RelĂquia
Era de minha mĂŁe: Ă© um pobre xale
que tem pra mim uma carĂcia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
da que ele agasalhou em nossa casa.Na sua trama já puĂda e lassa
deixo os meus dedos pra senti-la ainda;
e Ela vem, é Ela que me abraça,
fala de coisas que a saudade alinda.É a minha mãe mais perto, mais pertinho,
que eu sinto quando toco o velho xale,
que guarda um nĂŁo sei quĂŞ do seu carinho.E quando a vida mais me dĂłi, no escuro,
sinto ao tocá-lo como alguém que embale
e beije a minha sede de amor puro.
Passagens sobre Dedos
286 resultadosFalsos Amigos
Tenho amigos que pensam confundir-me
igualando a loucura à minha ânsia.
Pobrezitos!, que tentam destruir-me
havendo de permeio esta distância.Eu tenho pena de não ser um deles,
ao menos uma vez, por uns momentos.
Gostava de morrer um dia neles,
ressuscitando nos seus pensamentos.Pintar-lhes-ei um dia o rosto a sério,
com talento nascido de neurose
que faça vê-los nus no baptistério
onde lavam a alma da esclerose?Toda a gente rirá desse retrato,
e haverá certamente prò comprar
um novo-rico que lhe admire o fato
e o pendure na sala de jantar.Hei-de pĂ´r-Ihes uns olhos que reluzam,
mas vazios nas Ăłrbitas repletas,
profanação nos dedos que se cruzam,
num indigno repouso de poetas.Ah, sĂŁo eles que procuram destruir-me,
criticando-me as faces controversas!,
mas apenas conseguem reunir-me
nas mil forças que tenho bem dispersas.
A areia do tempo escorre de entre meus dedos. Ai que medo de amar!
Engrinalda-me com os Teus Braços
Teu corpo de âmbar, gótico, afilado,
Sempre velado de cheirosos linhos,
Teu corpo, aprilino prado,
Por onde o meu desejo, pastor brando,
Risonho há-de viver, pastoreando
Meus beiços, desinquietos cordeirinhos,
Teu corpo Ă© esbelto, Ăł zagaia esguia,
Como as harpas que o pai de Salomão tangia!Teu corpo eléctrico, ogival,
NĂşbil, sequinho, perturbante,
É uma dispensa real:
Os teus olhos sĂŁo duas cabacinhas
Cheias dum vinho estonteante
Os teus dentes sĂŁo alvas camarinhas,
Os teus dedos, suavĂssimos espargos,
E os teus seios, pĂŞssegos verdes mas nĂŁo amargos.Lira de nervos, glĂłria das trigueiras,
Como tu Ă©s graciosa! As laranjeiras,
Desde que viste o sol com esses sĂłis amados,
SĂł vinte vezes perfumaram noivados!
Nobre e graciosa Ă©s, morena das morenas,
Como as senhoras de olhos belos,
Que passeavam nos jardins de Atenas
Com uma cigarra de ouro nos cabelos!Como tu, eu sou moço! e atrevido
Com Anceu, rei de Samos,
E jamais caçador me fez vencido,
Quando, caçando o javali, ando entre os ramos.
O meu peito Ă© de jaspe,
a teia do olhar
as duas mĂŁos no rosto
descrevo-te o silêncio sob os lábios
juntos
agora celebrando as delicadas sedes
e rindo sobre a haste
onde a saliva tardao tacto Ă© uma arma onde o esplendor devora
os sinuosos dedos
e paira sobre o ardor
onde incendeio os pulsoso amor é uma dança
a demolir-me o peito
Aleluia
Era a mulher — a mulher nua e bela,
Sem a impostura inĂştil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela…
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bĂblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo — a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher — a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo…
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nĂłs, homens, o direito Ă vida!