Mais uma vez ou duas na vida – talvez num fim de tarde, num instante de amor, no momento de morrer – teria sublime inconsciência criadora, a intuição aguda e cega de que era realmente imortal para todo o sempre.
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosDá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar – a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.
Eis que de repente vejo que não sei nada. ( Água Viva )
Não aguento muito tempo um sentimento porque passo a ter angústia e meu pensamento fica ocupado com o sentimento e eu me desenvencilho dele de qualquer jeito para ganhar de novo a minha liberdade de espírito. Sou livre para sentir. Quero ser livre para raciocinar. Aspiro a uma fusão de corpo e alma.
Não suporto tentações, pois caio em todas elas.
É assim porque é assim. Existe no mundo outra resposta? Se alguém sabe de uma melhor, que se apresente e diga, estou a anos esperando.
E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano
É que quem sou eu? provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas
São os pequenos brilhos que encantam, os holofotes cegam.
Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.
Na exigência de vida tudo é lícito, mesmo o artificial, e o artificial é às vezes o grande sacrifício que se faz para se ter o essencial.
Escrevo por ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.
Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Quero viver muitos minutos num só minuto.
Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.
Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.
Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço.
O Paradoxo do Entendimento
Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.