Chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso justamente já ter lembranças.
Passagens sobre Época
228 resultadosSe os governos quiserem hoje ser úteis à sociedade, se eles não quiserem adiantar a época do terrível cataclismo que espera um estado de coisas factício em que o dolo e imoralidade e o ludíbrio do povo ocupa uma parte tão considerável, eles terão que olhar mais pelo povo que padecia em silêncio sem se queixar porque já nem mesmo se sabe queixar.
Vivemos numa época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar-se a si mesmo.
Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de saber escolher.
Já há um século que se deixou de educar as crianças para que se tornem adultos. Pelo contrário, os adultos da nossa época são educados para continuarem a ser crianças.
Ode Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive.
Se por vezes somos felizes sem motivo, nunca poderemos ser infelizes da mesma maneira. E, numa época severa como é a nossa, espera-se que cada um escolha o inimigo certo e um destino à medida das suas forças.
Se o desenvolvimento da civilização é tão semelhante ao do indivíduo, e se usa os mesmos meios, não teríamos o direito de diagnosticar que muitas civilizações, ou épocas culturais – talvez até a humanidade inteira – se tornaram neuróticas sob a influência do seu esforço de civilização ?
Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.
Todos os Escritos Possuem um Sentido
Não queremos ter vergonha de escrever e não sentimos a necessidade de falar para não dizer nada. De resto, ainda que o desejássemos, não o conseguiríamos: ninguém pode conseguir isso. Todos os escritos possuem um sentido, mesmo que esse sentido esteja muito afastado daquele que o autor tenha pensado dar-lhe. Para nós, com efeito, o escritor não é Vestal nem Ariel: está «metido no caso», faça o que fizer, marcado, comprometido, mesmo no seu mais profundo afastamento. Se, em certas épocas, utiliza a sua arte para forjar bugigangas de inanidade bem soante, até isso é significativo: é porque há uma crise das letras e, sem dúvida, da sociedade.
Temos de Ser Mais Humanos
Abram os olhos. Somos umas bestas. No mau sentido. Somos primitivos. Somos primários. Por nossa causa corre um oceano de sangue todos os dias. Não é auscultando todos os nossos instintos ou encorajando a nossa natureza biológica a manifestar-se que conseguiremos afastar-nos da crueza da nossa condição. É lendo Platão. E construindo pontes suspensas. É tendo insónias. É desenvolvendo paranóias, conceitos filosóficos, poemas, desequilíbrios neuroquímicos insanáveis, frisos de portas, birras de amor, grafismos, sistemas políticos, receitas de bacalhau, pormenores.
É engraçado como cada época se foi considerando «de charneira» ao longo da história. A pretensão de se ser definitivo, a arrogância de ser «o último», a vaidade de se ser futuro é, há milénios, a mesmíssima cantiga.
Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato.A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade, o desespero, a experiência, o amor desinteressado,
O coração após certo momento da vida é qual palimpsesto; nada se pode escrever nele sem primeiro raspar o texto da época anterior.
A liberdade das mulheres de hoje, maior ou pelo menos mais visível do que a dos tempos antigos, não passa de um dos aspectos da vida mais fácil das épocas prósperas; os princípios e mesmo os preconceitos não foram seriamente atingidos.
Confusa época em que os museus se transformam em igrejas e igrejas em museus.
Retrocesso Civilizacional
São talvez as prioridades dos nossos tempos que acarretam um retrocesso e uma eventual depreciação da vida contemplativa. Mas há que confessar que a nossa época é pobre em grandes moralistas, que Pascal, Epicteto, Séneca, Plutarco pouco são lidos ainda, que o trabalho e o esforço – outrora, no séquito da grande deusa Saúde – parecem, por vezes, grassar como uma doença. Porque faltam tempo para pensar e sossego no pensar, já não se examina as opiniões diferentes: a gente contenta-se em odiá-las. Dada a enorme aceleração da vida, o espírito e o olhar são acostumados a ver e a julgar parcial ou erradamente, e toda a gente se assemelha aos viajantes que ficam a conhecer um país e um povo, vendo-os do caminho-de-ferro.
Uma atitude independente e cautelosa em matéria de conhecimento é menosprezada quase como uma espécie de tolice, o espírito livre é difamado, nomeadamente, por eruditos que, na sua arte de observar as coisas, sentem a falta da minúcia e do zelo de formigas que lhes são próprios, e bem gostariam de bani-lo para um canto isolado da ciência: quando ele tem a missão, completamente diferente e superior, de comandar, a partir de uma posição solitária,
Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
A Individualidade Não Se Deixa Representar
Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,
Viver em Estado de Amor
Respirar, viver não é apenas agarrar e libertar o ar, mecanicamente: é existir com, é viver em estado de amor. E, do mesmo modo, aderir ao mistério é entrar no singular, no afetivo. Deus é cúmplice da afetividade: omnipotente e frágil; impassível e passível; transcendente e amoroso; sobrenatural e sensível. A mais louca pretensão cristã não está do lado das afirmações metafísicas: ela é simplesmente a fé na ressurreição do corpo.
O amor é o verdadeiro despertador dos sentidos. As diversas patologias dos sentidos que anteriormente revisitámos mostram como, quando o amor está ausente, a nossa vitalidade hiberna. Uma das crises mais graves da nossa época é a separação entre conhecimento e amor. A mística dos sentidos, porém, busca aquela ciência que só se obtém amando. Amar significa abrir-se, romper o círculo do isolamento, habitar esse milagre que é conseguirmos estar plenamente connosco e com o outro. O amor é o degelo. Constrói-se como forma de hospitalidade (o poeta brasileiro Mário Quintana escreve que «o amor é quando a gente mora um no outro»), mas pede aos que o seguem uma desarmada exposição. Os que amam são, de certa maneira, mais vulneráveis. Não podem fazer de conta. Se apetece cantar na rua,