O Excesso de Vingança
O duelo nasceu da convicção muito natural de que um homem não aguentaria injúrias de outro homem a não ser por fraqueza; mas porque a força do corpo podia dar às almas tímidas uma vantagem considerável sobre as almas fortes, para introduzir igualdade nos combates e dar-lhes por outro lado mais decência, os nossos pais imaginaram bater-se com armas mais mortíferas e mais iguais do que aquelas que tinham recebido da natureza; e pareceu-lhes que um combate em que se poderia tirar a vida de um só golpe teria certamente mais nobreza do que uma briga vil em que no máximo se poderia arranhar a cara do adversário e arrancar-lhe os cabelos com as mãos. Assim, vangloriaram-se de ter colocado nos seus usos mais elevação e mais elegância do que os romanos e os gregos que se batiam como os seus escravos. Achavam que aquele que não se vinga de uma afronta não tem coragem nem brio; não atinavam que a natureza, que nos inspira a vingança, podia, elevando-se ainda mais alto, inspirar-nos o perdão.
Esqueciam-se de que os homens são obrigados muitas vezes a sacrificar as suas paixões à razão. A natureza dizia mesmo, na verdade, às almas corajosas que era preciso vingar-se;
Passagens sobre Corpo
1477 resultadosComete um grande equívoco aquele que, ao obter a cura física, pensa ter alcançado o despertar. Quem não compreende que seu ‘Eu verdadeiro’ é totalmente livre ainda que o corpo não seja curado, acaba tropeçando mais cedo ou mais tarde.
Dia a dia devemos mudar para nos amoldar à pessoa que está ao nosso lado. Quando os dois estiverem unidos, corpo e alma, serão como duas partes formando um inteiro perfeito!
Mudez Perversa
Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrível que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e rumo.Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!
Sextina
Tanto de amor se disse que não sei
Como dizer que amor é outra coisa
Que nem só o teu corpo me fez rei
Nem tua alma só me deu a rosa
Tanto se disse menos o dizer
Esta paixão que é de todo o serE ao fim do ser ainda a outra coisa
Mais do que corpo e alma e ser não ser
Como entre vida e morte e sexo e rosa
Um morrer e um nascer. Como dizer
Este reino em que sou o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não seiComo dizer este Elsenor sem rei
Se tanto disse menos o dizer
Esta paixão que sabe o que não sei
Em Elsenor de ser e de não ser
Senão que amor ainda é outra coisa
Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosaComo dizer do sexo a alma e a rosa
Se amor é mais que ter e mais que ser
Um morrer ou nascer ou outra coisa
Entre a vida e a morte e um não dizer
Senão que disse tanto e ainda não sei
Como dizer de amor se servo ou reiSe disse tanto menos o dizer
Esta paixão da alma que não sei
Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser
Entre a vida e a morte o breve rei
Deste reino que fica à beira-rosa
Do teu corpo onde amor é outra coisaComo dizer de amor ser e não ser
Se amor mais do que amor é outra coisa
Mais do que ser e ter mais que dizer
Um morrer e nascer entre anjo e rosa
Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei
Admirar a Natureza e não admirar a mulher que é a sua obra mais bela e não a admirar, querendo-a, em tudo que ela é, espírito e corpo, é ser um poeta que faltou, na sua alma, à amplitude do mundo.
Saber Ler um Poema
– O poema está então centrado em si mesmo, monstruosamente solitário?
– Não tem pressa, pode bem esperar que o arranquem da sua solidão, possui forças expansivas bastantes, façam-no sair dali. Mas ou levam-no inteiro com o centro no centro e armado à vo]ta como um corpo vivo ou não levam nada, nem um fragmento. E o que muitas vezes se faz é contrabandear bocados: leva-se a parte errada dele na parte errada de nós para qualquer parte errada: filosofia, moral, politica, psicanálise, linguística, simbologia, literatura. Onde estão o corpo e a vida dele e a sua integridade? Onde, a solidão para escutar a solidão daquela voz? Porque é obrigatório dizé-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas lê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê — o nome: a revelação.
— Não é um destino assegurado.
— Só é seguro que a pergunta, a procura, o poema reincidente, cristalizam numa grande massa translúcida,
Um homem sem certezas perde quase tudo de ser homem. É como o corpo sem a carne, é como as ideias sem o pensamento, um homem sem certezas. Um homem vazio de certezas. Um homem vazio.
Quando dizemos que já estamos salvos, não estamos nos referindo ao corpo carnal; estamos falando do ‘Eu verdadeiro’, da Imagem Verdadeira, do ser substancial, do ser imortal existente no interior de todas as pessoas. Para o ilusório carnal não existe nem salvação nem perdição.
Saudade
Segue-me noite e dia o teu desejo!…
Oiço a tua voz rúbida e cantante
Suplicar-me a carícia do meu beijo,
numa teima exigente e perturbante!E o meu corpo vencido, dominado,
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
– e fica-se a sonhar… perdidamente!
A Verdade é um Modo de Estarmos a Bem Connosco
Cada época, como cada idade da vida, tem o seu secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio. Por ele sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse equilíbrio? Que é que o constitui? O destrói? Porque é que se não rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos? (Rebentámos nós, aqui há uns meses, em casa dos Paixões, ao ler um jornal de 186…). Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a moda que há anos usámos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo como no espírito, um equilíbrio de tensões. Só que as do espírito, mais do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o espírito, mete-se-lhe uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso mecanismo sem que lhe rebente as estruturas.
Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Teu corpo combina com meu jeito, Nós dois fomos feitos muito pra nós dois.
Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma. Como o corpo que se lava não fica sujo, sem oração se torna impuro.
A Minha Hora
Que horas são? O meu relógio está parado,
Há quanto tempo!…
Que pena o meu relógio estar parado
E eu não poder marcar esta hora extraordinária!
Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento,
Hora som de violino a expirar… Hora vária,
Hora sombra alongada de convento…Hora feita de nostalgia
Dos degredados…
Hora dos abandonados
E dos que o tédio abate sem cessar…
Hora dos que nunca tiveram alegria,
Hora dos que cismam noite e dia,
Hora dos que morrem sem amar…Hora em que os doentes de corpo e alma,
Pedem ao Senhor para os sarar…
Hora de febre e de calma,
Hora em que morre o sol e nasce o luar…
Hora em que os pinheiros pela encosta acima,
São monges a rezar…Hora irmã da caridade
Que dá remédio aos que o não têm…
Hora saudade…
Hora dos Pedro Sem…
Hora dos que choram por não ter vivido,
Hora dos que vivem a chorar alguém…Hora dos que têm um sonho águia mas… ai!
Águia sem asas para voar…
Trate seus homens como seus filhos, e eles o seguirão aos vales mais escuros.Trate-os como filhos queridos, e eles o defenderão com o próprio corpo até a morte.
A Maior Humildade
Não acusar-me. Buscar a base do egoísmo: tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é — no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente —; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo; se a civilização dos Maias não me interessa é porque nada tenho dentro de mim que se possa unir aos seus baixos-relevos; aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber; é essa a minha maior humildade, adivinhava ela.
A morte não é uma destruição, é um lento acabar, um lento sumir. Vai-se o cadáver, mas… o corpo que morre é como um frasco de fina essência que se quebra deixando a casa, por muito, impregnada de aromas, até que o tempo o vai desvanecendo, e fica somente a saudade, que é a memória do coração.
Vocês podem me acorrentar, me torturar; podem até mesmo destruir meu corpo, mas nunca irão aprisionar a minha mente.
A alma é aquilo que o corpo recusa.