Pera quem as conchinhas ruivas cavo
Na praia, os brancos bĂşzios apanhando?
Pera quem, de mergulho no mar bravo,
Os ramos de coral venho arrancando?
Passagens sobre Corais
28 resultadosVibra o Passado em Tudo o que Palpita
Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transitaĂ€ paz dos seres a morte em seu contĂnuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento Ă© seu destino:O ceptro dos eleitos que nĂŁo cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançamsobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses tĂŞm-no em suas mĂŁos cativo
risĂvel Ă© quem eles mandam vivo.Tradução de Vasco Graça Moura
A Moça Caetana A Morte Sertaneja
(com tema de Deborah Brennand)
Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mĂŁo direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.Na fronte, uma coroa e o GaviĂŁo.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do SertĂŁo,pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
Miserável
A Carvalho Junior.
O noivo, como noivo, Ă© repugnante:
MaterialĂŁo, estĂşpido, chorudo,
Arrotando, a propĂłsito de tudo,
O ser comendador e negociante.Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n’um lençol envolto…
Entra a viuvinha, a noiva… Oh, cĂ©u, contem-me!Ela deita-se… espera… Qual! Revolto,
O leito estala… Ela suspira… freme…,
E o miserável dorme a sono solto!…
Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado
1
Tinha de fachos mil a noite ornado
A argentada Princesa:
De amor, graça e beleza
O campo etéreo Vénus povoado.2
A Terra, com perfume precioso
Em torno recendia;
E plácido dormia
Sobre a dourada areia o pego undoso;3
Quando veio roubar a formosura
De tudo o que Ă© criado,
Márcia, fiel traslado
Da beleza do CĂ©u, sublime e pura;4
Com LĂrios, que estendeu, vestiu ufana
A forma divinal;
Em aceso coral
Tingiu, sorrindo, a boca soberana,5
As madeixas tomou das veias de ouro,
Nos olhos pĂ´s safiras,
Que das setas, que atiras,
SĂŁo, fero Amor, o mais caudal tesouro.6
Todos seus dons lhe pĂ´s o CĂ©u no peito;
Como orna o RĂ©gio Sposo,
C’o enfeite mais custoso,
A Princesa, a quem rende a alma, sujeito.7
Eu vi afadigados os Amores,
E as Graças, que cantavam
Enquanto se moldavam
Seus graciosos gestos vencedores.8
Das Sereias o canto deleitoso
Lhe nasceu sem estudo;
Se Eu Nunca Disse
Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
SĂŁo corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
SĂŁo d’Ăłnix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
PĂ©rolas e Ăłnix e corais sĂŁo coisas,
E coisas nĂŁo sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na mĂşsica,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crĂŞ, sinceramente crĂŞ,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo lábios, olhos, dentes.
Ninguém me Venha Dar Vida
Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que nĂŁo tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que nĂŁo me quero curar,
que estou deixando de ser
e nĂŁo me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que sĂł quis a quem nĂŁo quis.
Versos para a PatrĂcia
1. Ilha
Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terraMeu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-meDepois, nĂŁo
me ensines a estrada.A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.2. Véspera
Há um perfume
que trabalha em mim
e me acende,
antigo,
sobre a poeiraHá um rosto
que regressa Ă fonte
água readormecendoE só hoje reparo
o labor das nuvens
corais solares
arquitectando o céuPássaros brancos
vĂŁo pousando
na varanda dos teus olhosSĂł hoje enfrento o sol
fogo imĂłvel,
labareda de águaAndemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol
Praia presa…
Praia presa, adiantada
no mar, no longe, no cĂrculo
de coral que o mar represa.
Praia futura invocada.
Timor ressurge das águas,
praia futura invocada.
Nenhum homem, digno de nome humano, pode concordar ou colaborar com outro homem, excepto em coisas absolutamente inúteis, como as ordens religiosas, os ministérios, o canto coral, e as fitas cinematográficas.
Horizonte
O mar anterior a nĂłs, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
‘Splendia sobre sobre as naus da iniciação.Linha severa da longĂnqua costa –
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era sĂł, de longe a abstracta linha.O sonho Ă© ver as formas invisĂveis
Da distância imprecisa, e, com sensĂveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da Verdade.
