O Dilema do Conhecimento
Como todos sabemos, aprender pouco é algo perigoso. Mas o excesso de aprendizado altamente especializado também é uma coisa perigosa, e por vezes pode ser ainda mais perigoso do que aprender só um pouco. Um dos principais problemas da educação superior agora é conciliar as exigências da muita aprendizagem, que é essencialmente uma aprendizagem especializada, com as exigências da pouca aprendizagem, que é a abordagem mais ampla, mas menos profunda, dos problemas humanos em geral.
(…) O que precisamos fazer é arranjar casamentos, ou melhor, trazer de volta ao seu estado original de casados os diversos departamentos do conhecimento e das emoções, que foram arbitrariamente separados e levados a viver em isolamento nas suas celas monásticas. Podemos parodiar a Bíblia e dizer: “Que o homem não separe o que a natureza juntou”; não permitamos que a arbitrária divisão académica em disciplinas rompa a teia densa da realidade, transformando-a em absurdo.
Mas aqui deparamo-nos com um problema muito grave: qualquer forma de conhecimento superior exige especialização. Precisamos de nos especializar para entrar mais profundamente em certos aspectos separados da realidade. Mas se a especialização é absolutamente necessária, pode ser absolutamente fatal, se levada longe demais. Por isso, precisamos de descobrir algum meio de tirar o maior proveito de ambos os mundos –
Passagens sobre Conceção
85 resultadosTédio
Ando às vezes boçal e sinto-me incapaz
De encontrar uma rima ou produzir um verso;
Fazendo de mim mesmo a ideia de um perverso
Capaz de apunhalar à luz do gás.Incomoda-me a Cor, o sangue do Poente
– Waterloo rubro de que o sol é Bonaparte -;
Não compreendo, Mulher, como inda posso amar-te
Se tenho raiva, muita raiva a toda a gente.‘Té onde a vista alcança alargo o meu olhar,
E creio quanto existe uma nódoa escura
Que as lágrimas do Choro hão de jamais lavar…Estranha concepção! Abranjo o mundo todo
E em cada estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada boca rubra o mesmo impuro lodo!
O estilo nem por sombra corresponde a um simples culto da forma, mas, muito longe disso, a uma particular concepção da arte e, mais em geral, a uma particular concepção da vida.
A Cobardia como Pilar da Civilização
Costuma-se jogar na cara dos marxistas, com a sua concepção materialista da História, que eles subestimam certas qualidades espirituais do homem que não dependem de quanto ele ganhe ou deixe de ganhar. O argumento é o de que essas qualidades colorem as aspirações e actividades do homem civilizado tanto quanto são coloridas pela sua condição material, tornando assim impossível simplesmente
reduzir o homem a uma máquina económica. Como exemplos, os antimarxistas citam o patriotismo, a piedade, o senso estético e a vontade de conhecer Deus. Infelizmente, os exemplos são mal escolhidos. Milhões de homens não ligam para o patriotismo, a piedade ou o senso estético, não têm o menor interesse activo em conhecer Deus. Por que é que os antimarxistas não citam uma qualidade espiritual que seja verdadeiramente universal? Pois aqui vai uma. Refiro-me à cobardia. De uma forma ou de outra, ela é visível em todo o ser humano; serve também para separar o homem de todos os outros animais superiores. A cobardia, acredito, está na base de todo o sistema de castas e na formação de todas as sociedades organizadas, inclusive as mais democráticas. Para escapar de ir à guerra ele próprio, o camponês deva de mão beijada certos privilégios aos guerreiros – e destes privilégios brotou toda a estrutura da civilização.
Uma Nação Sem Ideal Desaparece Rapidamente da História
Qualquer que seja a raça ou o tempo considerado, o objectivo constante da atividade humana foi sempre a pesquisa da felicidade, a qual consiste, em última análise, ainda o repito, em procurar o prazer e evitar a dor. Sobre essa concepção fundamental os homens estiveram constantemente de acordo; as suas divergências aplicam-se somente à idéia que se concebe da felicidade e aos meios de a conquistar.
