Onde não posso deixar de ser metódico é na dúvida.
Passagens de Casimiro de Brito
81 resultadosA História é sempre histérica. Obsessivo o cosmos.
Um homem leva mais tempo a desaprender o que não faz falta do que a aprender o cisco da vida. Mas então o tempo já não conta.
Noite por Ti Despida
Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos
coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.
Nem todos os que se refugiam na nulidade ou na solidão o fazem por cansaço e desistência das provas do mundo. Há também quem se afaste para evitar a baba e o louvor dos cretinos.
Próprio do amante é destruir quem ama, beber as águas novas que do corpo amado se levantam e deixar-se inundar por elas. Um concílio de duas destruições.
Uns sofrem, outros julgam que são felizes.
O Amigo
1.
Um amigo, o primeiro amigo
dentro da nuvem de um sonho.O impossível toca-nos as mãos
subitamente — o fogo, a flor concêntrica
de planetas no exílio.Na terra do silêncio
os frutos caem
de sua própria vontade.2.
Ao coração das coisas,
ao jugo das cores da memória,
ao pequeno desvio da sombra no deserto,
ao amor que nos alimenta de morte, à morte
que morre connosco
opomos a infinita
constelação
dos nossos sentidos.
A lucidez é um invólucro, uma chatice.
Suportem-se então os prazeres do amor e da amizade. O principal deles é o de se ter alguém à mão para exercitar a nossa vocação sadomasoquista.
Ainda a humildade. Não se mostra nem se afirma nem se profere. Aproxima-se do silêncio.
Se sou também o outro poderei deixar de me sentir responsável pelo mal que «me» fazem?
Poeta como Tu, Irmão
Não sou mais poeta do que tu, irmão!
Tu cavas na terra a semente da vida,
eu cavo na vida a semente da libertação.Somos partes perdidas dum só
que a razão de ser das coisas
separou. Não sou mais poeta do que tu, irmão.
A mãe que te gerou a mim me gerou —
não foi ela quem nos trocou
as mãos, a voz do coração.Abandona um pouco a charrua, arranca
da terra os olhos cansados, e limpa
o sujo da cara ao sujo das mãos — onde
os calos são um só e as rugas da morte
caminhos cobertos de pó.E olha
na direcção do meu braço cansado, sem
músculos quadrados
nem merda nas unhas, mas que te aponta
o mundo onde as raízes do dia, a luta, o trabalho
reclamam suor
mas não te roubam o pão.
Arranca os olhos da terra, irmão!
Olhasses tu o mundo da perspectiva da rã ou da relva e serias tão humilde e discreto como elas.
Há mais realidade no vazio, na cerimónia em que se tece o vazio, do que na história.
Apodrece na posse o que floresce no desejo.
Acreditar em mim, no meu clã, é pura tolice. Se até a pedra em que me sento diante do mar é devorada pelo vento!
A paz só a conhece quem sofreu todos os desastres. O que me cabe, depois de alguns desastres, é apenas o caminho arenoso da paz. Este momento.
São raros os que aderem ao ritmo. Uns nascem mortos, outros póstumos.
Sábios, cheios de que sabedoria? Roídos por ela. Não sabem nada.