A Vida Mais Vil Antes que a Morte
O sono é bom pois despertamos dele
Para saber que é bom. Se a morte é sono
Despertaremos dela;
Se não, e não é sono,Conquanto em nós é nosso a refusemos
Enquanto em nossos corpos condenados
Dura, do carcereiro,
A licença indecisa.Lídia, a vida mais vil antes que a morte,
Que desconheço, quero; e as flores colho
Que te entrego, votivas
De um pequeno destino.
Passagens sobre Destino
688 resultadosO Perigo da Hesitação Prolongada
Toda a gente há-de ter notado o gosto que têm os gatos de parar e andar a passear entre os dois batentes de uma porta entreaberta. Quem há aí que não tenha dito a algum gato: «Vamos! Entras ou não entras?» Do mesmo modo, há homens que num incidente entreaberto diante deles, têm tendência para ficar indecisos entre duas resoluções, com o risco de serem esmagados, se o destino fecha repentinamente a aventura. Os prudentes em demasia, apesar de gatos ou porque são gatos, correm algumas vezes maior perigo do que os audaciosos.
Frustração
Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo.
Era um sonho; era mais: – a alegria que chega,
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados,
atirando à corrente, num gesto, os sentidos…Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras;
dançava entre estrelas na distância, – via-a!
Meu destino! pensei, – eis o amor! – É esse sangue
que me queima por dentro e me agita: eis o amor!E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante!
Nos meus braços em concha era como uma pérola
escondida, o mistério do oceano a guardar…E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia!
Como a posse do amor está longe do amor
e o rumor que há na concha… está longe do mar!
A Esperança é o mais Frágil dos Sentimentos
Vivemos em Moçambique anos terríveis de guerra e de desespero. Quando me perguntam como sobrevivemos a esse tempo, as pessoas se apressam a falar da esperança. E dizem: pois é, a esperança é a última a morrer. É isso que se diz. Contudo, não é verdade. A esperança é o mais frágil dos sentimentos, um dos primeiros a desvanecer. Ela morre, porém, no sentido que os africanos têm da morte. Quer dizer, ela morre mas não fica morta. Continua vivendo entre nós, do nosso lado. E vai comandando, secreta e subtilmente, processos e destinos. A esperança não é a última a morrer ainda que possa ser a primeira a matar-nos. E estaremos mortos se aceitarmos conviver, com cinismo, num mundo em que fazemos de conta acreditar.
A Necessidade da Metafísica
A razão humana tem este destino singular, numa parte dos seus conhecimentos, de sucumbir ao peso de certas questões que não pode evitar. Com efeito, tais questões impõem-se à razão devido à sua mesma natureza, mas ela não pode responder-lhes porque de todo ultrapassam a sua capacidade.
Não devemos contar que o espírito humano renuncie um dia por completo às indagações metafísicas: seria o mesmo que aguardar que, em vez de respirar sempre um ar viciado, suspendêssemos um belo dia a respiração. Por conseguinte, haverá sempre no mundo, ou, melhor, em todo homem, sobretudo se ele reflecte, uma metafísica, que, na ausência de uma norma comum, cada qual talhará a seu grado; ora o que até aqui se tem denominado metafísica não pode satisfazer nenhum espírito reflectido, mas renunciar a ela por completo é também impossível; é necessário, pois, empreender enfim uma crítica da razão pura em si, ou, se alguma existe, perscrutá-la e examiná-la em conjunto; na verdade, não há outro meio de satisfazer esta exigência imperiosa, que é coisa muito diferente de um simples desejo de saber.
XV
Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que à bela
Antandra estais obedecendo;Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.
O carácter de um homem faz o seu destino.
A Antônio Nobre
Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto…Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca… O lindo som!Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos… Eu, nem isso…
Eu, não terei a Glória… nem fui bom.
Sensibilidade e Maturidade
Uma certa vivacidade de impressões, mais directamente dependentes da sensibilidade física, decresce com a idade. Ao chegar aqui, e sobretudo depois de ter aqui passado alguns dias, não senti, desta vez, essas vagas de tristeza ou de entusiasmo que este local me costumava comunicar, e cuja recordação, depois, me era tão doce.
Deixá-lo-ei, se calhar, sem a pena que outrora sentia. O meu espírito, por seu turno, tem hoje uma segurança muito maior, uma maior capacidade de fazer associações e de se exprimir; a inteligência cresceu, mas a alma perdeu parte da sua elasticidade e irritabilidade. E porque é que, ao fim e ao cabo, não partilhará o homem o destino comum de todos os outros seres?
Ao pegarmos num fruto delicioso, será justo pretender respirar ao mesmo tempo o perfume da flor? Foi preciso passar pela subtil delicadeza da nossa sensibilidade juvenil para chegar a esta segurança e maturidade do espírito. Talvez os grandes homens – é o que eu penso – sejam aqueles que, numa idade em que a inteligência possui já a sua plena força, ainda conservam parte dessa impetuosidade das impressões, que é própria da juventude.
