Quanta Tristeza e Amargura
Quanta tristeza e amargura afoga
Em confusĂŁo a ‘streita vida!
Quanto InfortĂșnio mesquinho
Nos oprime supremo!
Feliz ou o bruto que nos verdes campos
Pasce, para si mesmo anĂŽnimo, e entra
Na morte como em casa;
Ou o sĂĄbio que, perdido
Na ciĂȘncia, a fĂștil vida austera eleva
Além da nossa, como o fumo que ergue
Braços que se desfazem
A um céu inexistente.
Passagens sobre CĂ©u
1151 resultadosA Jovem Cativa
(André Chenier)
â âRespeita a foice a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pĂąmpano
Bebe no estio as lĂĄgrimas da aurora;
Jovem e bela também sou; turvada
A hora presente de infortĂșnio e tĂ©dio
Seja embora: morrer nĂŁo quero ainda!De olhos secos o estĂłico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a tĂmida cabeça.
Se hå dias maus, também os hå felizes!
Que mel nĂŁo deixa um travo de desgosto?
Que mar nĂŁo incha a um temporal desfeito?Tu, fecunda ilusĂŁo, vives comigo.
Pesa em vĂŁo sobre mim cĂĄrcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:
Escapa da prisĂŁo do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa,
Mais viva canta e rompe a filomela.Deve acaso morrer ? TranqĂŒila durmo,
TranqĂŒila velo; e a fera do remorso
NĂŁo me perturba na vigĂlia ou sono;
Terno afago me ri nos olhos todos
Quando apareço, e as frontes abatidas
Quase reanima um desusado jĂșbilo.Desta bela jornada Ă© longe o termo.
Musa Infeliz
Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rĂștilas facetas,
E nĂŁo revelem trovador bisonho.Meia noite bateu. Sai risonho…
Brilhava – oh, musa, nĂŁo me comprometas! –
O mais belo de todos os planetas
N’um cĂ©u que parecia um cĂ©u de sonho.O mais belo de todos os prazeres
Gozei, Ă doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!Pobres quartetos! mĂseros tercetos!…
Musa, musa infeliz, dar-me nĂŁo queres.
O mais belo de todos os sonetos!…
A um Retrato
Amo-te, flor! Se te amo, Deus que o sabe
Que o diga a teus irmĂŁos, que o CĂ©u povoam
E Ă©brios de glĂłria cĂąnticos entoam
A quem no mar, na Terra e CĂ©us nĂŁo cabe.Se te amo, flor! que o diga o mar que expele
Quanto Ă© domĂnio, e beija humilde a praia…
Se mal que a Lua lĂĄ das ondas saia
Nas rochas me nĂŁo vĂȘ gemer com ele!Amo-te, flor! Se te amo, o Sol que o diga:
Quando lĂĄ da montanha aos CĂ©us se eleva,
Se entre os vermes do pĂł, que o vento leva,
Me banha a mim tambĂ©m na luz amiga.Se te amo, flor? Sem ti… que noite escura,
Meu céu, meu campo em flor, meu dia e tudo!
Diga-te a noite minha se te iludo,
Se em vida jå sem ti sonhei ventura!O anjo que no berço humilde e escasso
Do CĂ©u me veio alumiar piedoso
E em lĂĄgrimas e riso, pranto e gozo,
Desde entĂŁo me acompanha passo a passo;Ăs tu! Amo-te e muito!
Divisamos assim o Adolescente
Divisamos assim o adolescente,
A rir, desnudo, em praias impolutas.
Amado por um fauno sem presente
E sem passado, eternas prostitutas
Velam por seu sono. Assim, pendente
O rosto sobre um ombro, pelas grutas
Do tempo o contemplamos, refulgente
Segredo de uma concha sem volutas.
InfĂąncia e madureza o cortejavam,
Velhice vigilante o protegia.
E loucos e ladrÔes acalentavam
Seu sonho suave, até que um deus fendia
O céu, buscando arrebata-lo, enquanto
Durasse ainda aquele breve encanto.
Elegia do Amor
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que Ăamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde sĂł Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mĂŁo,
Um lĂrio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepĂșsculo terno
E doce diluĂa,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
CançÔes do fim do dia.
CançÔes que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memĂłria…
Assim o que partiu
Em frĂĄgil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.Olhavas para mim,
Ăs vezes, distraĂda,
Como quem olha o mar,
Ă tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,
As gralhas afirmam que basta uma para destruir o cĂ©u. NĂŁo hĂĄ dĂșvida quanto a isso, mas nĂŁo prova nada contra o cĂ©u, pois os cĂ©us significam justamente: impossibilidade de gralhas.
O céu é o lar. Utopia é aqui. Nirvana é agora.