As suas formas são diversas, mas o termo que se tem em mira é idêntico. Sonhos de amor, de riqueza, de ambição ou de fé são os possantes factores de ilusões que a natureza emprega para conduzir-nos aos seus fins. Realização de um desejo presente ou simples esperança, a felicidade é sempre um fenómeno subjectivo. Desde que os contornos do sonho se implantam um pouco no espírito, com ardor nós tentamos obtê-lo.
Mudar a concepção da felicidade de um indivíduo ou de um povo, isto é, o seu ideal, é mudar, ao mesmo tempo, a sua concepção da vida e, por conseguinte, o seu destino. A história não é mais do que a narração dos esforços empregues pelo homem para edificar um ideal e destruí-lo em seguida, quando, tendo-o atingido, descobre a sua fragilidade.
Só a nossa concepção de tempo nos faz nomear o Juízo Final com essas palavras; na realidade é um tribunal permanente.
Hino à Solidão
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,
O Homem é um Animal Afectivo ou Sentimental, não Racional
Na maior parte das histórias da filosofia que conheço, os sistemas são-nos apresentados, como tendo origem uns nos outros, e os seus autores, os filósofos, aparecem apenas como meros pretextos. A biografia íntima dos filósofos, e dos homens que filosofaram, ocupa um lugar secundário. E, sem dúvida, é ela, essa biografia íntima a que mais coisas nos explica.
Cumpre-nos dizer, antes de mais, que a filosofia se inclina mais para a poesia do que para a ciência. Quantos sistemas filosóficos se forjaram, como suprema harmonização dos resultados finais das ciências particulares, num período qualquer, tendo tido muito menos consistência e menos vida do que aqueles outros que representavam o anseio integral do espírito do seu autor.
(…) A filosofia corresponde à necessidade de formarmos uma concepção unitária e total do mundo e da vida e, como consequência desse conceito, um sentimento que gere uma atitude íntima, e até uma acção. Mas resulta que esse sentimento, em vez de ser consequência daquele conceito, é a sua causa. A nossa filosofia, isto é, a nossa maneira de compreender ou de não compreender o mundo e a vida, brota do nosso sentimento respeitante à própria vida. E esta, como tudo o que é afectivo,
A Insegurança do Escritor
É certo que tudo o que concebi antecipadamente, mesmo quando estava com boa disposição, quer com todo o pormenor, quer casualmente, mas em palavras específicas, aparece seco, errado, inflexível, embaraçado para todos os que me rodeiam, tímido, mas acima de tudo incompleto, quando tento escrever tudo isso à minha secretária, embora eu não tenha esquecido nada da concepção original. Isto está naturalmente relacionado em grande parte com o facto de eu conceber uma coisa boa longe do papel durante apenas um momento de exaltação mais temido do que desejado, embora eu muito o deseje; mas então a plenitude é tal que eu tenho de ceder. Às cegas e arbitrariamente agarro pedaços da corrente, de modo que, quando escrevo calmamente, a minha aquisição não é nada comparada com a plenitude em que viveu, é incapaz de restaurar essa plenitude, e assim é má e perturbadora, por ser uma inútil tentação.
O Homem Cruel
Quando o rico tira um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem de ser absolutamente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele não sente de modo algum tão profundamente o valor de um único pertence, porque está habituado a ter muitos: portanto, não se pode transpor para o espírito do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna na História, não é assim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário de ser um ser superior, com direitos superiores, torna uma pessoa bastante fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminentemente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso,
Novos Valores para a Sociedade
Se pensarmos na nossa vida e na nossa actuação, em breve notaremos que quase todas as nossas aspirações e acções estão ligadas à existência de outros homens. Reparamos que, em toda a nossa maneira de ser, somos semelhantes aos animais que vivem em comum. Comemos os alimentos produzidos por outros homens, usamos vestuário que outros homens fabricaram e habitamos casas que outros construíram. A maior parte das coisas que sabemos e em que acreditamos foi-nos transmitida por outros homens, por meio duma linguagem que outros criaram. A nossa faculdade mental seria muito pobre e muito semelhante à dos animais superiores se não existisse a linguagem, de modo que teremos de concordar que, aquilo que nos distingue em primeiro lugar dos animais, o devemos à nossa vida na comunidade humana. O homem isolado — entregue a si desde o nascimento — manter-se-ia, na sua maneira de pensar e de sentir, primitivo como um animal, dum modo que dificilmente podemos imaginar. O que cada um é e significa, não o é tão-sòmente como ser isolado, mas como membro duma grande comunidade humana, que determina a sua existência material e espiritual desde o nascimento à morte.
