Passagens sobre Criação

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Quando se ama é que se consegue ser qualquer coisa da criação. Quando se ama não temos necessidade nenhuma de entender o que acontece, porque tudo passa a acontecer dentro de nós, e os homens podem se transformar em vento. Desde que os ventos ajudem, é claro.

A Esterilidade da Crítica

Personagem que Deus não cuidou de convocar quando criou o mundo, o crítico faz questão de estabelecer uma hierarquia nas obras de criação e nas obras do espírito humano. Assim geram-se inveja e desprezo, e o desânimo dos maiores, ante injustiças; assim ficam eles à mercê dos seus inferiores, os estéreis. A única estética sadia é a que não cogita de medir impressões produzidas por tipos diferentes, a que coloca no mesmo plano todos os grandes esforços intelectuais da humanidade, fundindo-os no génio humano, como as cores se fundem na luz sem sobressair nenhuma.

O Supremo Palhaço da Criação

A velha noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar alegremente para o baú das ilusões perdidas. O facto é que a vida do homem, quanto mais estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um sub-produto acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido desses mesmos deuses.
(…) O que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria seja abandonada pela grande maioria dos homens. Pelo contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adoptada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos? Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível,

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O Dom de Deixar Ir

É preciso aprender a viver. A qualidade da nossa existência depende de um equilíbrio fundamental na nossa relação com o mundo: apego e desapego. Nesta vida, a ponderação, a proporção e a subtileza são sempre melhores que qualquer arrebatamento. Mas o essencial é aprender que a existência é feita de dádivas e perdas.

Eis porque quem reza deve pedir e agradecer: tudo é, na verdade, um dom. Tudo passa… importa pois prepararmo-nos para a perda, ainda que tantas vezes não seja senão temporária… Alegrias e dores. Só há felicidade num coração onde habita a sabedoria e paciência dos tempos e dos momentos, a paz de quem sabe que são muitos os porquês e para quês que ultrapassam a capacidade humana de compreender.

Na vida, tudo se recebe e tudo se perde.
Amar é um apego natural mas também obriga a que deixemos o outro ser quem é, abrindo mão e permitindo-lhe que parta, ou que fique, sem desejar outra coisa senão que seja radicalmente livre. Aprendendo que há muito mais valor no ato de quem decide ficar do que naquele de quem só está por não poder partir.

Nada verdadeiramente nos pertence. O sublime do amor está aí,

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Somos tentados a pensar que não entrou no plano da ‘Criação’ a ideia de que o homem fosse feliz.

Prudencio Aguilar vinha duas vezes por dia conversar com ele. Falavam de galos. Prometiam fazer uma criação de animais magníficos, não tanto para desfrutar umas vitórias que no momento já não lhes fariam falta, mas para ter alguma coisa com que se distrair nos tediosos domingos da morte

Se o autor não se emociona com a sua própria criação, dificilmente pode esperar que outros o façam. Com franqueza, divirto-me com as minhas comédias mais do que o público.

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume ancião de idades mortas…

O que descobrimos sobre nós próprios durante a criação dos nossos filhos não é sempre agradável ou atraente.

Este é o Verdadeiro Amor de que Tanto se Fala

Estranho e inexplicável sentimento este! Que quando sinto transbordar-me do coração toda esta imensa ventura, acomete-me então um terror grande – parece-me que é impossível ser tão feliz – que o Mundo não comporta esta ventura celeste, e que chegado ao ápice de todas as felicidades já será forçoso declinar. (…) Sucede-te isto também a ti, esposa querida do meu coração? Conheces tu também este tormento, anjo divino?
Ai, Rosa, minha doce Rosa, este que nós sentimos, este é o verdadeiro amor de que tanto se fala, e tão pouco se sabe o que é. São regiões pouco conhecidas em que a cada passo se encontram belezas nunca sonhadas, terrores inexplicáveis, felicidades sem par e tristezas que não têm nome.

