A Tua Alma de Ouro
Meu querido rapaz,
O teu soneto é deveras bonito, e é uma maravilha que esses teus lábios da cor de rosas encarnadas tenham sido feitos tanto para a loucura da música e das canções como para a loucura do beijar. A tua alma de ouro caminha entre a paixão e a poesia. Eu sei que Hyacinthus, que Apollo amou tão perdidamente, eras tu nos tempos Gregos. Porque estás sozinho em Londres, e quando irás para Salisbury? Vai até lá para refrescar as tuas mãos no crepúsculo cinzento das coisas góticas, e vem aqui sempre que quiseres. É um lugar adorável, e falta-lhe apenas a tua pessoa; mais vai primeiro a Salisbury.
Sempre teu, com amor eterno,
Oscar
Passagens sobre Canções
160 resultadosRisadas
Às criaturas alegres
Fantasia, ó fantasia, tropo ardente
Da aurora alegre undiflavando as bandas
Do adamascado e rúbido oriente,
Ó fantasia, águia das asas pandas.Tu que os clarins do sonho mais fulgente
Das Julietas, feres, nas varandas,
Ó fantasia dos Romeus, ó crente,
Por que países meridionais tu andas?!Vem das esferas, entre os sons que vibras.
Vem, que desejo emocionar as fibras,
Quero sentir como este sangue impulsas.Noiva do sol que os sóis preclaros gozas
Para rimar umas canções de rosas,
Como risadas de cristal, avulsas…
A Minha Mulher, Matilde Urrutia
A minha mulher é provinciana como eu. Nasceu numa cidade do Sul, em Chillán, famosa pela sorte de possuir uma bela cerâmica camponesa e pela infelicidade de sofrer frequentemente terríveis terramotos. Falando para ela, disse-lhe tudo nos meus Cem Sonetos de Amor.
Talvez estes versos definam o que ela significa para mim. A terra e a vida nos juntaram.
Embora isto não interesse a ninguém, somos felizes. Dividimos o nosso tempo comum em longas permanências na solitária costa do Chile. Não no Verão, porque o litoral ressequido pelo sol se mostra amarelo e desértico; antes no Inverno, quando, em estranha floração, a terra se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo, de azul e de púrpura. Subimos algumas vezes do solitário e selvático oceano para a nervosa cidade de Santiago, na qual sofremos juntamente com a complicada existência dos outros.Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Eu dedico-lhe quanto escrevo e quanto tenho. Não é muito, mas ela está contente.
Vejo-a agora a enterrar os sapatos minúsculos na lama do jardim e, em seguida, a enterrar também as suas minúsculas mãos na profundidade da planta.
Da terra,
Andorinha, andorinha lá fora esta cantando: -Passei o dia a-toa, a-toa. Andorinha minha canção é mais triste: -Passei a vida a-toa, a-toa.´´
Contrariedades
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas…O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Só
Como se nunca,
terrena e submissa,
recolhesse do amor
o fruto sazonado.Como se os abraços
não fossem para
o homem e suas dores
acalanto e regaçoComo se não houvesse
riso e pranto
noite escura e dia
a canção e os mortosSó. Como se o muro
surgisse inexplicável
e eu tivesse nascido
do outro lado.
Juventude
Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia,
Felizes, ambos, íamos nadar
E em nossa boca a espuma persistia
Em dar ao Sol o nome do Luar?Tudo era fácil, melodioso e longo.
Aqui e além, um súbito ditongo
Ecoava em nós certa canção pagã.Contudo o azul do mar não tinha fundo
E o mundo continuava a ser o mundo
Banhado pela aragem da manhã!…
Sèvres Partido
A amazona negra era bella como o sol e triste como o luar, e ninguem acredita mas era pastora de galgas. Figura negra muito esguia, cypreste procurando vaga na margem do caminho.
Nas manhãs de Outomno, frias como os degraus do tanque, era Ella quem largava às galgas a lebre cinzenta, e a que a filásse já sabia com quem dormia a sésta. E as galgas já nem dormiam bem noutra almofada.
Sobre a relva, na sombra arrendilhada das folhas amarellecidas dos plátanos onde os repuxos do tanque cuspiam lagryrnas de vidro, a Amazona negra sonhava o seu Principe encantado e a galga do dia dormia quieta, estendido o focinho no ventre d’Ella.
Uma manhã mais turva as galgas todas voltaram tristes, de focinhos pendidos – e nenhuma para dormir a sésta!
Uma flauta triste vinha de viagem pelo caminho; chorava de seguida imensas canções de choros e tinha acompanhamentos funéreos de guisalhádas surdas.
Callou-se a flauta, um cypreste distante gemia baixinho as dôres da tatuagem que lhe iam abrindo no peito. O pastor lembrava ali o nome do seu Bem. Pendia-lhe da cinta uma lebre cinzenta e a funda torcida.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.
Às vezes em minhas canções sou eu falando comigo.
Canções com mensagens são, como todo mundo sabe, um saco. Só editores de jornais de faculdade e garotas com menos de quatorze anos têm tempo para elas.
Lirial
Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos
Das frescas auroras claras.E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.Chapéu das finas elites,
De roses e clematites,
Chapéu Pierrette — entre o solPassando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.
Todos os Dias
Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas…Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo…Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações…Todos os dias
nascem risos, canções…Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs…Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs…
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
A Rua Dos Cataventos – IX – Para Emílio Kemp
É a mesma a ruazinha sossegada.
Com as velhas rondas e as canções de outrora…
E os meus lindos pregões da madrugada
Passam cantando ruazinha em fora!Mas parece que a luz está cansada…
E, não sei como, tudo tem, agora,
Essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descolora…Sim, desses cartazes ante os quais
Nós às vezes paramos, indecisos…
Mas para quê?… Se não adiantam mais!…Pobres cartazes por aí afora
Que inda anunciam: – Alegrias – Risos
Depois do Circo já ter ido embora!…
Soneto, às Cinco Horas da Tarde
Agora que me instigo e me arremesso
ao branco ofício de prender meu sono
e depois atirá-lo em seu vestido
feito de céu e restos de incerteza,recolho inutilmente de seus lábios
a precisão do sangue do silêncio
e inauguro uma tarde em suas mãos
grávidas de gestos e de rumos.Pelo temor e o débil sobressalto
de encontrar sua ausência numa esquina
quando extingui canção e permanência,guardei todo o impossível de seus olhos,
embora ouvisse, longe, além dos mapas,
bruscos mastins de cedro em seus cabelos.
Recordam-se Vocês do Bom Tempo d’Outrora
(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)
Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;
Soneto De Abril
Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d’água, mas de canto.Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.
E quando eu me apaixonei Não passou de ilusão, o seu nome rasguei Fiz um samba canção das mentiras de amor Que aprendi com você