Soneto XXII
Ao mesmo
Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.Usou c’o inferno deste próprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.
Passagens sobre Encontro
297 resultadosEis-me
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua faceMas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncioEscura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda
Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro…
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiroE o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geralPorque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
Os Limites da Amizade
Determinemos, agora, quais são os limites e, por assim dizer, os termos da amizade. Encontro aqui três opiniões diferentes, das quais não aprovo nenhuma: a primeira deseja que sejamos para os nossos amigos, assim como somos para nós mesmos; a segunda, que a nossa afeição por eles seja tal e qual à que eles têm por nós; a terceira, que estimemos os nossos amigos, assim como eles se estimam a si mesmos. Não posso concordar com nenhuma destas três máximas. Porque a primeira, que cada um tenha para com o seu amigo a mesma afeição e vontade que tem para si, é falsa. De facto, quantas coisas fazemos pelos nossos amigos, que jamais faríamos para nós! Rogar, suplicar a um homem que se despreza, tratar a outro com aspereza, persegui-lo com violência; coisas que em causa própria não seriam muito decentes, nos negócios dos amigos tornam-se muito honrosas. Quantas vezes um homem de bem abandona a defesa dos seus interesses e os sacrifica, em seu próprio detrimento, para servir os de seu amigo!
A segunda opinião é a que define a amizade por uma correspondência igual em amor e bons serviços. É fazer da amizade uma ideia bem limitada e mesquinha,
XLIII
Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.
És como o Ar que Respiro
Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.
A Velha Angra
Olhou sobre a velha Angra, aninhada aos pés do Monte Brasil, as araucárias erguendo-se contra o céu cinzento. Esquadrinhou com o olhar as suas ruas, os seus solares e palácios, as suas igrejas. Imaginou marinheiros e mercadores, saltimbancos e aventureiros a caminho das sete partidas do mundo. Charlatães bebiam vinho com missionários, soldados negociavam serviços com prostitutas, piratas persuadiam navegadores ao serviço do rei sobre novas e mais rentáveis rotas, de encontro ao Vento Carpinteiro. Havia escravos e bêbedos, burocratas e crianças furtivas, freiras e casais de condenados com destino ao Brasil, e toda essa gente circulava pela cidade como se fosse o seu sangue, incerto e veloz, bombeado por um coração descompassado que era o próprio movimento do mar, furioso, naufragando naus e galeões como numa tela de Vernet.
Por mais que procure a verdade nas massas, não a encontro, só nos indivíduos.
Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.
Os Livros São Janelas
Vi um livro no lixo e arrepiei-me pensando que há livros que nascem mortos. Pode-se viver sem ler ? Quem não lê não entra no rio da história e quem lê é como o mar onde desaguam muitos rios. Comprar um livro é sempre como a primeira vez, como quem marca um encontro para receber uma confidência. Uma casa sem livros está desabitada, é uma pensão… Os livros são janelas. Hoje vou abrir uma delas.
(
Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p’ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
O Primeiro Beijo
Durante todas as noites desse verão, as estrelas foram líquidas no céu. Quando eu as olhava, eram pontos líquidos de brilho no céu. Na primeira vez, encontrámo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou três palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caía como se flutuasse: cair através do céu dentro de um sonho.
Naquela noite, fiquei a esperá-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensão. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma única forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao céu claro da noite. E faltou uma batida ao coração.
O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer.
A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.
A Impossibilidade de Renunciar
Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.
Lua Adversa
Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.E roda a melancolia
seu interminável fuso!Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…
A companhia dos néscios, como com um inimigo, é sempre penosa; a companhia dos sábios é como o encontro com parentes queridos.
Lamento do Poeta Objectivo
Anda-me o amor tomando a própria vida,
como se, amando, eu existisse mais.
E leva-me o Destino em voz traída,
como se houvera encontros desiguais.A multidão me cerca, e, renascida,
já dela terei fome de sinais.
E, mal a noite se demora ardida,
o medo e a solidão me esfriam taisas cinzas desse amor que sacrifico.
Não é futura a só miséria. A queixa
também não é: e apenas aconteceno vácuo imenso que este amor me deixa,
quando maior, quando de si mais rico,
se dá de mundo em mundo, e lá me esquece.
Mães de Portugal
Ó Mães de Portugal comovedoras,
Com Meninos Jesus de encontro ao peito,
Iguais na devoção e amor perfeito
Aos painéis onde estão Nossas Senhoras!Ó Virgem Mãe, qual se tu própria foras,
Surgem de cada lado, quase a eito,
As Mães e os Filhos em abraço estreito,
Dolorosas, felizes, povoadoras…São presépios as casas onde moram:
E o riso casto, as lágrimas que choram,
O anseio que lhes enche o coração,Gesto, candura, olhar — tudo é divino,
Tudo ensinado pelo Deus Menino,
Tudo é da Mãe Celeste inspiração!
Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo.
Tormanto do Ideal
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a côr, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.Pedindo à fórma, em vão, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fórmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.