense que você é um ser comum e sem importância. Há mais mistérios no cerne da sua alma humana do que no universo. Os fenómenos psicológicos são mais complexos do que os físicos. A emoção deve influenciar todos os campos da razão, mas não deve escravizá-la. Quem é governado pela razão é calculista e insensível, quem é governado pela emoção é hipersensível. As duas situações adoecem a alma humana.
Reticências
Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre…
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir…
Produtos românticos, nós todos…
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura…
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
Gozo os Campos sem Reparar para Eles
Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas idéias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.
O Interior da Alma
O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há um espectáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro mais solene do que o céu, é o interior da alma.
Fazer o poema da consciência humana, mas que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda nos homens o mais ínfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões. Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante.
A Dor
Que venha, refúgio ou insónia, futuro
antigo e comece no campo ou no flanco, à
direita, onde consome a alma, à esquerda
onde exclama no corpo, na seiva ou no chãodos sobressaltos. Venha, amantíssima e espessa,
orelha ou folha acesa, fugaz ou rasgada,
planície vermelha, doce, gélida ou rápida.
Obedeça ao enleio, desperte ou descanse,corre pelo sangue como cervo na noite,
sol que despedaça o peito. O rosto se cobre
de grandes cinzas, pesado como uma lágrima,a alma, sendo ar, em nenhum lugar sereno.
Única posse de que dispomos. É seu
absurdo desejo, subtil e sem domínio.
O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.
A Avaliação de uma Civilização
Quando já se viveu por muito tempo numa civilização específica e com frequência se tentou descobrir quais foram as suas origens e ao longo de que caminho ela se desenvolveu, fica-se às vezes tentado a voltar o olhar para outra direção e indagar qual o destino que a espera e quais as transformações que está fadada a experimentar. Logo, porém, se descobre que, desde o início, o valor de uma indagação desse tipo é diminuído por diversos fatores, sobretudo pelo facto de apenas poucas pessoas poderem abranger a actividade humana em toda a sua amplitude. A maioria das pessoas foi obrigada a restringir-se a somente um ou a alguns dos seus campos. Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se o seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que precisamente num juízo desse tipo as expectativas subjectivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de factores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor optimismo da sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada pelo seu temperamento ou pelo seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o facto curioso de que,
Do Tempo ao Coração
E volto a murmurar Do cântico de amor
gerado na Suméria às novas europutas
Do muito que me dás ao muito que não dou
mas que sempre conservo entre as coisas mais purasDe uma genebra a mais num bar de Amsterdão
a não perder o pé numa praia da Grécia
De tantas tantas mãos que nos passam pelas mãos
a tão poucas que são as que nunca se esquecemDe ter visto o começo e o fim da Via Ápia
De ter atravessado o muro de Berlim
De outros muros que não aparecem no mapa
De outros muros que só aparecem aquiao barro deste céu que te modela os ombros
ao sopro deste céu que te solta o cabelo
ao riso deste céu que vem ao nosso encontro
quando sabe que nós não precisamos deleDa pertinaz presença E da longevidade
do corvo do chacal do louco do eunuco
ao rouxinol que morre em plena madrugada
à rosa que adormece em caules de um minutoDo que foi noutro tempo a saúde no campo
à lepra que nos rói a paisagem bucólica
Do tempo ao coração minado pelo cancro
Dos rins ao infinito incubado na cóleraDo tempo ao coração mas com pausa na pele
como «Roma by night» entre dois aviões
como passar o Verão numa vogal aberta
como dizer que não que já não somos doisDos rins ao infinito A este que não outro
Ao que rola dos rins Ao que vai rebentar-te
na câmara blindada e nocturna do útero
E nos transfere o fim para um pouco mais tardeDa curva de entretanto à entrada do poço
De soletrar em mim a ler nas tuas mãos
como é rápido e lento e recto e sinuoso
o percurso que vai do tempo ao coração.
