Ora Nize
Ora Nize se ri, ora lamenta,
Ora se of’rece, ora se dificulta
Ora em nada me aceita, ora me multa
Ora me anima, ora me desalenta:Ora gostos me dá, ora atormenta;
Ora se deixa ver, ora se oculta;
Ora mimos me faz, ora me insulta;
Ora toda é bonança, ora tormenta:Ora me faz gelar, ora me acende;
Ora aleito me dá, ora me espanta,
Ora solto me traz, ora me prende:Ora triste me tem, ora me encanta;
Ora sim, ora não; ninguém a entende,
Ora Ă© um Diabo, ora Ă© uma Santa.
Passagens sobre Diabo
178 resultadosO Câmbio do Amor
Amor, qualquer outro diabo que nĂŁo tu
Daria, por uma alma, algo em troca.
Na Corte, teus colegas, todos os dias,
Dão a arte da rima, da caça, ou do jogo,
Por aquelas que antes a si se pertenciam;
Somente eu, o que mais dei, nada tenho,
Mas — infeliz — por ser mais vil, sou aviltado.Não peço agora permissão
Para fingir uma lágrima, suspiro, jura;
NĂŁo te solicito para que obtenhas
Um non obstante sobre a lei natural;
Estas sĂŁo prerrogativas inerentes
A ti e aos teus; ninguém as deverá abjurar
A não ser que fosse servo do Amor.Dá-me a tua fraqueza, faz-me duplamente cego
Como tu e os teus, de olhos e mente.
Amor, nunca me deixes saber que isto
É amor, ou que o amor é pueril;
NĂŁo me deixes saber que outros sabem
Que ela sabe de minha dor: que essa terna afronta
Me não torne em minha própria nova dor.Mesmo se tu nada deres, ainda assim és justo,
Porque nĂŁo confiei nos teus primeiros sinais;
As vilas que resistem até que forte artilharia
As sujeitem,
É preciso ter o diabo no corpo para alcançar êxito em alguma arte.
Nem sempre o diabo Ă© tĂŁo feio como o pintam.
A mulher – Ă© o anjo e o diabo num sĂł corpo.
Atrás da cruz se esconde o diabo.
Lisboa
De certo, capital alguma n’este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d’aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes – e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor de larangeira!A Cidade Ă© formosa e esbelta de manhĂŁ! –
É mais alegre então, mais limpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;
– E, ás vezes, em roupĂŁo, uma violeta bella
Vem regar o craveiro e assoma na janella.A Cidade Ă© beata – e, ás lucidas estrellas,
O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,
Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;
E á triste e dubia luz dos baços candieiros,
– Em bairos sepulchraes, onde se dĂŁo facadas –
Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D’olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;
– Outras fortes, crueis, os olhos cĂ´r d’amoras,
Quando começou a comprar almas, o diabo inventou a sociedade de consumo.
Foi Deus que criou o mundo, mas parece ser o diabo que o mantém.
Contas na mão, diabo no coração.
Um dia… Pronto! Me acabo. Pois seja o que tem de ser. Morrer: Que me importa? O diabo Ă© deixar de viver.
O diabo é um otimista, se acha que pode tornar as pessoas piores do que já são.
Muita Cagança
Todos nĂłs damos vontade de rir. Somos uns pobres diabos. Usando um termo grosseiro: muita cagança, muita cagança e para quĂŞ? Somos pequenĂssimos. NĂŁo Ă© que uma pessoa tenha que aceitar a sua pequenez, mas parece-me bastante triste a vaidade, a presunção, o orgulho, tudo isso com que pretendemos ou queremos mostrar que somos mais do que efectivamente somos. NĂŁo será caricato ou ridĂculo, mas bastante triste.
O Tonel do Rancor
O Rancor Ă© o tonel das Danaidas alvĂssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vĂŁo encher-lhes as trevas profundĂssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o lĂquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.– Mas se o Ă©brio feliz sabe com quem se avĂ©m,
O Rancor, por seu mal, nĂŁo logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.Tradução de Delfim Guimarães
Quando Deus se omite, o Diabo se apresta para substituĂ-lo.