Horas De Sombra
Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdão sempre benditas.Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.
Branco e Vermelho
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.Todo o meu ser, suspenso,
NĂŁo sinto jĂĄ, nĂŁo penso,
Pairo na luz, suspenso…
Que delĂcia sem fim!
Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No ĂȘxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distancia reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)
Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana…
A inĂștil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.
Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
VĂŁo um a um, curvados,
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.
A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
Jeito de Escrever
NĂŁo sei que diga.
E a quem o dizer?
NĂŁo sei que pense.
Nada jamais soube.Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do cĂ©u e da terra, das coisas…
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serĂŁo?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como Ă© bonito escrever!Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto – o jeito.
Ao acaso, sem Ăąncora, vago no tempo.
No tempo vago…
Ele vago e eu sem amparo.
Piam påssaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!
E por mais nĂŁo ter que relatar me cerro.
ExpressĂŁo antiga, epistolar: me cerro.
TĂŁo grato Ă© o velho, inopinado e novo.
Me cerro!Assim: uma das mĂŁos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera…Ă ilusĂŁo!
E tudo acabou, acaba.
Para quĂȘ a busca das coisas novas, Ă toa e Ă roda?
Metempsicose
Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,Agora, que nos CĂ©us, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos CĂ©us desfila.Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!
Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
Ă que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
Duas coisas povoam a mente com uma admiração e respeito sempre novos e crescentes…o cĂ©u estrelado por cima e a lei moral dentro de nĂłs.
Nos tempos antigos, quando um homem justo era assassinado traiçoeiramente, os familiares da vĂtima tinham o direito de se vingar, matando o assassino. Na maioria dos casos, a missĂŁo de abater o inimigo cabia a um filho jovem ou a um irmĂŁo mais novo da vĂtima, ainda inexperientes no manejo da espada. No entanto, conseguiam vencer o inimigo, mais velho e mais experiente. Isto Ă© possĂvel porque o CĂ©u nĂŁo ajuda os ingratos e os traidores.
Sobresalto
Quantas horas passava contemplando
Seu pequenino Vulto. Era um Anjinho
Dentro de nossa casa, abençoando…
Era uma FlÎr, um Astro, um Amorzinho.Um dia, em que ele, ao pé de mim, sósinho
Brincava, estes meus olhos inundando
De graça, de inocencia e de carinho,
De tudo o que Ă© celeste, alegre e brando,Vi tremer sua Imagem, de repente,
No ar, como se fÎra Aparição.
E para mim eu disse tristemente:“Pertences a outro mundo, a um cĂ©u mais alto;
PartirĂĄs dentro em breve.” E desde entĂŁo
Eu fiquei num constante sobresalto!
Nada se Pode Comparar Contigo
O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cĂąndida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;O Sol, que o céu diåfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os ZĂ©firos ondeia;A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glĂłrias que consigo,
A Deusa das paixÔes e de Citera;Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.
Porque sentir Ă© como o cĂ©u, VĂȘ-se mais nĂŁo hĂĄ nele que ver.
Noite Escura
Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (Ă© mar este fantasma?
ou pĂĄssaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silĂȘncio e de desmaio
para a festa defuntade ver ressurreiçÔes: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me pÔe preso e demente.
Regressar Ă InocĂȘncia
Seja como as crianças, mantenha os olhos abertos, sem preconceitos escondidos atrĂĄs da vista. Se olhar com clareza, pequenas flores, ou pedaços de relva, ou borboletas, ou um pĂŽr do Sol proporcionar-lhe-ĂŁo tanta felicidade quanto a que Gautama Buda encontrou na sua iluminação. Isto nĂŁo depende das coisas, mas sim da sua abertura. O conhecimento fecha-o; transforma-se numa cerca, numa prisĂŁo. Mas a inocĂȘncia abre todas as portas e todas as janelas.
O sol entra e uma brisa fresca flui.
De repente, o perfume das flores faz-lhe uma visita.
E de vez em quando um påssaro virå cantar uma canção e entrar por outra janela.
A inocĂȘncia Ă© a Ășnica religiosidade que existe.
A religiosidade nĂŁo depende das escrituras sagradas nem do que se sabe sobre o mundo. SĂł depende de se estar preparado para ser como um espelho lĂmpido, que nada reflecte.
Um total silĂȘncio, inocĂȘncia, pureza… e toda a existĂȘncia Ă© transformada para si. Cada momento passa a ser de ĂȘxtase. As pequenas coisas, como beber uma chĂĄvena de chĂĄ, tornam-se oraçÔes tĂŁo poderosas que nenhuma outra oração se lhes pode comparar. Basta observar uma nuvem a mover-se livremente no cĂ©u, e da inocĂȘncia surge uma sincronicidade.