O Provincianismo Português (II)
Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,
Passagens sobre Característicos
105 resultadosFaçam a Barba, Meus Senhores!
A barba, por ser quase uma máscara, deveria ser proibida pela polícia. Além disso, enquanto distintivo do sexo no meio do rosto, ela é obscena: por isso é apreciada pelas mulheres.
Dizem que a barba é natural ao homem: não há dúvida, e por isso ela é perfeitamente adequada ao homem no estado natural; do mesmo modo, porém, no estado civilizado é natural ao homem fazer a barba, uma vez que assim ele demonstra que a brutal violência animalesca – cujo emblema, percebido imediatamente por todos, é aquela excrescência de pêlos, característica do sexo masculino – teve de ceder à lei, à ordem e à civilização.
A barba aumenta a parte animalesca do rosto e ressalta-a. Por essa razão, confere-lhe um aspecto brutal tão evidente. Basta observar um homem barbudo de perfil enquanto ele come! Este pretende que a barba seja um ornamento. No entanto, há duzentos anos era comum ver esse ornamento apenas em judeus, cossacos, capuchinhos, prisioneiros e ladrões. A ferocidade e a atrocidade que a barba confere à fisionomia dependem do facto de que uma massa respectivamente sem vida ocupa metade do rosto, e justamente aquela que expressa a moral. Além disso, todo o tipo de pêlo é animalesco.
O Ideal Quimérico
Tenho grandes suspeitas e muitas reservas maldosas em relação ao que se chama ideal. O meu pessimismo está em ter reconhecido que os grandes sentimentos são uma fonte de infelicidades; ou seja, de estiolamento, de desvalorização do Homem. Sempre que esperamos dum ideal algum progresso, entramos na ilusão: a vitória do ideal tem sofrido, até hoje, um movimento retrógrado.
Cristianismo, revolução, abolição da escravatura, igualdade de direitos, filantropia, amor ao inimigo, justiça, verdade… Tudo grandes palavras, que só têm valor nas batalhas ou nas bandeiras: não como realidades, mas como fórmulas aparatosas, que exprimem o contrário do que dizem.
Afinal, o nosso idealismo quimérico faz também parte da existência, e também deve manifestar-se no carácter da existência; não sendo a fonte da existência, nem por isso deixa de estar presente nela. Tanto os nossos pensamentos mais elevados como os mais temerários são fragmentos característicos da realidade. Porque, o nosso pensamento é feito de características da realidade; o nosso pensamento é feito da mesma substância de todas as coisas.
A Eficiência no Trabalho, Hoje em Dia
A improbidade e ineficiência profissionais são talvez as características distintivas da nossa época. O artífice de outrora tinha que trabalhar; o operário actual tem de fazer uma máquina trabalhar. É um simples capataz de escravos de metal; torna-se tão embrutecido como um capataz de escravos, mas menos interessante, porque nem sequer se lhe pode chamar tirano.
Tal como o capataz de escravos se torna escravo da sua função e adquire, desse modo uma mentalidade de escravo, ainda que de um escravo mais afortunado, também o capataz de máquinas se transforma numa mera alavanca biótica, numa espécie de mecanismo de arranque associado a um motor.Participar na produção em massa pode permitir que um homem continue a ser um ser humano decente; na verdade, é algo tão vil que não o afecta necessariamente. Mas participar na produção em massa não permite que ele continue a ser um operário humano decente.
A eficiência é menos complexa, hoje em dia. A ineficiência pode, por isso, passar facilmente por eficiência e ser, na verdade, eficiente.
a capitalização do amor
não escondemos que aprendemos a
capitalizar o amor, entregando
amplamente os nossos melhores
momentos às raparigas mais carentes.
o amor, sabemos bem, é o caminho directo
para a inutilidade, e nós procuramos as
raparigas que mais rapidamente se
inutilizem perante as coisas clássicas
da vida. não nos queremos atarefar com
a vulgaridade, e gostaríamos até de
impregnar cada gesto com características
alienígenas, mas o tempo escapa-se e o
dinheiro também e, se só pensamos no amor,
não temos como fazer de outro modo
senão vendê-lo entusiasticamente, como
fontes de trovões bonitos jorrando nas
praças mais movimentadas das cidades. e
as raparigas correm para nós urgentes
e cheias de vida, férteis de tudo quanto o
amor se abate sobre elas, uma alegria rica
de se ver, e nós a balançar os braços para
chamar a atenção de mais e mais e
já nem sabemos como parar, como forças
incontroladas, à semelhança de mecanismos
ferozes da natureza, e só sairemos daqui
quando desfalecermos de amor até
pelas raparigas mais feias
Felicidade e Alegria
Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade,
À primeira vista, não existe nada de caracteristicamente humano nas emoções, uma vez que é bem claro que os animais também têm emoções. No entanto, há qualquer coisa de muito característico no modo como as emoções estão ligadas às ideias, aos valores, aos princípios e aos juízos complexos que só os seres humanos podem ter, sendo nessa ligação que reside a nossa ideia bem legítima de que a emoção humana é especial. A emoção humana não se reduz ao prazer sexual ou ao pavor de répteis. Tem a ver, igualmente, com o horror de testemunhar o sofrimento e com a satisfação de ver cumprida a justiça.
Enquanto se identificar com a sua mente, o ego comanda a sua vida. Devido à natureza ilusória que lhe é característica e apesar dos mecanismos de defesa elaborados, o ego torna-se muito vulnerável e inseguro, vendo-se a si próprio constantemente sob ameaça. Este facto, a propósito, é o que acontece, mesmo que por fora o ego pareça muito confiante.
