O Universo é a criação suprema de Deus. Abrangem todos os seres racionais e irracionais, animados e inanimados, materiais e imateriais.
Passagens sobre Criação
211 resultadosA vida é um movimento de assimilação progredindo sem cessar. No seu caminho suprime todos os obstáculos, assimilando-os. A sua essência é a criação contínua de desejos e de ideais.
A Arte e a Vida
Todos nós sabemos, quando fazemos algo, o quanto deixámos de fora, o quão grandemente falhámos, e carregamos dentro de nós uma imagem da coisa perfeita que falhou na materialização, e isso nós encaramos como o poema, isso é o que pedimos que nos reconheçam. Isso é o nosso orgulho, o nosso ego, exigindo completo reconhecimento.
E é difícil separar a obra de arte do homem ou da mulher que a produziu. Tendemos a confundir os dois. No fim de contas, suponho, a história da luta que o artista atravessou para dar à luz a sua ideia é tão patente, tão intensa, que mesmo que queiramos permanecer críticos — às vezes — vemos que é quase impossível fazê-lo. Mas só porque a arte não é vida, só porque a arte é uma criação tão inextrincavelmente ligada à vida, precisamos de fazer grandes esforços para isolar o elemento da arte em vez do elemento da vida. Por vezes, parece-me quase ridículo dizermos que este homem é mais humano do que aquele, que revela mais da vida, etc., no seu trabalho.
Como pode alguém realmente dizer isso… se levarmos isto ao limite? Porque o último movimento da caneta é revelador…
O Isolamento do Criador
Há uma sensação de infidelidade na comunicação. Essa verificação faz com que o criador esteja sempre insatisfeito, dominado pelo desejo de fazer cada vez melhor, porque há um fracasso imanente em toda a criação. Essa verificação pode levar a uma tentativa interminável ou ao isolamento pelo silêncio. Mas para o criador o isolamento é a sua oficina.
O Que Há de Mais Belo na Nossa Vida
O que há de mais belo na nossa vida é o sentimento do mistério. É este o sentimento fundamental que se detém junto ao berço da verdadeira arte e da ciência. Quem nunca o experimentou nem sabe já admirar-se ou espantar-se. Pode considerar-se como morto, sem luz, totalmente cego! A vivência do mistério — embora com laivos de temor — criou também a religião. A consciência da existência de tudo quanto para nós é impenetrável, de tudo quanto é manifestação da mais profunda razão e da mais deslumbrante beleza e, que só é acessível à nossa razão nas suas formas mais primitivas, essa consciência, esse sentimento, constituem a verdadeira religiosidade. Nesse sentido, e em mais nenhum, pertenço à classe dos homens profundamente religiosos. Não posso conceber um Deus que recompense e castigue os objectos da sua criação, ou que tenha vontade própria, de puro arbítrio no género da que nós sentimos dentro de nós. Nem tão-pouco consigo imaginar um indivíduo que sobreviva à sua morte corporal; as almas fracas que alimentem tais pensamentos fazem-no por medo ou por egoísmo ridículo. A mim basta-me o mistério da eternidade da vida, a consciência e o pressentimento da admirável elaboração do ser, assim como o humilde esforço para compreender uma partícula,
Nasci de Novo
Terminei o poema e levei-te o terceiro acto. Conduziste-me junto da cadeira, defronte do canapé, abraçaste-me e disseste: «Agora já não desejo mais nada na vida». Nesse dia, a essa precisa hora, nasci de novo. Até então fora uma vida preparatória. Depois começou a minha vida póstuma. Mas nesse momento maravilhoso vivi o meu presente. Sabes bem como o recebi: não sobreexcitado, tempestuoso, inebriado, mas solenemente o recebi, doce, calorosa e profundamente perturbado, e como que olhando o infinito diante de mim. Cada vez me desligara mais dolorosamente do Mundo. Tudo em mim se tornara negação, recusa. As minhas próprias criações eram-me apenas sofrimento, nostalgia, e um insaciável desejo de opor a essa negação, a essa nostalgia, uma afirmação – além de poder desdobrar-me num outro eu. Esse momento único concedeu-mo. Uma mulher terna, tímida, receosa, lançou-se corajosamente no oceano do sofrimento para me oferecer esse instante adorável. Para me dizer: amo-te. Foi como se te tivesses dedicado à morte para me dares a vida; e eu recebi a vida para contigo sofrer e morrer.
Vítima Do Dualismo
Ser miserável dentre os miseráveis
– Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiosincrasias!Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo…
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!
Lembre-se que a criação de um casamento bem sucedido é como a agricultura: tem que começar tudo de novo todas as manhãs.
Preciso de Ti para Ser Eu
Ser quem sou passa por ser capaz de criar ligações ao outro, com o outro e para o outro. Só há pessoas porque há relações. A minha existência é constituída pelos caminhos que sonho, construo e percorro, ao lado de outras pessoas que, como eu, sonham, constroem e percorrem os seus caminhos. Vontades distintas, dinâmica comum. Seguimos, cada um pelos seus princípios, cada um para os seus fins.
O amor leva o ser do seu autor ao ser do que é amado. Amar é ser e ser é amar. Partilhar-se com o outro e com o mundo, num milagre de multiplicação em que quanto mais se dá, mais se tem para dar, mais se é.