(…) Oh! Como se riria de mim quem lesse esta carta, Rosa! – De mim que eles julgam um incrédulo, um céptico, e cujas palavras sarcásticas no Mundo não significam senão a mais perfeita indiferença por tudo! Há dois homens em mim, vida desta alma; um é o que vêem todos, o que fez a experiência, a sociedade e o conhecimento de suas misérias e nulidades – o outro é o que tu fizeste, é a criação do teu amor,

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O Poema é uma Árvore de um Só Fruto

Creio que nenhum de vós há-de estranhar que eu diga que o poeta é aquele que perdeu a palavra antes de a poder dizer; dito de outro modo. Ele é o que fala ou escreve antes de conhecer o enunciado do que vai dizer. O grito, o silêncio, a aridez da não inspiração determinam inicialmente a criação poética; o poema nunca é real, nunca se efectiva numa conclusão, ou num objectivo determinado. O poema nasce de um grito, de um assombro, de uma ruptura, da noite do nada e da disponibilidade da linguagem relacional; é sempre a transposição de um referente real ou imaginário para uma linguagem de equivalência, mas necessariamente, livremente, distanciada da referência. Esta linguagem é a «coerência da incoerência», «uma linguagem na linguagem», mantendo embora a voz mesma do existente ausente que é o poeta, no «fingimento», na ficção, na heteronímia do poema. Longe de ser um astro fixo, o poema suspende o enunciado para fluir numa relação metamórfica de palavras, de imagens, de sons e de relações que são todos os elementos consonantes do poema; o poema é, assim, um ébrio fluir de chamas, de estrelas, de possibilidades, de vibrações, de silêncios de uma respiração errante em que a verdade nos escapa no mistério da sua nostalgia,

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O Cansaço da Literatura

Entre os sinais que me avisam de que a juventude terminou, o principal é aperceber-me de que a literatura já não me interessa verdadeiramente. Quero dizer que já não abro os livros com aquela viva e ansiosa esperança de coisas espirituais que, apesar de tudo, outrora sentia. Leio e quereria ler cada vez mais, mas já não recebo as várias experiências com entusiasmo, já não as fundo num sereno tumulto pré-poético. A mesma coisa acontece-me ao passear por Turim; já não sinto a cidade como um incentivo sentimental e simbólico para a criação. Já está feito, dá-me vontade de responder de cada vez.
Tomadas em justa conta as minhas várias equimoses, obsessões, fadigas e terrenos estéreis, resulta claro que já não sinto a vida como uma descoberta e, muito menos, então, como poesia – mas, antes, como um frio material para especulações, análises e deveres. Aqui encalha, agora, a minha vida: a política, a prática, tudo coisas que se aprendem nos livros, mas os livros não alimentam como o faz, pelo contrário, a esperança de criação.
Ora, quando novo, procurava um sistema ético: descoberta a posição do impassível explorador, vivia-a e desfrutava-a sob a forma de criação. Agora,

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Se eu a formulasse, a minha definição de obra de arte seria: ‘Uma obra de arte é um ângulo da criação vista através de um temperamento’.

A Obra Nunca Está Concluída

Considera-se, muitas vezes, a obra de um criador como uma sequência de testemunhos isolados. Confunde-se então artista e literato. Um pensamento profundo está em perpétua formação, esgota a experiência de uma vida e nela se modela. Do mesmo modo, a criação única de um homem fortifica-se nos seus rostos sucessivos e múltiplos, que são as obras. Umas completam as outras, corrigem-as ou alcançam-as, contradizem-as também. Se alguma coisa termina a criação, não é o grito vitorioso e ilusório do artista, ofuscado: «Disse tudo», mas a morte do criador que fecha a sua experiência e o livro do seu génio.
Esse esforço, esta consciência sobre-humana, não aparece forçosamente ao leitor. Não há mistério na criação humana. É a vontade que faz esse milagre. Em todo o caso, não há verdadeira criação sem segredo. Sem dúvida, uma sequência de obras pode não passar de uma série de aproximações do mesmo pensamento. Mas podemos conceber outra espécie de criadores que procederiam por justaposição. As suas obras podem parecer sem relação entre si. Em certa medida, são contraditórias. Mas, colocadas de novo no seu conjunto, denunciam uma ordem. É, pois, da morte que recebem o seu sentido definitivo. Aceitam a sua luz mais clara da própria vida do seu autor.

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A verdadeira diferença entre a construção e a criação é esta: uma coisa construída só pode ser amada depois de construída, mas uma coisa criada ama-se mesmo antes de existir.

Eu penso que aquilo que faz com que nós continuemos vivos e capazes de criar é isso mesmo, uma inquietação constante. Sem ela não pode haver criação, quem não põe, sempre, tudo em causa, arrisca-se a ter uma vida interior de três assoalhadas.