A igualdade, engodo dos engodos, que, sob a forma de justiça ideal, tem paralisado tantas vontades de homens, tantos cérebros geniais, é a maior das injustiças e, aparentando salvaguardar a liberdade, é a pior das tiranias.
Passagens sobre Cérebro
159 resultadosOde Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Filosofia e Amor são completamente Antagónicos
Entre a filosofia e o amor não há possibilidade de convivência. A filosofia exila a mulher e a mulher exclui a filosofia. Os filósofos são todos cérebro sem coração nem testículos. Aqueles que tiveram mulheres e filhos são filósofos menores, em segunda mão. Os maiores são todos misóginos.
A filosofia tem relação com a castidade: quem se aproxima da mulher não pode alcançar o absoluto. Os filósofos foram eunucos, como Orígenes e Abelardo; ou virgens por eleição, como São Tomás e São Boaventura; ou eternos celibatários, como Platão, Espinosa, Kant, Schopenhauer, Nietzsche, como todos os maiores. Quem teve mulher, como Sócrates, considerou-a empecilho e tortura.
São antes sodomitas, como Séneca e Bacon, ou onanistas, como Rousseau, Kierkegaard e Leopardi – em todos os casos, antifemininos. A mulher é a vida e a filosofia uma espécie de morte; a dona é o primado do sentimento e a filosofia quer ser racionalismo puro; a mulher é capricho e novidade e a filosofia ordem e sistema.
No entanto, a filosofia não se pode vangloriar de vencer, com a sua força, a tentação de Eros – é verdade, ao invés, que a frigidez e a impotência predispõem para a filosofia. Se virem um filósofo marido e pai feliz,
O Caixão Fantástico
Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstrações abstrusas!Nesse caixão iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditórias e confusas!A energia monástica do Mundo,
À meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cérebro cheio…Era tarde! Fazia muito frio.
Na rua apenas o caixão sombrio
Ia continuando o seu passeio!
Há uma enorme dificuldade em abrir os olhos das pessoas. Comovê-las e destroçar-lhes a alma, é fácil; difícil é fazer com que a luz lhes penetre o cérebro. Que lucro existe em lhes mudar os sentimentos, se continuam sendo idiotas?
Ah, um Soneto…
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear…No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.Mas — esta é boa! — era do coração
que eu falava… e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação? …
Só Existem Nações, não Existe Humanidade
A humanidade não existe sociologicamente, não existe perante a civilização. Considerar a humanidade como um todo é, virtualmente, considerá-la como nação; mas uma nação que deixe de ser nação passa a ser absolutamente o seu próprio meio. Ora um corpo que passa a ser absolutamente do meio onde vive é um corpo morto. A morte é isso – a absoluta entrega de si próprio ao exterior, a absoluta absorção no que cerca. Por isso o humanitarismo e o internacionalismo são conceitos de morte, só cérebros saudosos do inorgânico o podem agradavelmente conceber. Todo o internacionalista devia ser fuzilado para que obtenha o que quer, a integração verdadeira no meio a que tende a pertencer. Só existem nações, não existe humanidade.
Viver é lutar contra os demónios do coração e do cérebro. Escrever, é pronunciar sobre si o último julgamento.
A moral é a debilidade do cérebro.
O cérebro é o meu segundo órgão favorito.
Poema da Eterna Presença
Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)O que me perturba é que o todo possa caber na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote.O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
E em mim continuaria a caber se me cortassem braços e pernas
porque eu não sou braço nem sou perna.Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam no espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios que caminharam sobre a Terra,
os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos oceanos que engoliram
continentes,
Para criar uma idade de ouro para o seu cérebro, tem de usar o dom com que a natureza o dotou de uma nova maneira. Não é o número de neurónios ou algum passe de mágica dentro da sua matéria cinzenta que torna a vida mais vital, inspiradora e bem-sucedida.
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco
Na verdade, encontramos desde as origens da história humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da acção despertos, que domina quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração, submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objectivas e talvez nunca venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma,
Cheguei finalmente à conclusão de que um bom e resistente sistema de intestinos é mais útil ao homem do que qualquer quantidade de cérebro.
O cérebro pode ser fácil comprar, mas o coração nunca é comercializado.
Revolução Orbital
Revolução orbital: vai-se a rosa transformando
na coisa múltipla, amante e amada, na acção
que assim a faz e nos acidentes mínimos – paisagens,
estações dos dias e das noites, dos anos da história.
Ondula no cérebro a fronteira que as margens da luz
desenham. E a rosa é uma hélice que vibra
no ar que a respirar obriga(s): torção dos pulmões,
do tronco e do sexo, dos nomes e dos vocativos
que se respondem: como um coração que deflagra
a rosa faz do ar que te falta a terra de onde nasces
e o chão sobre que danças.
O cérebro é o parasita ou o pensionista do organismo inteiro.
O Medo De Nós Próprios
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
Entender os Outros
Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário.
Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário.
Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico;
O trabalho incessante, enorme, irrita e exagera o desejo das riquezas; aferventa o cérebro, sobreexcita a sensibilidade, a população cresce, a concorrência é áspera, as necessidades descomedidas, infinitas as complicações económicas, e aí está sempre entre riscos a vida social. Entre riscos, porque vem a luta dos interesses, a guerra das classes, o assalto das propriedades e por fim as revoluções políticas.