XV
Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lĂşbricas e belas…Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixĂŁo deixaram.Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tĂŁo cheio
De luz tĂŁo viva, que abrasasse tanto.
Mensagem – Mar PortuguĂŞs
MAR PORTUGUĂŠS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te portuguĂŞs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ă“ mar anterior a nĂłs, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longĂnqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,
Neruda e GarcĂa Lorca em Homenagem a RubĂ©n Dario
Eis o texto do discurso:
Neruda: Senhoras…
Lorca: …e senhores. Existe na lide dos touros uma sorte chamada «toreio dei alimĂłn», em que dois toureiros furtam o corpo ao touro protegidos pela mesma capa.
Neruda: Federico e eu, ligados por um fio eléctrico, vamos emparelhar e responder a esta recepção tão significativa.
Lorca: É costume nestas reuniões que os poetas mostrem a sua palavra viva, prata ou madeira, e saúdem com a sua voz própria os companheiros e amigos.
Neruda: Mas nós vamos colocar entre vós um morto, um comensal viúvo, escuro nas trevas de uma morte maior que as outras mortes, viúvo da vida, da qual foi na sua hora um marido deslumbrante. Vamos esconder-nos sob a sua sombra ardente, vamos repetir-lhe o nome até que a sua grande força salte do esquecimento.
Lorca: NĂłs, depois de enviarmos o nosso abraço com ternura de pinguim ao delicado poeta Amado Villar, vamos lançar um grande nome sobre a toalha, na certeza de que vĂŁo estalar as taças, saltar os garfos, buscando o olhar que todos anseiam, e que um golpe de mar há-de manchar as toalhas. NĂłs vamos evocar o poeta da AmĂ©rica e da Espanha: RubĂ©n…
ObsessĂŁo do Mar Oceano
Vou andando feliz pelas ruas sem nome…
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se Ă© muito longe o Mar Oceano…
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas… e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral…
BĂşzios calçando portas… caravelas
Sonhando imĂłveis sobre velhos pianos…
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, AntĂnous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina…
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhĂŁ, sĂł deixaria, sĂł,
Uma caixa de mĂşsica
Uma bĂşssola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza Ăşnica
De estarem inconclusos…
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas…
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
VĂ©spera
Amor: em teu regaço as formas sonham
o instante de existir: ainda Ă© bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirĂŁo em teu bruxedo.Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. És tão secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquitecto.Que presságios circulam pelo éter,
que signos de paixão, que suspirália
hesita em consumar-se, como flĂşor,
se não a roça enfim tua sandália?Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarĂŁo aberto em susto.
Examinas cada alma. É fogo inerte?
O sacrifĂcio há de ser lento e augusto.EntĂŁo, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no cĂrculo de luz que desenrolas!Contempla este jardim: os namorados,
dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de teu capricho o hermético astrolábio,
e perseguem o sol no dia findo.E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos,
Desdéns
Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz… O sândalo se evolua;O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas…
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolĂŞncia mĂłrbida, espanhola…Como eu sou infeliz! Como Ă© sangrenta
Essa mĂŁo impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!Essa mĂŁo de fidalga, fina e branca;
Essa mĂŁo, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!
A Vida que Vivemos
A vida que vivemos encerrou-se
na concha de coral duma lembrança.
Por muros altaneiros confmou-se,
volteia dentro deles em suave dança.Liberta de sonhar, por tal fronteira,
condenada a um eterno redopio,
pusilânime e triste timoneira
balançando ao sabor do teu navio,ó estranha expressão de movimento,
tĂŁo escrava de ti que nĂŁo tens fim,
Ăł reduto fechado dum tormentocujas mĂŁos me maltratam sĂł a mim,
deixa as aves lançarem no teu meio
essa sombra das asas por que anseio!
Coração Polar
NĂŁo sei de que cor sĂŁo os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo Ă© o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indĂcios de rosa e descoberta.NĂŁo sei de que cor Ă© essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e nĂŁo te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possĂvel
há um mar imaginário aberto em cada página
nĂŁo me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mĂŁos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sĂtio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu Ă©s.
Apresentação
Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.