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos…
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar…Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Matéria e Espírito
Nós hoje estamos ao mesmo tempo na melhor época da humanidade e na pior. Tão depressa sentimos que tudo em nós e em redor marcha uníssono em frente, como subitamente um grande atrito emperra as nossas próprias articulações. Há ao mesmo tempo qualquer coisa que nos desacompanha e qualquer coisa que nos anima. Há caminhos inteiros que terminam súbito e não há caminho inteiro e vitalício. E nós desejamos francamente acertar com a direcção única e onde o único obstáculo seja de verdade o mistério do futuro.
Todo aquele que se lance mais animado pela palavra espírito, não creia que faz mais do que estar sujeito a uma determinante actual. A consciência material, como acontece hoje, dá entrada natural para o campo do espírito. Assim também o espírito tem existência vital segundo a qualidade de consciência da matéria. O espírito apartando da matéria não é deste mundo. Espírito e matéria confundem-se em vida.
Acontece, porém, que os fugitivos da matéria transformam em si esse unilateralismo ao ingressar no espírito, e ficam outra vez de banda, inversamente agora, mas como antes. Ora o espírito não tem mais dimensões do que a matéria; são outras, mas idênticas, que se justapõem,
XXXI
Estes os olhos são da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta região se vê banhada;Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo:Mas ah delírio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
A Vida Passa como se Temêssemos
Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.Vê como Ceres é a mesma sempre
E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas
Dos agrados de Pã.Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas não sossegam
Na sua dança eterna.E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã.
Na atenção à sua flauta.Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo
Ou a prata de Diana.Quer troe Júpiter nos céus toldados.
Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias
E os erguidos rochedos.Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.
Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu,é a minha maior aventura,essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la.
A Sabedoria na Riqueza
Haverá dúvidas de que um homem de sabedoria tem mais condições para desenvolver as suas qualidades no meio das riquezas do que na pobreza? Na pobreza, só há um género de virtude: não se curvar nem se abater; na riqueza, a temperança, a liberalidade, a frugalidade, a ordem e a magnificência têm um campo aberto. O sábio não se desprezará a si próprio, mesmo que seja de baixa estatura; desejará porém ser elegante. Com um corpo frágil ou com um olho a menos, ele sentir-se-á bem, mas preferirá, contudo, que o seu corpo seja robusto, apesar de saber que, em si, há algo mais forte. Ele tolerará uma saúde má, procurando ter uma saúde boa. De facto, algumas coisas, ainda que sejam pequenas em relação ao conjunto, quando são aproveitadas sem que se arruíne o bem principal, contribuem para a perpétua alegria, que nasce da virtude: as riquezas causam ao sábio a mesma impressão e o mesmo gáudio que causa o vento favorável ao navegador, ou que um belo dia causa num lugar enregelado pelo frio do Inverno. Quem, entre os sábios (falo dos nossos, aqueles para os quais a virtude é um bem) nega que mesmo estas coisas, que consideramos indiferentes,
Uma Palavra Imprópria
Numa peça teatral ou romance, uma palavra imprópria é apenas uma palavra: e a impropriedade, seja ou não percebida, não acarreta consequência alguma. Num código legal — especialmente composto de leis tidas como constitucionais e fundamentais — uma palavra imprópria pode ser uma calamidade nacional: e a guerra civil, a consequência disso. De uma palavra tola podem irromper mil punhais.
(…) E se o significado de todas as palavras, especialmente de todas as palavras pertencentes ao campo da ética, [… ] algum dia vier a ser fixado?
Rústica
Da casinha, em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água clara e sonora.
Este é o ninho feliz e obscuro em que ela mora;
Além, o seu quintal, este, o seu aposento.Vem do campo, a correr; e úmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora
Que parece trazer consigo, lá de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento…E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocência bóia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,Pegando da costura à luz da clarabóia,
Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de jóia.
Plangência Da Tarde
Quando do campo as prófugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsões vermelhas.Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqüilo, fica cintilando
Do sol que morre as últimas centelhas.O azul dos montes vago na distância…
No bosque, no ar, a cândida fragrância
Dos aromas vitais que a tarde exala.Às vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …
Ditosa Ave
Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
Não sabe mais que cousa é ser contente!E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!