A Justa Medida, sem Grandezas nem Excessos
Uma grande alma distingue-se por desprezar a grandeza, e por preferir a justa medida aos excessos, já que a primeira se limita ao que é útil e indispensável à vida, enquanto os últimos se tornam nocivos pelo próprio facto de serem supérfluos. É assim que a fertilidade excessiva prejudica as searas, os colmos partem-se com o peso e a demasiada abundância de grão não chega a amadurecer. O mesmo ocorre com as almas corroídas por um bem estar desmesurado, do qual usam em prejuízo não só dos outros como de si próprias. Nenhum inimigo inflingiu a alguém golpes tão duros como aqueles que certas pessoas sofrem ocasionados pelos próprios prazeres. Só uma coisa pode desculpar a imoderação, a louca voluptuosidade de tal gente: é que sofrem a consequência dos seus actos.
Não é sem razão, aliás, que uma tal loucura se apodera delas: o desejo de ultrapassar os limites naturais descamba necessariamente na desmesura. A necessidade natural tem o seu termo próprio, enquanto as necessidades artificiais derivadas do prazer nunca conhecem limitações. A utilidade serve de medida ao que é indispensável; mas por que padrão aferir o que é supérfluo? Por conseguinte, muitos afundam-se em prazeres sem os quais,
Passagens sobre Desgraças
295 resultados4A Sombra – Fabíola
Como teu riso dói… como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito…
Fabíola!… É teu nome!… Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s’eleva!…E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores…É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue… é meu… Desgraça!
Uma Completa Fome por Ti
Anais,
Não esperes que continue são. Não vamos ser sensatos. Foi um casamento, em Louveciennes — não podes negá-lo. Voltei com pedaços de ti pegados a mim. Estou a andar, a nadar num oceano de sangue, o teu sangue andaluz, destilado e venenoso. Tudo o que faço e digo e penso tem a ver com o casamento. Vi-te como a senhora do teu lar, uma moura de cara pesada, uma negra com um corpo branco, olhos por toda a tua pele, mulher, mulher, mulher. Não consigo ver como conseguirei viver longe de ti — estas interrupções são uma morte. Como te pareceu quando o Hugo voltou? Eu continuava aí? Não consigo imaginar-te a moveres-te com ele como fizeste comigo. Pernas fechadas. Fragilidade. Doce, traiçoeira aquiescência. Docilidade de pássaro. Tornaste-te uma mulher comigo. Isso quase me aterrorizou. Não tens só trinta anos de idade… Tens mil anos de idade.
Aqui estou de volta e ainda fervilhando de paixão, como vinho a fermentar. Não uma paixão apenas da carne, mas uma completa fome por ti, uma fome devoradora. Leio no jornal acerca de suicídios e homicídios e compreendo-o perfeitamente. Sinto-me assassino, suicida. Sinto talvez ser uma desgraça nada fazer,
A amizade? Desaparece quando o que é amado cai na desgraça ou quando o que ama se torna poderoso.
Há poucas desgraças neste mundo que não possas transformar num triunfo pessoal se tiveres uma vontade férrea e a competência necessária.
O Essencial da Vida é Igual em Toda a Parte
Seja qual for a forma que a vida humana assuma, os seus elementos são sempre os mesmos. Portanto, naquilo que é essencial, ela é a mesma em toda a parte, seja numa cabana, na corte, no mosteiro ou no exército. Por mais variados que sejam os seus eventos, as suas aventuras, as suas felicidades e as suas desgraças, dá-se com a vida, no entanto, o mesmo que com os produtos do pasteleiro. As figuras são numerosas e variam quanto à forma e cor; todavia, tudo é feito da mesma massa, e aquilo que acontece a um é muito mais parecido com aquilo que ocorreu a outro do que este possa pensar ao ouvir a narrativa. Os acontecimentos da vida assemelham-se às imagens do caleidoscópio, no qual a cada volta vemos algo diferente, mas em verdade temos sempre o mesmo diante dos olhos.