Um pequeno erro na base leva a potenciais tragédias nas conclusões. Há quem parta do princípio que o amor é recíproco. Ora, essa ideia simples acaba por ser origem de enormes tragédias pessoais. O amor não é recíproco, é pessoal, nasce no mais íntimo da nossa identidade. Não é metade de nada, é um todo. Precisa do outro como fim, não como princípio.
O amor é bondade generosa. É dar o bem. Dar-se. Conseguir ser fonte de amor é o maior dos bens que se pode alcançar.
Religião do Medo
Com o homem primitivo é o medo acima de tudo que evoca noções religiosas — medo da fome, das feras, da doença, da morte. Como neste estado de existência o conhecimento das relações causais está usualmente pouco desenvolvido, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos semelhantes a si própria de cujos desejos e actos dependem esses acontecimentos assustadores. Por isso, tentamos obter o favor destes seres realizando acções e oferecendo sacrifícios que, de acordo com as tradições passadas de geração em geração, os tornam favoráveis ou bem dispostos em relação aos mortais. Neste sentido, estou a falar de uma religião do medo. Isto, apesar de não ter sido criado, é em alto grau estabilizado pela criação de uma casta sacerdotal especial que se institui a si mesma como mediadora entre as pessoas e os seres que elas receiam e ergue uma hegemonia assente nisso. Em muitos casos, um líder, um governante ou uma classe privilegiada, cuja posição assenta noutros factores, combinam as funções sacerdotais com a sua autoridade secular, de modo a garantirem mais firmemente a primeira, ou os governantes políticos e a casta sacerdotal defendem a mesma causa para defenderem os próprios interesses.
O Mal da Cidade
O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –
Somos o Mistério
No fim desta época, como se toda a longa viagem tivesse sido inútil, volto a ficar sozinho nos territórios recém-descobertos. Como na crise do nascimento, como no começo alarmante e alarmado do terror metafísico donde brota o manancial dos meus primeiros versos, como num novo crepúsculo que a minha própria criação provocou, entro numa nova agonia e na segunda solidão. Para onde ir? Para onde regressar, conduzir, calar ou palpitar? Olho para todos os pontos da claridade e da obscuridade e não encontro senão o vazio que as minhas próprias mãos elaboraram com persistência fatal.
Mas o mais próximo, o mais fundamental, o mais extenso, o mais incalculável, não apareceria, afinal, senão neste momento no meu caminho. Tinha pensado em todos os mundos, mas não no homem. Tinha explorado com crueldade e agonia o coração do homem. Sem pensar nos homens, tinha visto cidades, mas cidades vazias. Tinha visto fábricas de trágico aspecto, mas não vira o sofrimento debaixo dos tectos, sobre as ruas, em todas as estações, nas cidades e no campo.
Às primeiras balas que trespassaram as violas de Espanha, quando, em vez de sons, saíram delas borbotões de sangue, a minha poesia deteve-se como um fantasma no meio das ruas da angústia humana e começou a subir por ela uma torrente de raízes e de sangue.
Adeus, esforço de asa apenas acenado, livre obstinação de voo, universo pelo verbo revelado, criação e prodígio!
A ideia da extensão e da plenitude infinitas do cosmo é o resultado da mistura levada ao extremo da criação laboriosa e da livre auto-reflexão.
Quem no mundo menos sabe dos mistérios da criação, é o próprio artista.
É obrigatório dizê-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas tê-los fora e ver.
Inteligência e Intuição
O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objecto e também reflectir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais – do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objecto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de reflectir sobre o seu objecto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si.
Mais do que Amor
O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.
Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.
Se a razão é a poesia – e a minha causa é só essa, a criação poética – então, o importante não é tanto a língua, nem sequer o quanto ela nos é materna. Mais importante é essa outra língua que falamos mesmo antes de nascermos. Nesse registo está a porta e o passaporte em que todos nos fazemos humanos, fabricadores da palavra e, com igual mestria, criadores de silêncio.
Depois de Te Haver Criado, a Natureza Pasmou
A mãe, que em berço dourado
Pôs teu corpo cristalino,
É sup’rior ao Destino,
Depois de te haver criado.
Quando Amor, o Nume alado,
Tua infância acalentou,
Quando os teus dias fadou,
Minha Lília, minha amada,
A mãe ficou encantada,
A Natureza pasmou.Deve dar breve cuidado,
Motivar grande atenção,
A um Deus a criação,
Depois de te haver criado.
Deve de ser refinado
O engenho que ele mostrar
Desde o ponto em que criar;
Cuide nisto a omnipotência,
Porque, ao ver a sua essência,
A Natureza pasmou.Ao mesmo Céu não é dado
(Bem que tanto poder goza)
Criar coisa tão formosa
Depois de te haver criado.
Naquele instante dourado,
Em que teus dotes formou,
Apenas os completou,
Arengando-lhe o Destino,
Em um êxtase divino
A Natureza pasmou.O Céu nos tem outorgado
Quanto outorgar-nos podia;
O Céu que mais nos daria
Depois de te haver criado?
Ninfa, das Graças traslado,
Ninfa, de que escravo sou,
Jove em ti se enfeitiçou,