CompaixĂŁo Perversa
O prazer de maltratar outrĂ©m Ă© distinto da crueldade. Esta consiste em encontrar satisfação na compaixĂŁo, e atinge o ponto culminante quando a compaixĂŁo chega a extremos, como quando maltratamos os que amamos; todavia, se fosse alguĂ©m, que nĂŁo nĂłs, a magoar os que amamos, entĂŁo ficávamos furiosos, e a compaixĂŁo tornar-se-nos-ia dolorosa; mas somos nĂłs a amá-los e somos nĂłs a magoá-los…
A compaixão exerce uma infinita atenção: a contradição de dois instintos fortes e opostos actua em nós como atractivo supremo.
(…) A crueldade e o prazer da compaixĂŁo:
A compaixĂŁo aumenta quanto mais conhecemos e mais amamos intensamente quem Ă© objecto dela. Portanto, aquele que trata com crueldade o objecto do seu amor retira da crueldade – que amplia a compaixĂŁo – a máxima satisfação.
Quando, acima de tudo, nos amamos a nĂłs prĂłprios, o maior prazer que encontramos – por meio da compaixĂŁo – pode levar-nos a mostrarmo-nos cruĂ©is para connosco. HerĂłico da nossa parte Ă© o esforço de completa identificação com aquilo que nos Ă© contrário. A metamorfose do Diabo em Deus representa esse grau de crueldade.
A Ultima Serenada do Diabo
No tempo em que elle, nas lendas,
Era amante e cortezĂŁo,
Jogava, e tinha contendas,
Cantava assim em MilĂŁo:……………………………………
……………………………………
……………………………………Ă“ flores meigas, Ăł Bellas!
Para prender os toucados,
Eu dar-vos-hia as estrellas:
– Os alfinetes dourados!SĂł pelo amor quebro lanças! –
A Rainha de Navarra
Enleou um dia as tranças
No braço d’esta guitarra!Sou um heroe perseguido!…
Mas inda ha luz nos meus rastros;
A lança que me ha ferido
Foi feita do ouro dos astros!Mas um dia, Ăł bem amadas!
Eu tornaria ás alturas…
Subindo pelas escadas
Das vossas tranças escuras!O amor que em meu peito cabe
NĂŁo conta diques, Ăł bellas!
SĂł minha guitarra o sabe,
E aquellas velhas estrellas!Ă“ batalhas amorosas!
– Era d’aventuras cheia!
Ă“ brancas noutes saudosas
Que eu andei pela Judea!Ă“ flores apetecidas!
Livros escriptos com beijos!
Ă“ brancas aves fugidas
Dos jardins dos meus desejos!NĂŁo me deixeis no abandono
Ă“ tristes olhos leaes!
O acaso… Ă© um Deus e um diabo ao mesmo tempo.
Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.
A Dificuldade de Estabelecer e Firmar Relações
A dificuldade de estabelecer e firmar relações. Há uma tĂ©cnica para isso, conheço-a. Nunca pude meter-me nela. Ser «simpático». É realmente fácil: prestabilidade, autodomĂnio. Mas. Ser sociável exige um esforço enorme — fĂsico. Quem se habituou, já se nĂŁo cansa. Tudo se passa Ă superfĂcie do esforço. Ter «personalidade»: nĂŁo descer um milĂmetro no trato, mesmo quando por delicadeza se finge. Assumirmos a importância de nĂłs sem o mostrar. Darmo-nos valor sem o exibir. Irresistivelmente, agacho-me. E logo: a pata dos outros em cima. Bem feito. Pois se me pus a jeito. E entĂŁo reponto. O fim. Ser prestável, colaborar nas tarefas que os outros nos inventam. ColĂłquios, conferĂŞncias, organizações de. Ah, ser-se um «inĂştil» (um «parasita»…). Razões profundas — um complexo duplo que vem da juventude: incompreensĂŁo do irmĂŁo corpo e da bolsa paterna. O segundo remediou-se. Tenho desprezo pelo dinheiro. Ligo tĂŁo pouco ao dinheiro que nem o gasto… Mas «gastar» faz parte da «personalidade». SaĂşde — mais difĂcil. Este ar apeurĂ© que vem logo ao de cima. A Ăşnica defesa, obviamente, Ă© o resguardo, o isolamento, a medida.
É fácil ser «simpático», difĂcil Ă© perseverar, assumir o artifĂcio da facilidade. Conservar os amigos. «NĂŁo Ă©s capaz de dar nada»,