Do Amor e da Morte
Temos lábios tenros para o amor
dentes afiados para a morteConcebemos filhos para o amor
para a guerra os mandamos para a morteLevantamos casas para o amor
cidades bombardeamos para a mortePlantamos a seara para o amor
racionamos o trigo para a morteFlorimos atalhos para o amor
rasgamos fronteiras para a morteEscrevemos poemas para o amor
lavramos escrituras para a morteO amor e a morte
somos
Passagens de Casimiro de Brito
81 resultadosAdormecem os que triunfam. Adormecem ou são aniquilados pela bárbara irrupção dos que na sombra encarnam o vigor nascente e necessário para que o espírito do mundo se cumpra.
Não é o silêncio quando silenciamos com esse que amamos.
A beleza mais discreta não responde nem interroga.
Peço a Paz
Peço a paz
e o silêncioA paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao ventoPeço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pãoPeço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morteA paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e solPeço a paz e o
silêncio
O silêncio, o que é o silêncio? perguntei ao mestre. – Uma floresta cheia de ruído.
Tempo Revisitado
O tempo a que sempre regressamos
e nos visita um instanteO tempo que depois destruímos
construímos e ali-
mentamos se nos
alimentaO tempo onde a luz buscamos e
a morte sempre
encontramos
Neste mundo há apenas um habitante. Um habitante solitário que, sem nada possuir, é presenteado com todos os nomes.
Da Violência
A violência que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —
A verdade não existe. Apenas se transmite o erro, a errância do movimento.
Quando vi Deus foi um pássaro que eu vi. Um pássaro com os olhos furados.
Transformar o mundo não posso mas talvez possa transformar o mundo à minha volta.
Acaba a humildade mal se pronuncia o seu nome.
Amei a vida inteira e sei de cor as leis do amor. Umas são de pedra, outras de água transparente. A vida inteira e não sei ainda o caminho.
Amar-te é decifrar humildemente um enigma que não tem decifração porque a todo o momento as águas passam e bebê-las e banhar-me nelas é bom e não há mais nada.
Se o mundo contém tudo não preciso de nada.
O homem é uma espécie fantástica. Apesar de ter enlouquecido consegue administrar o hospício onde mora, este palco flutuante que é, ao mesmo tempo, casa de armas e selva paradisíaca.
O tempo de que disponho: único património em que a contagem é sempre decrescente. Pelo menos enquanto não aprender a libertar-me de mim.
Onde não posso deixar de ser metódico é na dúvida.
A História é sempre histérica. Obsessivo o cosmos.