Questionação do Inquestionável
Toda a pergunta implica uma interrogação a um olhar vigilante. Mas a vigília cansa. Nunca porém o soubemos como hoje, porque só hoje verdadeiramente interrogamos – só hoje sabemos ser essa a questionação do inquestionável.
Mas reconhecemo-lo precisamente por termos interrogado. Porque ao longo da História, jamais o homem de facto interrogou, por não saber que interrogava. Esboçada embora há muito a questão do fundamental, ela perturbou-se-nos no entusiasmo de lhe responder em positivo ou negativo. Porque a negação não nega, a destruição não destrói, excepto se não há mais nada para destruir: até lá constrói ainda – nem que seja o próprio acto de destruir. Fazer e desfazer, com efeito, são iguais como acto e entusiasmo desse acto. A grande diferença não é a que separa um do outro, mas a que os separa a ambos de nós. A grande diferença é a que vai da segurança do falar à perturbação do silêncio; do «sim» ou «não» como limite, ao querer ir além do limite sem mais além para ir. Mas a luz que ilumina, o que iluminou? Que a ciência te explique o que é uma simples pedra, explicou por cima do que seria interessante explicar. Há uma questão ainda,
Passagens sobre Entusiasmo
108 resultadosO Medo da Morte só se Justifica na Juventude
Algumas pessoas idosas vivem obcecadas com o medo da morte. Este sentimento só se justifica na juventude. Os jovens que receiam, com razão, morrer na guerra, podem legitimamente sentir a amargura do pensamento de terem sido defraudados do melhor que a vida lhes podia oferecer. Mas num velho que conheceu já as alegrias e dores humanas e que cumpriu a sua missão, qualquer que fosse, o receio da morte é algo de abjecto e ignóbil. O melhor meio de o vencer – pelo menos quanto a mim – é aumentar gradualmente as nossas preocupações, torná-las cada vez mais impessoais, até ao momento em que, a pouco e pouco, os limites da nossa personalidade recuem e a nossa vida mergulhe mais ainda na vida universal.
Pode-se comparar a existência de um indivíduo a um rio – pequeno a princípio, estreitamente encerrado entre duas margens, arremetendo, com entusiasmo, primeiro os seixos e depois as cataratas. A pouco e pouco, o rio alarga-se, as suas margens afastam-se, a água corre mais calmamente e, por fim, sem nenhuma mudança brusca, desagua no oceano e perde sem sofrimento a sua existência individual.
O homem que na velhice pode ver a sua vida desta maneira,
A Nefasta Hiperdemocracia dos Nossos Tempos
Ninguém, creio eu, deplorará que as pessoas gozem hoje em maior medida e número que antes, já que têm para isso os apetites e os meios. O mal é que esta decisão tomada pelas massas de assumir as actividades próprias das minorias, não se manifesta, nem pode manifestar-se, só na ordem dos prazeres, mas que é uma maneira geral do tempo. Assim (…) creio que as inovações políticas dos mais recentes anos não significam outra coisa senão o império político das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princípios o indivíduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Ao amparo do princípio liberal e da norma jurídica podiam atuar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivência legal, eram sinónimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.
É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da política e encarregasse a pessoas especiais o seu exercício. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que,
O Sexo é um Caso Sério
Pensai no casal mais belo, mais encantador, como ele se atrai e se repele, se deseja e foge um do outro com graça num belo jogo de amor. Chega o instante da volúpia, e toda a brincadeira, toda a alegria graciosa e doce de súbito desapareceram. Porquê? Porque a volúpia é bestial, e a bestialidade não ri. As forças da natureza agem por toda a parte seriamente. A volúpia dos sentidos é o oposto do entusiasmo que nos abre o mundo ideal. O entusiasmo e a volúpia são graves e não comportam a brincadeira.
Prefiro os erros do entusiasmo à indiferença da sabedoria
Eu de tudo me aborreço, não te confessei já? Entusiasmo-me às vezes, mas dura pouco o entusiasmo; isto quanto a sensações e pensamentos, porque com os sentimentos é o contrário, infelizmente para mim.
O homem morre a primeira vez quando perde o entusiasmo.
A Felicidade na Perseverança
Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem – quereis saber – e qual é a fonte de onde emana?Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo,
Às vezes podemos ser tentados a deixarmo-nos tomar pela preguiça ou, pior, pelo desalento, sobretudo perante os trabalhos e as provocações da vida. Nestes casos, não desanimemos e invoquemos o Espírito Santo, para que, como o dom da Sua fortaleza, possa levantar o nosso coração e comunicar nova energia e novo entusiasmo à nossa existência e à nossa imitação de Jesus.
