Passagens sobre Difícil

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O Ideal Português como Ideal para o Mundo

Três pontos, segundo Camões, sobre os quais temos que meditar, e ver como é. Ponto número 1: é preciso que os corpos se apaziguem para que a cabeça possa estar livre para entender o mundo à volta. Enquanto nós estamos perturbados com existir um corpo que temos que alimentar, temos que fartar, que temos de tratar o melhor possível, cometendo para isso muitas coisas extremamente difíceis, nessa altura, quando a nossa cabeça estiver inteiramente livre e límpida, nós podemos ouvir aquilo que Camões chama «a voz da deusa». E que faz a voz da deusa? Arranca àqueles marinheiros as limitações do tempo e as limitações do espaço. Arranca-os às limitações do tempo o que faz que eles saibam qual vai ser o futuro de Portugal. E arranca-os às limitações do espaço porque eles vêem todo o mundo ao longe, o universo que está ao longe, a deusa lho mostra, embora com o sistema errado, digamos assim, ou imperfeito, de Ptolomeu, e eles estão portanto inteiramente fora do espaço. Aquilo que foi o ideal dos gregos, e que os gregos nunca conseguiram realizar. Então o que é que aconteceu? Aconteceu que um dia houve outro português que tinha ido para o Brasil,

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A Génese de um Poema

A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(…) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.

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O Dote que se Oferece no Horror

o dote que se oferece no horror
dessa cidade é mais uma manobra difícil
das marés viradas em nossos pulsos
tal o esforço da visão da névoa

sonhos e vibrações técnicas estão aí
para tudo que seja atual
em frontes douradas pois ficou vazio
o que é pesado como o antigo absurdo

seu desejo excepcional ainda dentro
do medo com a mudança recente de vultos
interessados na superfície do arrependimento

mas chegou ao fim a fúria da indecência
e as unhas vistas entre os ossos podem matar
elas conhecem o que pode ser morto de novo

Quais São os Escritores Que Nos Enriquecem?

Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjectivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso. Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma selecção literária. É uma selecção puramente subjectiva e a sua podia ser totalmente diferente.
Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas estão, mas nunca me mostram como posso mudá-las. Logo, quando Simone de Beauvoir escreve um livro acerca do envelhecimento, ela está a curvar-se à idade cronológica e a dizer que em determinada altura ficamos velhos. Mas nós às vezes ficamos velhos aos vinte anos.

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Não é difícil o sucesso político se tivermos em conta que é uma área pouco cobiçada e onde não há adversários muito convictos.

Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que se mais ama. Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.

O Exercício de Viver

Se o exercício de viver consiste maioritariamente em se ir atraiçoando um por um os sonhos que animaram os nossos anos de infância e juventude, então cada pessoa é o resultado exato de um bom punhado de traições. Às vezes centenas. Traem-se os sonhos mais puros e traem-se também os pesadelos. Por erro humano, fugimos de tempestades sem nos apercebermos de que eram tão nossas e estavam tão mergulhadas na nossa própria medula que sem elas não poderíamos existir. Dizemos, salva-me; dizemos, a ti já não quererei cravar facas nas pernas, não te farei mal, não desejarei ver a tua expressão de dor em nenhum espelho, amar-te-ei de outro modo, adorar-te-ei a partir de um ser que não existe, chamarei suplício ao meu passado, chamar-lhe-ei calvário até chegar a ti. Dir-te-ei que és suave como sonho o céu e que não me importo de fechar os olhos a tudo para sempre se souber que depois irás beijar-me as pálpebras. Não serei eu. Lançarei pazadas e mais pazadas de terra sobre o monstro. Aproximar-me-ei o mais possível do nada, de um caixão sem morto, de uma catedral vazia. Comprar-te-ei flores.

Não pode ser muito difícil porque nada é o que somos em definitivo,

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O ser humano não é intrinsecamente bom nem mau. O que verifico é que a bondade é mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo que nos afasta do outro, do que ser bom.

Ser Feliz é um Dever

É difícil ser feliz; requer espírito, energia, atenção, renúncia e uma espécie de cortesia que é bem próxima do amor. Às vezes é uma graça ser feliz. Mas pode ser, sem a graça, um dever. Um homem digno desse nome agarra-se à felicidade, como se amarra ao mastro em mau tempo, para se conservar a si mesmo e aos que ama. Ser feliz é um dever. É uma generosidade.

Que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.

Não há Sabedoria sem Esforço

Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,

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Brincando agora de esconder, se te escondesses no meu coração, não seria difícil encontrar-te. Mas se te escondesses dentro de tua própria casca, então seria inútil procurar por ti.

O Desejo de Ser Diferente

O desejo de se ser diferente daquilo que se é, é a maior tragédia com que o destino pode castigar o homem. O desejo de ser outro, diferente daquilo que somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Porque não é possível suportar a vida de outra maneira, apenas sabendo que nos conformamos com aquilo que significamos para nós próprios e para o mundo. Temos de nos conformar com aquilo que somos e de ter consciência, quando nos conformamos, de que em troca dessa sabedoria, não recebemos elogios da vida, não nos põem no peito nenhuma condecoração por sabermos e aceitarmos que somos vaidosos ou egoístas, carecas e barrigudos – não, temos de saber que por nada disso recebemos recompensas, nem louvores. Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os seus defeitos, egoísmos e avidez, não os mudam nem a experiência, nem a compreensão. Temos de suportar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo. Temos de suportar que as pessoas que amamos, não nos amem, ou que não nos amem como gostaríamos. Temos de suportar a traição e a infidelidade, e o que é mais difícil entre todas as tarefas humanas,

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