Prendi meus afetos, formosa Pepita… mas, onde? No tempo? No espaço? Nas nĂ©voas? NĂŁo rias… Prendi-me num laço de fita!
Passagens de Castro Alves
43 resultados2A Sombra – Bárbara
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes nĂveos em lábios tĂŁo vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;Um dorso de ValquĂria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tĂŁo vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e mĂşsicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;Harpa eĂłlia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.
O livro – esse audaz guerreiro
que conquista o mundo inteiro
sem nunca ter Waterloo…
3A Sombra – Ester
Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,Alva a clâmide aos ventos – roçagante…
TĂşmido o lábio, onde o saltĂ©rio gira…
Ă“ musa de Israel! pega da lira…
Canta os martĂrios de teu povo errante!Mas nĂŁo… brisa da pátria alĂ©m revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir… e parte… e voa. . .Qual nas algas marinhas desce um astro…
Linda Ester! teu perfil se esvai… s’escoa…
SĂł me resta um perfume… um canto… um rastro…
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder,
Hoje… cĂşmulo de maldade,
Nem sĂŁo livres pra morrer…
Ai! Que vale a vingança, pobre amigo. Se na vingança, a honra não se lava?
Tem o povo – mar violento
Por armas – o pensamento,
A verdade por farol
E o homem, vaga que nasce
No oceano popular,
Tem que impelir os espĂritos,
Tem uma plaga a buscar.
Oh! por isso, Maria, vĂŞs me curvo
Na face do presente escuro e turvo
E interrogo o porvir;
Ou levantando a voz por sobre os montes,
‘Liberdade’ pergunto aos horizontes,
‘Quando enfim hás de vir?’
Aqui, Onde O Talento Verdadeiro
Aqui, onde o talento verdadeiro
NĂŁo nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no pĂşblico respeito
Se conquista o brasĂŁo mais lisonjeiro.Aqui onde o gĂŞnio sobranceiro
E, de torpes calĂşnias, ao efeito,
JesuĂna, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!Repara como o povo te festeja…
VĂŞ como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mĂŁo, que, oculta, te apedreja!Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
“Das almas grandes a nobreza Ă© esta.”
NĂŁo calqueis o povo-rei!
Que este mar d’almas e peitos,
Com vagas de seus direitos,
Virá partir-vos a lei.
O livro caindo na alma,
Ă© germe que faz a palma,
Ă© chuva que faz o mar.
NĂŁo basta inda de dor, Ăł Deus terrĂvel?!
É pois teu peito eterno, inexaurĂvel
De vingança e rancor?
E que Ă© que fiz, Senhor?
que torpe crime
Eu cometi jamais, que assim me oprime
Teu gladio vingador?
Tu és a estrela vésper que alumia aos pastores das arcádias dos fraguedos.
E bradei: ‘Meu canto, voa,
Terra ao longe! terra Ă proa!
Vejo a terra do porvir!
Cresce, cresce, seara vermelha,
cresce, cresce, vingança feroz.
4A Sombra – FabĂola
Como teu riso dĂłi… como na treva
Os lĂŞmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito…
FabĂola!… É teu nome!… Escuta Ă© um grito,
Que lacerante para os cĂ©us s’eleva!…E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores…É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue Ă© meu sangue… Ă© meu… Desgraça!
Toda noite – tem auroras,
Raios – toda escuridĂŁo,
Moços, creiamos, não tarda
A aurora da redenção.
Na hora em que a terra dorme enrolada em frios véus, eu ouço uma reza enorme enchendo o abismo dos céus
Eu já não tenho mais vida! Tu já não tens mais amor! Tu só vives para o riso, eu só vivo para dor.
8A Sombra – Ăšltimo Fantasma
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as nĂ©voas te libras vaporoso …Baixas do cĂ©u num vĂ´o harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, Ăł ser misterioso! …Onde nos vimos nĂłs? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?Quem Ă©s tu? Quem Ă©s tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!