O entusiasmo. A necessidade de inovar e começar coisas novas. O amor à vida. O sentido da beleza. A vontade de sonhar, que ainda não passou. Se é que tenho qualidades, essa é uma delas. Quando tomo conta de um projecto que me agrade, sou outra vez um miúdo de 20 anos.
Eu prefiro o erro do entusiasmo à indiferença do bom senso.
Rompeu-Se O Denso Véu Do Atroz Marasmo
Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De néscio, vil truão solta o sarcasmo.Perdão, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!
Venda da Alma e Venda do Corpo
Não só as mulheres que casam sem amor, mas apenas por conveniência; não só as esposas que continuam a comer o pão daquele que já não amam e enganam; não só as mulheres se prostituem. É prostituto o escritor que coloca a pena ao serviço das ideias em que não crê; o advogado que defende causas que reconhece injustas; quem finge a adesão aos mitos e interesses dos poderosos para obter recompensas materiais e morais; o actor e o bobo que se expõem diante dos idiotas pagantes para arrecadar aplausos e dinheiro; o poeta que abre aos estranhos os segredos da sua alma, amores e melancolias, para obter em compensação um pouco de fama, de dinheiro ou de compaixão; e, acima de tudo, é prostituto o político, o demagogo, o tribuno que todos devem acariciar, seduzir, a todos promete favores e felicidade e a todos se entrega por amor à popularidade – justamente chamado homem público, quase irmão de toda a mulher pública.
Mas quem de entre nós, pelo menos um dia da sua vida, não simulou um sentimento que não tinha e um entusiasmo que não sentia e repetiu uma opinião falsa para obter compensações, cumplicidades, sorrisos ou benefícios?
O entusiasmo é um motor simplesmente indispensável à perfeição.
A Inteligência e o Sentido Moral
A inteligência é quase inútil para aqueles que só a possuem a ela. O intelectual puro é um ser incompleto, infeliz, pois é incapaz de atingir aquilo que compreende. A capacidade de apreender as relações das coisas só é fecunda quando associada a outras actividades, como o sentido moral, o sentido afectivo, a vontade, o raciocínio, a imaginação e uma certa força orgânica. Só é utilizável à custa de esforço.
Os detentores da ciência preparam-se longamente realizando um duro trabalho. Submetem-se a uma espécie de ascetismo. Sem o exercício da vontade, a inteligência mantém-se dispersa e estéril. Uma vez disciplinada, torna-se capaz de perseguir a verdade. Mas só a atinge plenamente se for ajudada pelo sentido moral. Os grandes cientistas têm sempre uma profunda honestidade intelectual. Seguem a realidade para onde quer que ela os conduza. Nunca procuram substituí-la pelos seus próprios desejos, nem ocultá-la quando se torna opressiva. O homem que quiser contemplar a verdade deve manter a calma dentro de si mesmo. O seu espírito deve ser como a água serena de um lago. As actividades afectivas, contudo, são indispensáveis ao progresso da inteligência. Mas devem reduzir-se a essa paixão que Pasteur chamava deus inteiror, o entusiasmo.
Qualquer pessoa pode elevar-se acima das suas circunstâncias e alcançar sucesso, caso se dedique e tenha entusiasmo pelo que faz.
O entusiasmo é um vulcão em cujo topo nunca nasce a erva da hesitação.
Como Manipular um Público
Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.
Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.
Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros.
A Minha Poesia
Aquilo que dentro da minha produção poética pode eventualmente definir-me, entre os poetas da minha geração, é o resultado do esforço para conquistar um espaço independente, ou seja, a minha forma particular de universalizar. Pertenço ao número dos que atribuem à poesia uma enorme responsabilidade: a de transformar o mundo. A poetização das coisas não é senão o aperfeiçoamento delas. É para isto que se faz poesia e não para com ela se fazer literatura. Os transes de ironia e de revolta que muitas vezes tecem os meus poemas, são o regurgitar de um incontinente entusiasmo por um sonegado destino de amor e liberdade que o poeta escuta ao estimular a superação das coisas e dos seres e que não vê cumprida. A luta contra o tempo gerando o sublime engendra-lhe o reverso que é a abjecção de se viver condicionalmente. Aquilo que Jaspers chama o incondicional e que emana de uma liberdade que não pode ser de outra maneira, que não é causa de leis naturais mas o seu fundamento transcendente e que é o sublime de cada um, resulta na maior traição, porque não é dado ao homem como sua existência, mas deslumbrado num estado de superação. A luta pelo incondicional em choque com a minha condicionalidade,
A melhor maneira de nos prepararmos para o futuro é concentrar toda a imaginação e entusiasmo na execução perfeita do trabalho de hoje.