A gente deita-se são, e acorda doente.
Passagens sobre Doentes
241 resultadosNão posso. Passar a vida assim, a jogar a bisca com o prior, a levantar-me às tantas da madrugada para ir ver um doente ao Gandramás, a ouvir e a contar histórias de caça o resto do tempo, valha eu o que valer, é um destino que não mereço.
A certeza – isto é, a confiança no carácter objectivo das nossas percepções, e na conformidade das nossas ideias com a «realidade» ou a «verdade» – é um sintoma de ignorância ou de loucura. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante; quer dizer, numa instabilidade mental permanente; e, como a instabilidade mental permanente é um sintoma mórbido, o homem são é um homem doente.
Lésbia
Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo…Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso…
Li Hoje Quase Duas Páginas
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não
eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Passando
Ao Dr. Celestino Wanderley, em agradecimento à sua Morte de Cecy
Quando me vêem passar risonha e calma,
Sem um pesar que me anuvie a fronte,
Perdido o olhar na curva do horizonte,
Cuidam que eu tenho o paraíso n’alma.Mesmo encontrei quem me dissesse um dia:
“Invejo-te a existência descuidosa.”
Como se espinhos não tivesse a rosa,
Ou fosse a vida isenta de agonia!Porém, enquanto, desdenhosa, altiva,
Eu vou passando, alegre ou pensativa…
A rir, a rir, como um feliz demente,Meu pobre coração dentro do peito
– Triste doente a agonizar no leito –
Vai soluçando dolorosamente…
À custa do doente come toda a gente.
Vi Jesus Cristo Descer à Terra
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A medicina cria pessoas doentes, a matemática, pessoas tristes, e a teologia, pecadores.
Os medicamentos antidepressivos e os tranquilizantes são excelentes armas terapêuticas, mas não têm capacidade de conduzir o ser humano a gerir os seus pensamentos e emoções. A psiquiatria trata dos seres doentes, mas não sabe como torná-los felizes, seguros, sábios, serenos.
Mãe, Eu Estou tão Cansado
Mãe, eu estou tão cansado e sinto nos ossos
o chamamento da água, o chamamento sibilino
que se confunde com o ranger das portas das casas
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz
de me resgatar e que dentro dele se perfilem
as sombras e os gestos, exército dos meus medos
mais secretos, temores enrodilhados na roupa húmida
das camas. Mãe, a luz não se demora no meu quarto,
morre nas corolas das flores que trouxeste
para o riso não murchar, e eu fico doente só de olhar
os muros onde a hera é espiral de espanto, raiz
de uma enfermidade latente. Não voltarei
às actas do desespero, que são sombrias e magras
como os corpos dos amantes que definham sobre a
[areia
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios
escondida na solidão branca das dunas, mãe.
À falta de médico, não morre o doente.
O criminoso, no momento em que pratica o seu crime, é sempre um doente.
Ofício de Amar
já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras
[galáxias, e
[o remorsoum dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadasascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo
Vertigem Civilizacional Desumana
O homem não pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autómato será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidão, é tão inseparável da vida do homem como a sucessão das estações é inseparável das plantas, ou do nascimento das crianças. Estamos no caminho mas não a caminhar, estamos num veículo sobre o qual nos movemos incessantemente, como uma grande jangada ou como essas cidades satélites que dizem que haverá. E ninguém anda a passo de homem, por acaso algum de nós caminha devagar? Mas a vertigem não está só no exterior, assimilá-mo-la na nossa mente que não pára de emitir imagens, como se também fizesse zapping; talvez a aceleração tenha chegado ao coração que já lateja num compasso de urgência para que tudo passe rapidamente e não permaneça. Este destino comum é a grande oportunidade, mas quem se atreve a saltar para fora? Já nem sequer sabemos rezar porque perdemos o silêncio e também o grito.
Na vertigem tudo é temível e desaparece o diálogo entre as pessoas. O que nos dizemos são mais números do que palavras, contém mais informação do que novidade. A perda do diálogo afoga o compromisso que nasce entre as pessoas e que pode fazer do próprio medo um dinamismo que o vença e que lhes outurgue uma maior liberdade.
Pétala Dobrada para Trás da Rosa
Pétala dobrada para trás da rosa que outros dizem de veludo.
Apanho-te do chão e, de perto, contemplo-te de longe.Não há rosas no meu quintal: que vento te trouxe?
Mas chego de longe de repente. Estive doente um momento.
Nenhum vento te trouxe agora.
Agora estás aqui.
O que foste não és tu, se não toda a rosa estava aqui.
D. Quixote
Assim à aldeia volta o da “triste figura”
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcaboiço dobrado – um grande desalento,
No entristecido olhar – uns laivos de loucura…Sonhos, a glória, o amor, a alcantilada altura
Do ideal e da Fé, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e o Cura.Mas, certo, ó D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pôr nesse teu cérebro oco
O brilho da Ilusão do espírito doente;Porque há cousa pior: é o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusões – e não se ficar louco!
Não há Sabedoria sem Esforço
Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,
O bom da gente ser pobre, triste, feio, doente e velho é que nada pior nos pode acontecer.
Eu quero fazer silêncio Um silêncio tão doente Do vizinho reclamar E chamar polícia e médico E o síndico do meu tédio Pedindo pra eu cantar