Romance de Dubrovnik
São estas casas de cinza
De cinza petrificada
É como se aqui a vida
tivesse jogado às cartas
e só a morte saíra
ganhando em cada jogada
É esta rua comprida
mas que se chama Platza
(embora em eslava grafia
se escreva apenas Placa)
e que na Ragusa antiga
já dois mundos separava
De um lado terra latina
e do outro terra bárbara
São as verdes gelosias
são as muralhas douradas
a segredarem que a vida
se inda quisesse ganhava
É agora ao meio-dia
a Porta Pile empilhada
E são cachos de turistas
trepando pelas muralhas
tirando fotografias
contudo não vendo nada
São fileiras de boutiques
São cafés sob as arcadas
É tudo a fingir que a vida
não se dá por derrotada
É no porto a maresia
quando mais avança a tarde
incrustada em cada esquina
suspensa de cada iate
Mas das naves bizantinas
é que ela sente saudades
e das galeras esguias
que Veneza lhe enviava
se bem que tal nostalgia
inda hoje a sobressalte
Nenhum sabor tem a vida
se a morte a não acicata
E são argolas vazias
as que há no porto à entrada
e de onde outrora pendiam
correntes sempre de guarda
Quem aliás adivinha
as marítimas estradas
que deste porto saíam
que neste nó se cruzavam
Com certeza agora vivem
na tinta azul de outros mapas
Ou permanecem cativas
Ou ficaram bloqueadas
São em redor tantas ilhas
tanta rocha tanta escarpa
tantas flutuantes ravinas
Mas quando a noite se abate
não são mais do que faíscas
no mar de prata lavrada
E já a Lua surgia
na sua rica dalmática
Nem mais a preceito vinha
do que no céu da Dalmácia
Será que o fulgor da vida
vem da morte iluminada
Subo ao monte Zarkovica
(Na língua serbo-croata
deve ler-se Djarkovitza)
e à sombra desta latada
bebo um copo de mastika
olho de novo a cidade
Ó memória empedernida
de uma divina morada
Ó ferradura de cinza
de algum cavalo com asas
Ó mediterrânea figa
mais propriamente adriática
que foi feita por Posídon
e no litoral deixada
O que a morte à vida ensina
através dos deuses passa
Mas não é só nas ruínas
que fica a sua pegada
Passagens sobre Cavalos
201 resultadosUma vez solta uma palavra, já não pode alcançá-la nem um cavalo a galope. Cuidado, portanto, com o que se diz.
Antes bom burro que ruim cavalo.
Canção tão simples
Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?
21 Anos
Os meus cavalos
espantaram-seComo o Hipólito
da tragédia grega
bocados de mim
pendem
dos arbustos
A carreira é um cavalo que chega à porta da eternidade sem cavaleiro.
O corpo humano é a carruagem, eu, o homem que a conduz, os pensamentos as rédeas, os sentimentos são os cavalos.
A cavalo novo, cavaleiro velho.
A boa mão do rocim faz cavalo, e a ruim do cavalo faz rocim.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
Pergunta-me
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sanguePergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalosPergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrenteQualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
Cavalo formoso de potro sarnoso.
A natureza puxa mais que cem cavalos.
A cavalo voador, cabresto curto.
Quanto se enganam aqueles que a cada palavra citam o exemplo dos romanos! Seria necessário existir uma cidade organizada como era a deles e depois ser governada segundo o seu exemplo; para aqueles que se encontram noutra situação e com qualidades bem diferentes, tal facto é tão desproporcionado quanto seria o de querer que um asno corresse como um cavalo.
A força de dois cavalos é igual à de quinze homens.
Homem grande, cavalo de pau.
O corpo carnal é o cavalo de montaria; e a Vida, o cavaleiro. Mesmo que o cavaleiro seja hábil, não poderá cavalgar bem se o cavalo for manco. Por outro lado, se o cavalo for excelente e manso, até mesmo um cavaleiro inábil poderá cavalgá-lo relativamente bem. Nesta metáfora, a ‘habilidade de cavalgar’ corresponde à ação do espírito em relação ao corpo. Mesmo que a ação do espírito seja bastante eficiente, isto não serve como critério absoluto para avaliar a grandeza da Vida.
Cavalo comedor, cabresto curto.
Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser.