O novo desengano consegue nos enganar fazendo crer que Ă© o Ăşltimo.
Passagens sobre Desengano
68 resultadosMeus Olhos, Atentai no Meu Jazigo
Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vĂŞs com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”
X
Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lĂrios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer AlĂ©m novos martĂrios.De mĂŁos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro cĂrios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade MĂ©dia, morta em sagrados delĂrios.Os poentes sepulcrais do extremo desengano
VĂŁo enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…
Finalmente outra Vez Vejo Perdida
Finalmente outra vez vejo perdida
Ă€s mĂŁos do amor, a doce liberdade
Que já livrei da sua crueldade
Como quem de um naufrágio salva a vida.Já no meu coração nova ferida
Abrem os duros golpes da saudade;
E já vive outra vez minha vontade
De esperanças aéreas revestida.Nunca cuidei que visse, amor tirano,
TĂŁo depressa quebrado o juramento
Que fiz no puro altar do desengano.Mas quem pode viver de amor isento,
Vendo naquele rosto soberano
De tais olhos o doce movimento?
Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que Ă© puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidĂŁo sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
A Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ă“ fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
A Ordem das Coisas
Natura deficit, fortuna mutatur, deus omnia cernit. A natureza trai-nos, a sorte muda, um deus vĂŞ do alto todas estas coisas. Apertava ao dedo a mesa de um anel onde, num dia de amargura, mandava gravar estas palavras tristes; ia mais longe no desengano, talvez na blasfĂ©mia; acabava por achar natural, senĂŁo justo, que devĂamos perecer. As nossas letras esgotam-se; as nossas artes adormecem; Pâncrates nĂŁo Ă© Homero; Arriano nĂŁo Ă© Xenofonte; quando tentei imortalizar na pedra a forma de AntĂnoo nĂŁo encontrei PraxĂteles. Depois de AristĂłteles e de Arquimedes, as nossas ciĂŞncias nĂŁo progridem; os nossos progressos tĂ©cnicos nĂŁo resistiriam ao desgaste de uma longa guerra; mesmo os nossos voluptuosos desgostam-se da felicidade. O abrandamento dos costumes, o avanço das ideias no decorrer do Ăşltimo sĂ©culo Ă© obra de uma infima minoria de bons espĂritos; a massa continua ignara, feroz, quando pode, de qualquer forma egoĂsta e limitada, e há razões para apostar que ficará sempre assim. Procuradores a mais, publicanos ávidos, demasiados senadores desconfiados, demasiados centuriões brutais comprometeram adiantadamente a nossa obra; e os impĂ©rios, como os homens, já nĂŁo tĂŞm tempo para se instruĂrem Ă custa das suas faltas. Onde quer que um tecelĂŁo remendar o seu pano,
Tu, VĂŁ Filosofia
Tu, vĂŁ Filosofia, embora aviltes
Os crentes nas visões do pensamento,
Turvo clarĂŁo de raciocĂnios tristes
Por entre sombras nos conduz, e a mente,
Rastejando a verdade, a desencanta;
Nem doloroso espĂrito se ilude,
Se o que, dormindo, creu, crĂŞ, despertando.
Até no afortunado a vida é sonho
(Sonho, que lá no fim se verifica),
E ansioso pesadelo em mim, que a choro,
Em mim, que provo o fel da desventura,
Desde que levantei, que abri, carpindo,
Os olhos infantis Ă luz primeira;
Em mim, que fui, que sou de Amor o escravo,
E a vĂtima serei, e o desengano
Da suprema paixĂŁo, por ti cantada
Em versos imortais, como o princĂpio
Etéreo, criador, de que emanaram.
Onde Porei Meus Olhos que nĂŁo Veja
Onde porei meus olhos que nĂŁo veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?já sei como s’engana quem deseja,
Em vĂŁo amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que sĂŁo de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est’alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;E vou de dia em dia, de ano em ano,
ApĂłs um nĂŁo sei quĂŞ, apĂłs um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.
Nos princĂpios amorosos, os desenganos prontos costumam ser remĂ©dios excelentes.
Esperanças de um Vão Contentamento
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
XLIV
Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsĂssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto nĂŁo mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.
Ante Tamanhas Mudanças
Antre tamanhas mudanças,
que cousa terei segura?
Duvidosas esperanças,
tĂŁo certa desaventura…Venham estes desenganos
do meu longo engano, e vĂŁo,
que já o tempo e os anos
outros cuidados me dĂŁo.
Já não sou para mudanças,
mais quero ĂĽa dor segura;
vá crê-las vãs esperanças
quem nĂŁo sabe o qu’aventura!
A um Amigo
Fiel ao costume antigo,
Trago ao meu jovem amigo
Versos prĂłprios deste dia.
E que de os ver tĂŁo singelos,
TĂŁo simples como eu, nĂŁo ria:
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda Ă flor.Recebe este voto, amigo,
Que eu, fiel ao uso antigo,
Quis trazer-te neste dia
Em poucos versos singelos.
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.
Solemnia Verba
Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura, fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…PĂł e cinzas, onde houve flor e encantos!
E a noite, onde foi luz a Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver nĂŁo foi em vĂŁo, se isto Ă© vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.
XXXIX
Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glĂłria, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que entĂŁo me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
VĂŞ-se a ruĂna ao desengano exposta:Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!
Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano.
Quem busca o desengano tarde, nĂŁo se desengana.
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!
De Duas Maneiras Cega a Fortuna
No golfo de uma privança, nunca o perigo Ă© mais certo, que quando a fortuna Ă© mais prĂłspera. De duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como fouce; com uma mĂŁo abraça, e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira, e com a que corta mostra o desengano. Consiste a prudĂŞncia em que se temam os resplendores da luz, para que se nĂŁo cegue aos rigores do golpe. NĂŁo faz mal Ă embarcação o penedo que sobressai por cima da água; porque para evitar o perigo sabe o piloto desviar a nau, por ver manifesto o perigo. Nos penedos que as águas escondem, aĂ naufraga sempre o baixel; porque cobriu com capa de cristal uma ruĂna de penhasco, e os que, navegando pelo mar, caminham com os olhos nas ondas, facilmente se esvaem, e quanto maior Ă© na cabeça o esvaecimento, vem a ser mais no coração a fraqueza. NĂŁo sabe o que navega quanto tem vencido de distância, se do mesmo mar nĂŁo tira os olhos, e sĂł fazendo balizas na terra sabe o quanto no mar caminham. É um golfo grande o da privança, e a maior prudĂŞncia consiste em que se divirtam de alguma vez os olhos,