Quanto ao seu supremo destino, a arte permanece para nós uma coisa do passado.
Tremo Quando te Escrevo
Meu amor adorado: a tua querida cartinha ao chegar-me hoje às mãos veio dar-me o primeiro momento de alegria desde que partiste. O que eu sinto corresponde exactamente – ai de mim – aos sentimentos que expressas, mas é-me muito difícil responder na tua bela língua a essas doces expressões, que merecem uma resposta mais em actos do que em palavras. Espero, no entanto, que o teu coração seja capaz de sugerir tudo o que o meu gostaria de te dizer. Talvez que se te amasse menos não me custasse tanto exprimir o meu pensamento, pois tenho de vencer a dupla dificuldade de expor um sofrimento insuportável numa língua estranha. Desculpa os meus erros. Quanto mais bárbaro for o meu estilo, mais se assemelhará ao meu Destino longe de ti. Tu, o meu único e derradeiro amor – tu, minha única esperança – tu, que já me habituara a considerar só minha – partiste e eu fiquei sozinho e desesperado. Eis a nossa história em poucas palavras. É esta uma provação que suportaremos como outras suportámos, porque o amor nunca é feliz, mas devemos, tu e eu, sofrer mais ainda, pois tanto a tua situação como a minha são igualmente extraordinárias.
Mas ela era do mundo em que vivem as coisas mais belas
Têm o pior destino:
E Rosa viveu o que vivem as Rosas,
O espaço de uma manhã.
XLVI
Não vês, Lise, brincar esse menino
Com aquela avezinha? Estende o braço;
Deixa-a fugir; mas apertando o laço,
A condena outra vez ao seu destino?Nessa mesma figura, eu imagino,
Tens minha liberdade; pois ao passo,
Que cuido, que estou livre do embaraço,
Então me prende mais meu desatino.Em um contínuo giro o pensamento
Tanto a precipitar-me se encaminha,
Que não vejo onde pare o meu tormento.Mas fora menos mal esta ânsia minha,
Se me faltasse a mim o entendimento,
Como falta a razão a esta avezinha.
Hino da Manhã
Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,
Ad Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
O que não enfrentamos em nós mesmos encontraremos como destino.
Saber Ler um Poema
– O poema está então centrado em si mesmo, monstruosamente solitário?
– Não tem pressa, pode bem esperar que o arranquem da sua solidão, possui forças expansivas bastantes, façam-no sair dali. Mas ou levam-no inteiro com o centro no centro e armado à vo]ta como um corpo vivo ou não levam nada, nem um fragmento. E o que muitas vezes se faz é contrabandear bocados: leva-se a parte errada dele na parte errada de nós para qualquer parte errada: filosofia, moral, politica, psicanálise, linguística, simbologia, literatura. Onde estão o corpo e a vida dele e a sua integridade? Onde, a solidão para escutar a solidão daquela voz? Porque é obrigatório dizé-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas lê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê — o nome: a revelação.
— Não é um destino assegurado.
— Só é seguro que a pergunta, a procura, o poema reincidente, cristalizam numa grande massa translúcida,
A Busca da Felicidade ou do Sofrimento
O homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse mesmo mundo. Efectivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo, sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na sua própria pátria. Excepto nos momentos fulgurantes da plenitude, toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus actos escapam-lhes noutros actos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas; fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso deixar de ser para sempre.
Neste ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências, emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter, na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê mais que a linha mais elevada dessas vidas,
A Importância de Dostoievski na Literatura
Os dois grandes monumentos do romance que o século passado (XIX) nos legou, ou seja aqueles em que poderemos reconhecer-nos, foram os erguidos por Tolstoi e por Dostoievski. Mas se a lição do primeiro foi facilmente assimilada, a do segundo levou tempo – e tanto, que só hoje acabámos de entendê-la bem. Significa isto que Tolstoi, com incidências menores de moralização, continua um Balzac, é bem do século XIX. E foi por se pretender à força ligar a esse século também um Dostoievski que ele só tarde se nos revelou, para dominar ainda hoje, diga-se o que se disser, todo o romance europeu. Para usar uma expressão que já usei, não com inteira originalidade, e a que a crítica me ligou, direi que Tolstoi continua o romance-espectáculo e que Dostoievski inaugura o romance-problema.
Dir-se-ia, e com razão, que todo o romance é problema e espectáculo, já que o espectáculo resiste num romance de Kafka ou Dostoievski, e o problema implicita-se numa qualquer narrativa, nem que seja o Amadis de Gaula. Mas é tão visível a deslocação do acento na obra de Dostoievski, que ela foi defendida, para existir, pelo que lhe é inessencial (como por um Brunetière e recentemente um Ernst Fischer,
Com a força de nosso amor, da nossa vontade, podemos mudar o nosso destino, e o destino de muita gente.