Aquilo que um homem leva para a sua comunidade depende,
O Limite do Conhecimento
Não há conhecimento «espelho» do mundo objectivo. O conhecimento é sempre tradução e construção. Resulta daí que todas as observações e todas as concepções devem incluir o conhecimento do observador-conceptualizador. Não ao conhecimento sem autoconhecimento.
Todo o conhecimento supõe ao mesmo tempo separação e comunicação. Assim, as possibilidades e os limites do conhecimento relevam do mesmo princípio: o que permite o nosso conhecimento limita o nosso conhecimento, e o que limita o nosso conhecimento permite o nosso conhecimento.
O conhecimento do conhecimento permite reconhecer as origens da incerteza do conhecimento e os limites da lógica dedutiva-identitária. O aparecimento de contradições e de antinomias num desenvolvimento racional assinala-nos os estratos profundos do real.
Religião Cósmica
É muito difícil transmitir este sentimento a alguém completamente desprovido dele, especialmente porque não lhe corresponde qualquer concepção antropomórfica de Deus.
Os génios religiosos de todos os tempos distinguiram-se por possuírem este tipo de sentimento religioso, que não reconhece nenhum dogma nem nenhum deus concebido à imagem do homem; por isso não pode existir nenhuma igreja cujos ensinamentos centrais se baseiem nele. Logo, é precisamente entre os heréticos de todos os tempos que encontramos homens cheios deste tipo de sentimento religioso e que foram olhados em muitos casos pelos seus contemporâneos como ateus, por vezes também como santos. A esta luz, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Spinoza são muito parecidos entre si.
Como pode o sentimento religioso cósmico ser comunicado por uma pessoa a outra se não conduz a nenhuma noção definida de Deus e a nenhuma teologia? Na minha perspectiva, a função mais importante da arte e da ciência consiste em despertar e manter vivo este sentimento em todos os que sejam receptivos a ele.
Chegamos deste modo a uma concepção da relação entre ciência e religião muito diferente da habitual. Quando consideramos o assunto de um ponto de vista histórico, somos levados a olhar para a ciência e para a religião como antagonistas irreconciliáveis e por razões bastante óbvias.
Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real.
Tudo o que um filho sensato pode esperar é que o pai esteja presente no momento da concepção.
O Ciclo da Satisfação
Uma satisfação que acabámos de gozar e cuja lembrança está fresca e ainda próxima, age sobre a vontade com mais violência do que outra cujos traços estão atenuados e quase apagados. Donde vem isso, portanto, a não ser do facto de que a memória, no primeiro caso, secunda a fantasia e dá às suas concepções um suplemento de força e vigor? A imagem do prazer passado, na sua força e violência, confere as suas qualidades à ideia do prazer futuro, que lhe está vinculado pela semelhança.
O que nos torna felizes ou infelizes não é o que as coisas são objectiva e realmente, mas o que são para nós, na nossa concepção.
A Génese de um Poema
A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(…) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.
O Dinheiro Atrai o Egoísmo
Estou firmemente convencido de que nem todas as riquezas do Mundo poderiam fazer progredir a Humanidade, mesmo que se encontrassem na mão de um homem tão dedicado quanto possível à causa do progresso. Só o exemplo dos grandes e dos puros pode conduzir a concepções e feitos nobres. O dinheiro atrai o egoísmo e arrasta consigo o desejo irresistível de dar-lhe mau uso.
Cada época é definida pelo que apresenta de novo, de especificamente seu. Pode não ser um alto pensamento filosófico, uma grande reforma moral, uma arte requintada, uma ciência generosa. Mas há-de ser a dádiva de qualquer uma dessas manifestações humanas, ou todas, numa concepção inteiramente inédita, original, inconcebível noutro tempo da história.