Passagens sobre Clarões

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Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebê-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lúcidas paisagens,
Vestido das mais fluídicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto às almas,
Na eterna florescência dos meus versos.

Mensagem – Mar Português

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,

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O Verdadeiro Rosto da História

O verdadeiro rosto da história afasta-se veloz. Só podemos reter o passado como uma imagem que no instante em que se deixa reconhecer lança um clarão que não voltará a ver-se. «A verdade não nos escapará» – esta palavra de Gottfried Keller caracteriza com exactidão, na concepção da história que têm os historicistas, o ponto em que o materialismo histórico realiza o seu avanço através dessa imagem. Irrecuperável é, com efeito, toda a imagem do passado que corre o risco de desaparecer com cada instante presente que nela não se reconheceu. (A feliz notícia trazida pelo ofegante historiógrafo do passado sai de uma boca que, talvez no próprio instante em que se abre, fala já no vazio.)

Olhos de Lobas

Teus olhos lembram círios
Acesos n’um cemitério…

Têm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…

Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…

— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho Mausoléu!…

— Mausoléu, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memórias saudosas do Ido ao Céu!…

— Oh Pérpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…

No Corpo

De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares

O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Stella

Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.

Tíbio clarão já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.

À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.

Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.

Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?

Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.

Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lágrimas a pares,

Do amor silencioso,
Místico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,

De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.

A virgem da manhã
Já todo o céu domina…

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Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espírito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarão, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarão esplendoroso e louro
Do amor de mãe — que é como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

Metamorfose

A Carlos Ferreira

O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarão, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.

Esperança! Doce palavra feita de bruma efêmera que o clarão do ideal enche de íris maravilhosos.

O Sol Da Tarde

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhã,
como ser só a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vã?

Assim são sob o sol todas as tardes:
são clarões e janelas, são aromas,
e o silêncio que cala o vão alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pálio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcófagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pó.

Visão Da Morte

Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intérminos, desertos…

Do teu perfil os tímidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.

Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lívidos martírios,
De agonies, de mágoa funerária…

E causas febre e horror, frio, delírios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarão dos círios!

O Grande Sonho

Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Olhar para as Coisas com alguma Distância

Percorrendo as ruas fui descobrindo coisas espantosas que lá ocorriam desde sempre, disfarçadas sob uma máscara ténue de normalidade: um viúvo que, depois de se reformar, passava as tardes sentado no carro, a porta aberta, a perna esquerda fora, a direita dentro; um sujeito tão magro que se podia tomar por uma figura de cartão, ideia reforçada por andar de bicicleta e, sobretudo, por nela carregar o papelão que recolhia nos contentores do lixo; a mulher que, com uma regularidade cronométrica, vinha à janela, olhava para um lado e para o outro, como se aguardasse há muito a chegada de alguém. Eram três exemplos de situações que – creio ser esta a melhor formulação – aconteciam desde sempre e pela primeira vez. Se olharmos para as coisas com alguma distância, retirando-as do contexto, deixando-nos contaminar pela estranheza, tudo, tudo mesmo, adquire uma aura macabra e repetitiva, singular, reconhecível, que se mistura com a substância dos sonhos, a matéria das mentes perturbadas. Penso sempre, não sei porque, que talvez a resposta esteja naquela revista antiga que não resistiu às traças: nos sobreviventes de Hiroxima, no clarão absoluto que os cegou, no mundo irreal em que foram condenados a viver a partir desse momento,

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Poz-te Deus Sobre a Fronte a Mão Piedosa

Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»

E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarão sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…

Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!

Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura

Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!

Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarão eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.

Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,

Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!

Véspera

Amor: em teu regaço as formas sonham
o instante de existir: ainda é bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirão em teu bruxedo.

Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. És tão secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquitecto.

Que presságios circulam pelo éter,
que signos de paixão, que suspirália
hesita em consumar-se, como flúor,
se não a roça enfim tua sandália?

Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarão aberto em susto.
Examinas cada alma. É fogo inerte?
O sacrifício há de ser lento e augusto.

Então, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no círculo de luz que desenrolas!

Contempla este jardim: os namorados,
dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de teu capricho o hermético astrolábio,
e perseguem o sol no dia findo.

E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos,

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Noiva Da Agonia

Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por túmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da Ilusão governa…

Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

O Mundo Velho

Nas crises d’este tempo desgraçado,
Quando nos pomos tristes a espalhar
Os olhos pela historia do passado…
Quem não verá, contente ou consternado,
– Mundo velho que estás a desabar – ?!…

Sim tu estás a morrer, vil socio antigo…
E Pae de nossos vicios e paixões!
Camarada dos crimes, torpe amigo…
– Morre, emfim, correrá no teu jazigo,
Em vez de vinho, o sangue das nações!

Deves morrer, provecto criminoso!
Tens vivido de mais, vil sensual!
Tu estás velho, cansado e desgostoso,
E, como um velho principe gotoso,
Ris, cruelmente, ás sensações do mal.

– Que é feito do teu Deus, do teu Direito?
– Onde estão as visões dos teus prophetas?
– Quem te deu esse orgulho satisfeito?
Muribundo Caiphaz, junto ao teu leito,
Morrem, debalde, os gritos dos poetas!

No tempo em que eras forte, foi teu braço
Que apunhalou os grandes ideaes!…
Hoje estás gordo, sensural, devasso,
E andas, torpe a rir, como um palhaço,
N’um circulo lusente de punhaes.

Tu tens vendido os justos no mercado!

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Carta a Manoel

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem…
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos ursos na aula, peor que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Peor que um diamante a riscar na vidraça!
Peor eu sei lá, Manoel, peor que uma desgraça!
Hysterisa-me o vento, absorve-me a alma toda,
Tal a menina pelas vesperas da boda,
Atarefada mail-a ama, a arrumar…
O vento afoga o meu espirito n’um mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de luar, recordações.
Á noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O grande evocador do vento evoca, evoca
Nosso verão magnifico, este anno passado,
(E a um canto bate,

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Benção

Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d’este mundo insofrido
A desolada mãe, numa crise de blasfêmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:

— “Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijão!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!

Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar infeliz quem a si me ligou,
E não posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.

Vou fazer recair o meu ódio implacável
No monstro que nasceu das tuas maldições
E saberei torcer o arbusto miserável
De modo que não vingue um só dos seus botões!”

E sobre Deus cuspindo a sua mágoa ingente
Ignorando a razão dos desígnios do Eterno,
A tresloucada mãe condena, inconsciente,
A sua pobre alma às fogueiras do inferno.

Bafeja a luz do sol o fruto malfadado,
Vela pelo inocente um anjo peregrino;
A água que ele bebe é um néctar perfumado,
O pão é um manjar saboroso,

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