Passagens sobre Duros

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Memória De Meu Bem, Cortado Em Flores

Memória de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.

Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.

Perdi nua hora quanto em termos
tão vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.

Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, não ua só, dura memória!

Construir sobre a vontade de uma multidão é loucura; a vontade de um povo é como um relâmpago que dura um segundo.

Soneto XXIX

Que mal é este meu tão diferente?
Não é dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?

Seu natural custume não consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.

Sou qual Fénix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lá se queixa,
E por sentir mais dor se não consume.

Não dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.

Através das secas frases que povoavam seus pensamentos, verificou que havia tempo para sentir algo: a dura e exultante sensação de estar agindo.

Vi já das altas aves a harmonia,
Que até aos montes duros convidava
A um modo suave de alegria.

Pelo exemplo de Beatriz compreende-se
facilmente como o amor feminino dura pouco,
se não for conservado aceso pelo olhar e pelo tacto do homem amado.

Às vezes penso que tornam de propósito as coisas mais duras do que realmente são, só pra ver se eu reajo, se eu enfrento.

O Regulador do Prazer e da Dor: o Hábito

O hábito é o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tão bem à sua dura existência que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandoná-la e o condena a viver ao sol. O hábito, regulador da vida habitual, é também o verdadeiro sustentáculo da vida social. Pode-se compará-lo à inércia, que se opõe, em mecânica, às variações de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hábitos sociais, depois em não permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hábitos pesou muito tempo num povo, ele só se liberta desse jugo por meio de revoluções violentas. O repouso na adaptação, que o hábito consiste, não se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizações adiantadas, indivíduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto é, do hábito.

Seria inútil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filósofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.

“Que são os nossos princípios naturais”, diz Pascal, “senão os nossos princípios acostumados. E nas crianças,

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O Grito

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse

A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a optimista profissional e tenhas uma bela carreira de político.

Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Mãe

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Eu e a minha mulher ficamos na dúvida entre tirar férias ou nos divorciarmos. Optámos pela segunda hipótese. Duas semanas no Caribe podem ser divertidas, mas um divórcio dura para sempre.

Os Amantes

Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;

O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.

Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.

Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?

És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.

Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.

Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;

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