Maturidade Emocional
Dez funções da inteligência multifocal resultantes do treino da emoção e da arte de pensar:
1. A arte de amar a vida e tudo o que a promove.
2. A arte de contemplar o belo.
3. A arte da serenidade: pensar antes de reagir.
4. A arte de expor e não impor as ideias.
5. A arte da solidariedade.
6. A arte de gerir os pensamentos dentro e fora dos focos de tensão.
7. Colocar-se no lugar dos outros.
8. Ter espírito empreendedor.
9. Trabalhar perdas e frustrações.
10. Trabalhar em equipa.
Se você tem cinco dessas características bem trabalhadas na sua personalidade, a sua maturidade emocional está bem acima da média. Se, das seis artes da inteligência multifocal, você viver intensamente pelo menos três delas, saiba que é um poeta da vida. Infelizmente, a grande maioria das pessoas não tem constituída na colcha de retalhos da personalidade nem sequer duas dessas dez características.
Tanto para o homem como para mulher existe campo específico de atuação. O homem se caracteriza por sua força dirigida para fora do lar e a mulher se caracteriza por sua percepção delicada e atenciosa das coisas dentro do lar. As mulheres também podem sair do âmbito doméstico e atuar em áreas externas, mas é preciso que elas atuem de modo a unir as respectivas características femininas, como, por exemplo, ‘ser carinhosa, zelosa e atenta às pequenas coisas’, e tornar maior o seu efeito. Se as mulheres se masculinizarem, adotando as características do homem e destruírem a eterna beleza da feminilidade criada pelos Céu e Terra, causarão um prejuízo infinitamente grande para o Universo.
O mistério, por ter a característica de segredo, provoca a veneração.
A compaixão e o amor caridoso são as características principais da realização plena da felicidade.
O que há de característico no terror pânico é que ele não está claramente consciente dos seus motivos; mais os pressupõe do que os conhece e, se necessário, fornece o próprio temor como motivo do temor.
Tempo e Idade
A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,
Toda a Realidade é Redutora
Viajar não é realizar o imaginário que nos excita antes da viagem mas sim exterminá-lo. O deslumbramento é do que se imagina e não do que realizou esse imaginar. Nós pensamos numa terra longínqua e confusamente admitimos que essa distância é sensível quando lá estivermos. Ora quando lá estivermos há o real que desmistifica o imaginário, há o lá, como aqui, num sítio limitado por um horizonte totalmente presente e não tocado da ausência que havia na imaginação. Mesmo os seus elementos característicos que tiver, uma vez realizados, perdem a magia na sua realização. Eis porque precisamos às vezes de rever num mapa a sua localização para de algum modo lhe restaurarmos a distãncia. Tudo se solidifica na concretização do real, tudo se desvanece aí da sua figuração. A grande força do real é a do que está para lá dele, porque toda a realidade é redutora.
A característica de uma alma educada é saber acolher um pensamento sem aceitá-lo
Estamos programados para reagir com uma emoção de modo pré-organizado quando determinadas características dos estímulos, no mundo ou nos nossos corpos, são detectadas individualmente ou em conjunto.
Um Ser Humano não é Grande Coisa
Não tenhamos ilusões: um ser humano não é grande coisa. De facto, há tantos que os governos não sabem o que fazer com eles. Seis mil milhões de humanos à face da Terra e apenas seis ou sete mil tigres de Bengala – ora digam lá qual das espécies necessita de mais proteção, de cuidados especiais. Sim, escolham vocês mesmos. Um negro, um chinês, um escocês, ou um belo tigre que cai vítima de um caçador. Um tigre, com a sua pelagem listrada de cores incomparáveis e os seus olhos coruscantes, é bastante mais belo do que um velhote cheio de varizes como eu. Que diferença de porte. Comparem a agilidade de um com a inépcia do outro. Vejam como se movem. Metam-nos em jaulas do jardim zoológico, lado a lado. Diante da jaula do velho concentram-se as crianças que riem ao vê-lo catar-se e pôr-se de cócoras para defecar; diante da do tigre, arregalam os olhos de admiração. Acabou essa ilusão segundo a qual o homem é o centro do universo. É verdade que no animal humano distinguimos os gestos, os rostos e as vozes, o que estimula a nossa empatia, mas também distinguimos características particulares, que associamos a sentimentos,
Aos estudar as características e a índole dos animais, encontrei um resultado humilhante para mim.
O Facto e o Direito
O direito é a justiça e a verdade. O característico do direito é conservar-se perpetuamente puro e belo. O facto, ainda o mais necessário, segundo as aparências, ainda o melhor aceite pelos contemporâneos, se só existe como facto, contendo pouco ou nada de direito, é infalivelmente destinado a tornar-se, com o andar dos tempos, disforme, imundo, talvez até monstruoso. Se alguém quiser verificar de um só jacto a que ponto de fealdade pode chegar o facto, visto à distância dos séculos, olhe para Maquiavel. Maquiavel não é um mau génio, nem um demónio, nem um escritor cobarde e miserável; é o facto puro. E não é só o facto italiano, é o facto europeu, é o facto do século XVI. Parece hediondo, e é-o, em presença da ideia moral do século XIX.
Esta luta do direito e do facto dura desde a origem das sociedades. Terminar o duelo, amalgamar a ideia pura com a realidade humana, fazer penetrar pacificamente o direito no facto e o facto no direito, eis o trabalho dos sábios.