Quem semeia a injustiça colherá a desgraça
Quem semeia a injustiça colherá a desgraça.
O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora: o que realmente dói, na vida, é sofrer pelas próprias culpas.
É tal a falibilidade dos juízos humanos, que muitas vezes os caminhos por onde esperamos chegar à felicidade conduzem-nos à miséria e à desgraça.
A Alegoria da Caverna
– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,
A história, esse quadro terrível dos crimes, das perversidades e das desgraças do género humano.
Renúncia
Chora de manso e no íntimo… Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura…A vida é vã como a sombra que passa…
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira…
O Redentor Chorando
Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
Anima-te por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê-las.
A felicidade de cada indivíduo funda-se na desgraça de alguns outros; o interesse e a comunidade de uns exigem as privações e a infelicidade dos outros.
O amor é prazer, é amor de companhia, é amor de estar junto, precisa de mais coisas. (…) Mas onde é que está o amor completo? Essa ambição mata o amor, esse desejo de tudo ter da outra pessoa, de tudo exigir, de tudo querer, essa ambição leva a desgraça, a drama, a paixão sem controle, folha de árvore a cair no Outono.
Voltaire disse que o céu nos tinha dado duas coisas para equilibrar as numerosas desgraças da vida: a esperança e o sonho. Podia ter acrescentado o Riso.
Ser Mãe é Aceitar. Tudo.
Ser mãe é receber em si um outro que lhe vem de fora e acolhê-lo em vista de um futuro que pressente mas que, de maneira nenhuma, sabe explicar. Ser mãe é, antes de mais, aceitar. Tudo. Tudo.
É aceitar em si um outro para o qual ela se torna o mundo: gerando-o, alimentando-o, comendo, bebendo e respirando com ele… ele dentro de si, ela em volta dele.
É deixar esse outro ir embora e voltar a recebê-lo em cada dia, quando ele volta, quando ele se revolta e, também, quando ele não volta…
Ser mãe é acolher o que o outro lhe dá. Mas não como quem se alimenta do que lhe vem de fora, transformando-o em vida, que acolhe em si, e devolvendo ao mundo, já morto, aquilo que sobra. Ser é mãe é dar-se como alimento, transformando-se na vida daquele a quem se dá para depois… voltar depois ao mundo, gasta, apenas com o que lhe sobra.
Ser mãe é dar-se. Aceitando sempre qualquer resultado e resposta.Uma mãe, mais do que dar um filho ao mundo, deve dar um mundo ao filho. Um melhor que este, cheio de esperança e sonhos,
Os Distraídos e os Organizados
O «distraído» é a figura mais privilegiada de uma família, de um grupo de amigos, de uma empresa. O «distraído» chega sempre atrasado – paciência, é distraído. O «distraído» chumba na escola primária – coitado, é distraído. O «distraído» não dá presentes no Natal – deixa lá, é distraído. O «distraído» não pergunta pelas análises com que nos andávamos a consumir – não foi por mal, já sabes que é distraído. O «distraído» é engraçado e é fofinho. O seu defeito, na verdade, é uma virtude. O «distraído» mete nojo e faz inveja – e, se há uma presença de que não gostamos nunca de dispensar-nos, é a do «distraído». Dá patine, andar com o «distraído». O «distraído» é um charme. O «distraído» é aquilo que nós seríamos se não fôssemos esta desgraça que somos.
Porque depois, ao longo da vida, o «distraído» fica com os melhores empregos. O «distraído», bem vistas as coisas, não é aluado: é criativo – é um artista. E o «distraído» fica sempre com as raparigas mais giras também. Naturalmente: só é distraído quem pode – e o «distraído» é o mais bonito de nós todos. Também por isso, aliás, nos dá jeito emparceirar com o «distraído»: sempre pode ser que a gorda sobre para nós.
Não olhes para o dia do teu irmão no dia da sua desgraça
Não olhes para o dia do teu irmão no dia da sua desgraça.